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Grupos pregam intolerância e disputam audiência no Facebook

11 ago 2015 - 13h35
(atualizado às 14h37)
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A polícia de São Paulo está investigando ao menos dois grupos de jovens que se organizam para pregar racismo e intolerância no Facebook e competem entre si por audiência.

Um grupos sob investigação seria responsável por coordenar a publicação de uma série de comentários racistas na página do Jornal Nacional, da TV Globo, no mês passado, contra a jornalista Maria Júlia Coutinho.
Um grupos sob investigação seria responsável por coordenar a publicação de uma série de comentários racistas na página do Jornal Nacional, da TV Globo, no mês passado, contra a jornalista Maria Júlia Coutinho.
Foto: @Maju Coutinho / Twitter

Eles são suspeitos de coordenar contra perfis de figuras públicas, como ativistas, jornalistas e políticos e também contra fã-clubes de artistas.

Um desses grupos seria responsável por coordenar a publicação de uma série de comentários racistas na página do Jornal Nacional, da TV Globo, no mês passado, contra a jornalista Maria Júlia Coutinho.

Só em 2014, mais de 86 mil denúncias de racismo e 4,2 mil de homofobia na internet foram registrados pela SaferNet Brasil, uma organização não governamental que recebe denúncias de crimes desse tipo, recolhe provas e as repassa para órgãos policiais.

A grande quantidade de casos torna praticamente impossível que as autoridades investiguem cada comentário individual.

A Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), da Divisão de Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo, iniciou recentemente uma investigação para tentar desbaratar dois grandes grupos que atuam de forma coordenada.

A maioria dos seus organizadores estaria em São Paulo e no Rio de Janeiro.

"Eles costumam se reunir no Facebook, através de grupos fechados. Divulgam um alvo e promovem ataques", disse a delegada Daniela Branco, da Decradi.

Segundo ela, as ações consistem em publicar grande quantidade de mensagens preconceituosas ou racistas ou "inundar" a página da vítima com imagens de caráter pornográfico – para que ela seja retirada do ar.

A técnica é conhecida como "flood" (inundação, em inglês) e não requer grande conhecimento de informática.

A investigação ainda está em fase inicial. Até agora, além da agressão a Maria Júlia Coutinho, a polícia registrou também um ataque contra uma jornalista de Brasília e investiga possíveis ações contra perfis de políticos e fã-clubes de músicos.

Organização SaferNet registrou mais de 86 mil denúncias de racismo pela internet em 2014
Organização SaferNet registrou mais de 86 mil denúncias de racismo pela internet em 2014
Foto: Thinkstock

Brincadeira de mau gosto?

De acordo com a delegada, esses grupos começaram a surgir com adolescentes que se reuniram em páginas privadas do Facebook usando nomes falsos para fazer "piadas humor negro" – leia-se de conteúdo racista, homofóbico ou contra portadores de deficiência.

Os organizadores passaram então a identificar "alvos" para suas ações e a promover ataques contra perfis do Facebook em horários preestabelecidos.

Segundo a polícia, eles se sentem estimulados pela repercussão das ações – em termos de menções na mídia e compartilhamentos nas redes sociais – e chegam a competir por visibilidade.

De acordo com o psicólogo Rodrigo Nejm, diretor educacional da organização SaferNet, práticas semelhantes se popularizaram no Brasil na época das últimas eleições presidenciais, devido à acirrada divisão política do eleitorado.

Grupos de militantes abandonaram o debate democrático para discriminar classes sociais e minorias, além de realizar variados tipos de ataques cibernéticos a páginas de rivais.

"Ainda não há uma cultura consolidada (no Brasil) de que na internet nossos direitos e deveres valem tanto como nas ruas. Grupos que não teriam coragem de fazer isso (comentários racistas e injuriosos) nas ruas se protegem no suposto anonimato da internet", disse Nejm.

Porém, o que inicialmente pode parecer uma atitude sem maiores consequências está virando caso de polícia.

