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Impeachment: autor do voto decisivo relata 'pressão pra todo o lado'

28 set 2012 - 08h04
(atualizado às 08h10)
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Lucas Rohãn

Até a aprovação da abertura do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello na Câmara dos Deputados, em 29 de setembro de 1992, parlamentares de oposição e da base foram alvo de pressões políticas vindas do governo para tentar evitar o afastamento do primeiro presidente eleito de maneira direta após a ditadura militar. "Tinha pressão pra todo o lado", afirma o ex-deputado mineiro Paulo Romano, que, mesmo integrando a bancada do PFL (atual DEM), principal partido da base governista, deu o voto número 336 pela saída de Collor, número necessário para a aprovação do processo.

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Para ele, "não era um fato comum um parlamentar do principal partido aliado ao governo dizer que iria votar a favor do impeachment". No entanto, foi exatamente o que ele fez. Semanas antes, em uma reunião com partidários do PFL em Minas Gerais, Romano abriu seu voto. Ele conta que, após o anúncio ser divulgado pela imprensa, passou a ser procurado por membros da base. "Eu recebi, de maneira intensa, pressões fortes, diretas de membros do governo. Pessoas mais próximas do presidente me procuraram, algumas pessoalmente, outras pelo telefone", lembra. De acordo com o ex-deputado, essas pressões culminaram com um chamado do próprio Collor para uma reunião reservada.

Voto

Pedindo coerência aos colegas, o então parlamentar Paulo Romano deu o voto 336, equivalente a dois terços do Plenário, número necessário para que o impeachment fosse aprovado, enviado ao Senado e o presidente, afastado. "Pela ética, pela dignidade e por aquilo que Minas Gerais representa, meu voto é sim!", gritou Romano antes de ser engolido por uma efusiva comemoração com gritos de "Brasil, Brasil". "Nesse momento, senti a força de uma nova cidadania. Como se eu estivesse participando do mesmo grito que estava, não só dentro do Plenário, mas também lá fora", recorda Romano, atual secretário-adjunto de Agricultura de Minas Gerais.

Foi por causa dos gritos que o então presidente, sozinho, à meia luz, em seu gabinete no Palácio do Planalto, ficou sabendo do resultado. "Inerte, à janela, contemplando o nada, tentava ouvir o silêncio. Mas o que ouvi, de repente, foi um ruído surdo, um rumor de multidão, que saía do plenário da Câmara dos Deputados, chegava aos manifestantes e logo se espalhava, misturando-se a buzinas de automóveis. Percebi naquele momento que o impeachment havia sido aprovado", conta Collor no primeiro capítulo do livro Crônica de um Golpe, que ele começou a escrever após deixar o governo, mas nunca publicou. Este trecho foi disponibilizado em seu site por algum tempo.

Encontro com o presidente

Segundo Romano, o convite para o encontro com Collor partiu do ex-presidente do Banco do Brasil, Lafaiete Coutinho. "Eu disse que não iria aberto a mudar de posição", conta. A reunião com o presidente aconteceu no Palácio do Planalto 20 dias antes da votação na Câmara. "Tivemos uma conversa de uns 40, 50 minutos só nós dois. O discurso era o mesmo, que 'era coisa da oposição, dos bandeiras vermelhas'".

Romano afirma que as pressões do presidente nunca saíram do campo político e que Collor aparentava tranquilidade até ser questionado sobre o esquema PC. "Nós, que éramos deputados, conhecíamos. Os prefeitos, por exemplo, nos procuravam em busca de financiamentos e a gente encaminhava, por exemplo, para a Caixa Econômica, que era muito visada na época. Eles voltavam dizendo 'olha, não adianta. Ali já me disseram quanto que é e para quem que eu teria que fazer a contribuição'. Na verdade, era uma parte disso que seria julgado dentro do processo", relata o ex-deputado.

Paulo Romano diz que, pessoalmente, analisava a questão sob o aspecto ético, enquanto o presidente "analisava outro, puramente político". "Quando eu trouxe o assunto para a minha questão e mencionei o esquema PC ele disse 'isso não existe, é coisa da oposição'", lembra. "Então eu justifiquei que esse era o ponto central da questão: ele existe e é muito claro. Daí ele ficou irritado. 'O que querem fazer comigo é um linchamento', disse ele. A conversa, a partir daí, encurtou. Não tinha muito mais aonde ir", afirma.

O governo Collor

Fernando Collor de Mello chegou à presidência após vencer, no segundo turno, o candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 1989. Ele assumiu em março de 1990, tornando-se o primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar e o mais jovem a ocupar o cargo no Brasil.

O governo Collor durou pouco mais de dois anos e foi marcado por medidas econômicas polêmicas, como os planos Collor I e II, que tentavam estabilizar a inflação, e a abertura para produtos e empresas estrangeiras. A concessão para exploração do sistema de transportes, o fim da proibição da participação estrangeira no setor da comunicação, o fim do monopólio da Petrobras na exploração de petróleo e as primeiras privatizações também foram medidas adotadas durante o governo de Fernando Collor.

Em maio de 1992, em entrevista publicada pela revista Veja, Pedro Collor, acusou o empresário alagoano Paulo Cesar Farias de ser o testa-de-ferro do presidente. As denúncias do irmão do presidente levaram o Congresso Nacional a instalar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar a relação de PC Farias com o governo. Um dos primeiros depoimentos colhidos na comissão foi o de Pedro Collor, que acusou PC de montar uma rede de tráfico de influência no governo com a conivência do presidente.

Em julho, o motorista Eriberto França foi à CPMI e confirmou os depósitos de PC Farias para a secretária do presidente, Ana Acioli. No mês seguinte, os parlamentares conseguiram comprovar que a reforma da Casa da Dinda, residência de Collor em Brasília, foi paga por uma empresa de PC. O relatório final da CPMI foi apresentado no dia 26 de agosto de 1992. Depois de 85 dias de trabalho, o senador Amir Lando conclui a investigação incriminando o presidente Collor.

Em meio a uma onda de manifestações por todo o País, os presidentes da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère, apresentam à Câmara dos Deputados, no início de setembro, o pedido de impeachment. O pedido foi votado no dia 29 do mesmo mês e aprovado por 441 votos a favor, 38 contra e uma abstenção. Com isso, o presidente foi afastado do cargo até o Senado concluir o processo e o vice, Itamar Franco, assumiu.

Em dezembro, quando o Senado começava o julgamento, Collor apresentou sua carta de renúncia para tentar evitar o impeachment. O documento não foi aceito e, por 76 votos a favor e dois contra, Fernando Collor foi condenado e perdeu seus direitos políticos por oito anos. A ação penal contra o presidente por corrupção passiva foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 1994. Após quatro dias de julgamento, a maioria dos ministros do Supremo absolveu Collor por falta de provas.

Atual secretário-adjunto de Agricultura de Minas Gerais, Paulo Romano deu o voto número 336 a favor da abertura do processo de impeachment
Atual secretário-adjunto de Agricultura de Minas Gerais, Paulo Romano deu o voto número 336 a favor da abertura do processo de impeachment
Foto: Secretaria de Agricultura de Minas Gerais / Divulgação
Fonte: Terra
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