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Historiadora afirma que teve corpo usado em 'aula de tortura' pela ditadura

Em depoimento à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, a historiadora Dulce Pandolf denunciou abusos e agressões sofridas na prisão

28 mai 2013 - 16h18
(atualizado às 16h24)
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A historiadora Dulce Pandolfi afirmou em depoimento à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, nesta terça-feira, que foi usada em uma "aula de tortura" feita por agentes da ditadura no período em que esteve presa, em 1970. Além de Dulce, a cineasta Lúcia Murat também foi ouvida hoje. Durante cerca de uma hora, elas relataram as agressões sofridas em quartéis e prisões no período da ditadura militar (1964-1985) e foram aplaudidas de pé pelos ouvintes. 

Veja a história de alguns dos desaparecidos da ditadura

Primeira a falar, Dulce Pandolfi emocionou-se em diversos momentos e precisou fazer pausas. Atualmente pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV), Dulce tinha 21 anos e era membro da Aliança Nacional Libertadora (ANL) quando foi presa em 20 de agosto de 1970. Ela passou um ano e quatro meses em poder dos militares e disse que foi torturada psicológica e fisicamente durante três meses no quartel da Polícia do Exército, onde funcionava o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). "Quando entrei, ouvi uma frase que até hoje ecoa nos meus ouvidos: 'Aqui não existe Deus, nem pátria, nem família'."

Segundo Dulce, a "aula de tortura", para demonstrar a eficácia dos choques elétricos em cada parte do corpo, foi quando ela completou dois meses de prisão. Ela não resistiu, precisou ser socorrida, mas a "aula" continuou momentos depois, com respaldo médico, no pátio do quartel. Foi aí que houve a simulação de fuzilamento, com militares apontando para ela um revólver com apenas uma bala.

"Essas coisas não podem ser naturalizadas. É como a miséria, é como ver uma pessoa caída no chão e achar normal. Esse é o grande ponto", disse Dulce Pandolfi após o depoimento.

No quarto mês de prisão, Dulce ficou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro do Rio, e, nos seis meses seguintes, foi mantida no presídio Talavera Bruce, em Bangu, até ser transferida para o presídio Bom Pastor, em Recife, sua terra natal.

A historiadora lembrou que o período mais severo foi o início, na primeira sessão de tortura, quando os militares tentaram obter o maior número possível de informações antes que seu desaparecimento fosse constatado pela ANL e por familiares. O método mais usado foi o choque elétrico, com o corpo molhado e preso ao pau-de-arara, contou Dulce, que foi também espancada e teve um jacaré colocado sobre seu corpo nu.

A cineasta Lúcia Murat afirmou que também foi espancada e sofreu choques elétricos e até abuso sexual por parte dos militares. Ela foi presa pela primeira vez em outubro de 1968, em um congresso estudantil, mas ficou apenas uma semana detida. Com a publicação do Ato Institucional 5 (AI-5), em dezembro daquele ano, com medo da prisão, Lúcia passou a viver na clandestinidade, mas foi encontrada e levada em 1971 para o mesmo quartel em que Dulce foi presa, e ficou detida três anos e meio.

Lúcia contou que as primeiras horas de tortura foram as mais intensas e que chegou a perder os movimentos das pernas por algum tempo. Na tentativa de se suicidar, ela chegou a enganar os militares para ser levada a uma varanda, fazendo-os acreditar que daria sinal para militantes, mas uma substituta encenou no lugar dela. "Foi a pior sensação da minha vida. A de não poder morrer."

Lúcia chegou a ser levada para Salvador, onde ela afirma ter sido apenas interrogada, e trazida de volta ao Rio de Janeiro. Em outra ocasião, ao participar de uma auditoria na Marinha, denunciou a tortura perante juízes militares, que a mandaram de volta para o DOI-Codi, onde sofreu deboche e mais sessões de tortura.

Tanto Dulce Pandolfi quanto Lúcia Murat destacaram o sadismo dos militares durante as sessões de tortura, embora lembrassem que foram tratadas de forma "mais humana" por outros. As duas contaram que um soldado se ofereceu para levar bilhetes para seus parentes e que as mensagens chegaram aos destinatários.

O coordenador da comissão e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Wadih Damous, disse que o objetivo das sessões é sensibilizar a população: "É preciso mostrar, sobretudo aos mais jovens, que a tortura foi uma política de Estado e que pessoas corriam risco de vida por pensar (de maneira) diferente". Ele informou que estão previstos outros depoimentos, inclusive de agentes civis e militares da época.

Diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque considerou fortes os depoimentos e disse que eles são uma forma de olhar para problemas atuais. "Foi o relato de um momento histórico em que o governo foi carrasco, foi algoz. Esses trabalhos são também para convidar a sociedade e os jovens a refletir sobre essa história e a enfrentar os problemas que ainda persistem hoje. No momento em que estamos ouvindo esses relatos, há pessoas sendo torturadas nas prisões", disse. 

Agência Brasil Agência Brasil
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