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Intensificação de chegada de haitianos impõe desafio ao governo brasileiro

4 ago 2013 - 08h51
(atualizado às 08h51)
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Miguel Louire deixou o Haiti em 2011. Tinha apenas 24 anos quando, de ônibus, partiu para a República Dominicana e, de lá, seguiu de avião até o Equador. Cruzou por terra a fronteira com o Peru e usou ônibus e barco para chegar ao município de Tabatinga, no Amazonas. Foram quase dois meses de percurso, sozinho.

Ele diz que teve sorte. "Ouvi muitos relatos de haitianos que foram violentados no trajeto". Hoje com 26 anos, trabalha na construção civil em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, e é vice-presidente da Associação de Haitianos na cidade, que presta assistência aos muitos imigrantes que, cada vez em maior número e pelos mais diversos caminhos, chegam ao Brasil provenientes do Haiti.

Os haitianos já representam o maior fluxo de estrangeiros para o Brasil. E não entram apenas por Brasiléia, a pequena cidade do Acre que entrou no mapa tamanho o número de imigrantes que passaram a chegar ali após o terremoto de 2010 no Haiti. Muitos, como Miguel, desembarcam cada vez em maior número em outras partes do País e elevam o desafio do governo brasileiro, que reconhece as dificuldades de lidar com o problema.

"O Brasil não conhece um fluxo migratório dessa magnitude. A última vez que isso aconteceu foi no início do século 20, com a chegada de alemães e italianos, mas num contexto muito diferente”, diz Duval Fernandes, professor da PUC-MG que trabalha em um estudo sobre a situação dos haitianos. "A chegada dos haitianos mostrou a fragilidade que temos em termos de políticas no campo da migração internacional e no atendimento aos migrantes."

200 por semana

Em janeiro de 2014, vence a resolução normativa (RN 97) que criou um canal regular de imigração através da obtenção de vistos no Haiti e concedeu status de residência permanente aos haitianos que chegaram ao País de forma irregular. O mecanismo, segundo Fernandes, é antiquado e foi usado pela última vez em 1938. Sua prorrogação ainda é uma icógnita.

“É preciso fazer uma avaliação geral do fenômeno e ver se seria o caso de prorrogar a resolução, ou criar um novo regime, ver como vamos enfrentar esse tema. O que é certo é a visão de proteção de direitos”, diz Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg).

Segundo o CNIg, desde a publicação da RN 97, em 2012, foram concedidas 4.856 autorizações sobre um total de 4.682 haitianos que pediram residência em caráter humanitário. A cifra deve crescer em 2013. Só nos três primeiros meses do ano, 3 mil pessoas vindas do Haiti entraram no Brasil. Em Brasileia, o CNIg estima que, por semana, cheguem 200 novos migrantes.

Além das questão da regularização dos haitianos, entre os desafios para o governo brasileiro estão a vigilância nas fronteiras, a atuação do crime organizado e o controle de redes de contrabandistas de migrantes, os chamados "coiotes". Diretor do Departamento de Imigração e Assuntos Jurídicos do Itamaraty, Rodrigo do Amaral Souza admite que o fenômeno "requer uma ação urgente do Estado brasileiro".  

"O problema mais preocupante não é o número de migrantes. O Brasil é um país aberto à imigração. O que constitui motivo de apreensão é a forma como se dá esse processo migratório", analisa o diplomata, que desde 2011 acompanha a entrada de haitianos em território brasileiro.

Segundo ele, os haitianos são contactados por "coiotes" que pintam um quadro irreal do que é a situação no Brasil. Muitas vezes eles financiam a passagem aérea e têm uma estrutura montada para que o haitiano venha de avião via Panamá ou República Dominicada até o Equador. Por via terrestre, deslocam-se até o Peru e depois seguem até a fronteira com o Acre, em um caminho similar ao percorrido por Miguel Louire.

O governo brasileiro mantém contato com os governos dos países que integram a rota migratória com a intenção de pedir apoio ao combate às redes de traficantes de migrantes e para que fortaleçam o controle das fronteiras.

Dificuldades no caminho

Os haitianos que chegam ao Brasil com visto entram pelos aeroportos. A imigração irregular segue rota terrestre, através de Equador, Peru ou Bolívia. Um caminho absolutamente inseguro e desprotegido, na avaliação do presidente do Conselho Nacional de Imigração, Paulo Sérgio de Almeida.

"Os haitianos são achacados no meio do caminho. Os poucos recursos que eles têm são consumidos nessa travessia", pondera. "Eles chegam ao Brasil sem nada e sujeitos a uma série de violências no curso dessa travessia. Isso nos parece a questão mais preocupante. Como garantir que as pessoas possam chegar ao Brasil de uma forma segura e protegida."

Balneário Camboriú é uma das cidades mais procuradas pelos haitianos, especialmente pela intensa demanda de mão de obra para a construção civil. O presidente da Associação de Haitianos, Salomon Derogene, chegou há pouco mais de um ano, junto com a mulher e o filho. Hoje ele trabalha na construção civil, como a maioria dos haitianos que chega à cidade.

Segundo Derogene, em média, um servente de pedreiro na cidade ganha em torno de 1,1 mil e 1,2 mil por mês. “Por enquanto estamos procurando um local para sede da associação e que possa atender os novos haitianos que chegarem à cidade. Aqui em Balneário Camboriú é muito caro o aluguel”, conta.

Segundo ele, novos haitianos estão a caminho da cidade. A prefeitura estima que até o próximo ano sejam mais de 2 mil. Em função do fenômeno, iniciou uma campanha com a intenção de arrecadar roupas e mantimentos para eles.

“A quantidade de haitianos que chegam nos preocupa, especialmente pelas condições em que eles estão vindo para cá: com uma muda de roupa, uma carteira de trabalho e um CPF”, conclui o secretário de inclusão social da prefeitura de Balneário Camboriú, Luiz Maraschim.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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