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Internet muda hábitos e melhora a vida no interior da Amazônia

19 jun 2012 - 17h17
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Mauricio Tonetto
Direto de Suruacá (PA)

Na comunidade amazônica de Suruacá (PA), às margens do rio Tapajós, as antigas histórias e lendas da floresta deram lugar ao conto da tecnologia, cujos protagonistas são as redes sociais e o acesso à sociedade de consumo e sedução das grandes cidades. Se por um lado a instalação de antenas de telefonia e a propagação da internet no interior da Amazônia vêm mudando hábitos e transformando as culturas das comunidades, por outro também melhora a qualidade de vida das pessoas, a educação e a saúde e facilita as denúncias de ações ilegais e crimes ambientais.

Crianças se divertem e se instruem com o celular e acesso à web
Crianças se divertem e se instruem com o celular e acesso à web
Foto: Mauricio Tonetto / Terra

"A presença do Estado aqui é muito pequena, temos uma tensão frequente devido à invasão de madeireiras ilegais. Precisamos fortalecer os líderes comunitários e dar mais condições de comunicação para que eles denunciem. Hoje, graças à internet e ao telefone, as comunidades amazônicas do Tapajós têm contato direto com Ministério Público, prefeituras e Brasília. Além disso, cresceu a demanda por cultura, saúde e educação de qualidade", afirma Paulo Lima, um dos coordenadores do Projeto Saúde e Alegria, uma ONG que atua há 22 anos na região.

Com iniciativas de comunicação popular, inclusão digital e saúde básica, a organização atraiu a atenção de grandes empresas, como a Vivo e a Ericsson, que instituiram uma parceria para a construção de antenas de telefonia, telecentros, doação de celulares e instalação de internet 3G em locais de difícil acesso na Amazônia. Mais de 400 aparelhos foram entregues gratuitamente, facilitando o diálogo entre as localidades. A Vivo custeia R$ 15 mensalmente em cada aparelho, que é reposto se houver danos. O morador que quiser comprar um telefone tem descontos.

A primeira cidade que recebeu sinal foi Belterra, no oeste do Pará, em 2009. Em três anos, 170 vilarejos foram cobertos por 3G, totalizando mais de 30 mil ribeirinhos. Pessoas simples, como Andrea Kilvia Marques, 24 anos, que faz agora o que antes era impensável: se comunicar com o mundo. "Sem internet em Suruacá, teria de percorrer oito horas de barco até o município mais próximo para estar conectada. Agora, aprendendo a informática, posso incrementar a renda da minha família e gasto apenas 15 minutos para ir ao local das aulas. Estou me comunicando com o mundo, algo que nunca imaginei", conta ela, que se capacitou em um telecentro e virou agente de inclusão digital na comunidade.

De acordo com Tarcísio Ferreira, do Coletivo Puraquê, entidade que trabalha junto à Saúde e Alegria, o caso de Andrea reflete o que ele chama de "cultura digital": "É a reapropriação dos meios de tecnologia através das comunidades, em acordos entre universidades, associações de bairros e prefeituras. Estamos formando professores e ultrapassando a inclusão digital. Queremos que as pessoas entendam e dominem blogs, redes sociais, vídeo, áudio, animação e editoração gráfica e se tornem professores. Muitos como Andrea aprendem, abraçam a causa e seguem ensinando".

A Amazônia diz o que precisa

O coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino, explica que o acesso à internet na Amazônia está fazendo com que os moradores locais digam o que pensam e querem ao seu modo, invertendo a lógica de que quem está de fora é que determina suas vidas. Segundo ele, um trabalho forte entre a ONG e os líderes locais é feito para que os ribeirinhos se apropriem da tecnologia e mostrem ao mundo a sua cultura, sem esteriótipos. Para isso, foi criada a rede Mocoronga, com blogs, rádio, jornal e TV, produzidos integralmente pelos amazônicos, com auxílio da ONG, e instalados telecentros.

"É muito comum as pessoas me questionarem, no centro do País, o porquê de levar a internet para a Amazônia. Elas dizem 'para que colocar lá esta porcaria?' Então eu falo que é fácil dizer isso sem estar na floresta. Se tem alguém que precisa se conectar com o mundo são os amazônicos. Porém, não basta jogá-los na rede, é preciso ensiná-los a se expressar. Meu medo de que a internet fosse estragar os jovens e incentivá-los a ir embora teve efeito contrário: eles vêm reafirmando sua própria identidade", disse Scannavino.

Segundo Paulo Lima, o Brasil tem muito a aprender com o ensinamento autêntico da Amazônia, que pode ser melhor desenvolvido por meio da internet: "Se não fosse por essas pessoas, a floresta já teria virado uma imensa área de soja e gado. A nossa estratégia é fazer com que a lógica se inverta e eles digam o que pensam e querem. Essa gente tem um saber tradicional de uma complexidade tremenda, um conhecimento diferente, que deve ser passado para o resto do País."

Floresta hi-tech

A diretora da escola de Suruacá, Raimunda Montinho, classifica como a realização de um sonho o estudo didático com auxílio da internet. "É muito difícil o acesso da tecnologia aqui, este projeto veio como uma bênção. Se o professor tiver um recurso além do conteúdo oferecido nos livros, a educação se torna melhor. Não é porque estamos no interior da Amazônia que as pessoas não podem acessar a internet. Também realizamos nossos sonhos".

As novas gerações de ribeirinhos, transitando entre a cultura tradicional e as novas tecnologias, têm a possibilidade de atuar agora de forma mais ampla e eficiente na preservação de sua própria história e na vigília ao maior patrimônio de biodiversidade do mundo. "Meus filhos pequenos já são bem adaptados e navegam tranquilamente na internet, em notebooks. Sendo com objetivo construtivo, a internet não irá estragar a nossa cultura", acredita a moradora Rosivânia Costa dos Santos.

"Nós andamos de cabeça erguida, podemos dormir de portas abertas e não temos cisma de nada, pois aqui não existe violência. Com a internet, vamos dizer isso para outras cidades e países. Nossa cultura é trabalhada assim, desde o começo, e até mesmo quem vai embora daqui não perde os valores. A comunicação veio nos ajudar", conclui Martinha Colares Mendes, 77 anos.

O Projeto Saúde e Alegria

Fundada em 1985, a ONG Projeto Saúde e Alegria atende comunidades das zonas rurais do baixo e médio Amazonas e do oeste do Pará. Atua principalmente em populações tradicionais dos rios Tapajós, Amazonas, Arapiuns e afluentes, com centro de estudos avançados de promoção social e ambiental.

A entidade nasceu a partir da experiência prática de saúde e educação do médico Eugênio Scannavino e da arte-educadora Márcia Gama com a prefeitura de Santarém. Atende hoje mais de 30 mil pessoas, sobretudo ribeirinhos, apoiando-se na defesa de suas terras, recursos naturais e viabilidade social, econômica e ambiental dos territórios.

Connect to Learn

Lançado há um ano com o objetivo de tornar a educação do século XXI acessível a estudantes da África, América Latina e Caribe, o "Connect to Learn", iniciativa da Ericsson, Millennium Promise e Earth Institute, oferece bolsas de estudo para educação secundária e usa Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) para conectar salas de aula e melhorar o acesso aos recursos educacionais em todo o mundo.

A ferramenta já é utilizada no Chile e em países do continente africano. No Brasil, a primeira região a receber o "Connect to Learn foi Suruacá (PA). O projeto será operado com cinco netbooks, que estarão em fase experimental na escola da comunidade amazônica.

Fonte: Terra
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