Punições

"O adolescente têm na ponta do dedo, no clicar do mouse, poder sobre a reputação e a honra de alguém, ela pode até mudar o curso da vida de uma pessoa", disse o advogado Coriolano Almeida Camargo, presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo.

Ele afirmou que esse tipo de abuso está recebendo cada vez mais atenção das autoridades. Membros das polícias e do Ministério Público já rastreiam páginas de internet e redes sociais em busca de abusos e as denúncias crescem.

Segundo ele, as práticas dos grupos investigados pela Polícia Civil paulista podem ser classificados como – quando pessoas se unem para realizar atos que causam dor, angústia e repercussão social.

Dependendo do teor das publicações, seus autores podem ser indiciados por diferentes crimes, entre eles injúria ou preconceito – que em casos mais graves podem render penas de 1 a 3 anos de prisão.

Além disso, segundo Camargo, a vítima pode dar início a uma ação civil com um pedido de reparação moral.

De acordo com a delegada Daniela Branco, no caso de adolescentes que cometam ato infracional, a Vara da Infância e Juventude pode determinar punições que vão desde advertências a medidas sócio educativas, ou seja, privação de liberdade.

Segundo ela, os jovens suspeitos de envolvimento com os dois grupos estão sendo rastreados com ajuda do Facebook. O fato de terem usado perfis falsos não deve impedir sua identificação. Eles devem ser chamados para prestar depoimentos.

Crimes de injúria ou intolerância podem ser punidos com sentenças de 1 a 3 anos prisão
Crimes de injúria ou intolerância podem ser punidos com sentenças de 1 a 3 anos prisão
Foto: Thinkstock

Educação

Segundo Rodrigo Nejm, não é recomendável – e por vezes nem sequer possível – apenas investigar e punir todos os crimes de intolerância na internet pelo país. “É como enxugar gelo, é preciso também fazer um esforço massivo de educação”.

"Se a população alimenta o discurso da intolerância, isso vai além do trabalho da polícia. É preciso incentivar a cultura da cidadania na internet", disse.

Ele afirmou que muitas vezes pessoas indignadas com as manifestações de intolerância acabam contribuindo para propagá-las e fortalecê-las.

"Tem pessoas que compartilham (no Facebook os comentários abusivos) pedindo para que mais pessoas denunciem. Mas isso não é legal porque involuntariamente elas fazem o que os criminosos querem: multiplicar suas ideologias radicais."

"É preciso interromper a cadeia de compartilhamento, de preferência apagando o comentário".

Ele disse que denúncias às autoridades podem ser feitas de forma anônima pelo site da SaferNet (http://new.safernet.org.br). A organização tem parceria com a Polícia Federal – para quem a ONG repassa as denúncias.

Direitos Humanos

Irena Bacci, ouvidora da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, também afirmou que o combate a esse tipo de abuso deve ser feito tanto com investigação policial como com educação.

Ela disse que apenas os crimes de racismo são investigados por órgãos federais (os crimes de injúria seriam atribuição das polícias estaduais). Segundo ela, a grande quantidade de denúncias e a infraestrutura atual impedem que cada publicação seja investigada por instituições federais.

Sobre a Polícia Civil dos Estados, ela disse que as polícias estaduais têm respondido a todas as demandas feitas pela pasta relacionadas a investigações de crimes de intolerância pela internet.

Sobre a investigação do Decradi, ela afirmou que cabe à polícia e à imprensa discutirem o que leva os suspeitos a cometerem esse tipo de crime.

Irena afirmou que na área educacional, entre as iniciativas do governo estão a elaboração de material didático sobre o tema para discussão nas escolas e o programa , que inclui esforços de educação e denúncias de abusos pela internet.

O Facebook divulgou nota afirmando que "age sobre conteúdos que violem as políticas e padrões da comunidade, incluindo incitação à violência e racismo, práticas proibidas no ambiente da plataforma".

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