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Fotógrafo que registrou Herzog morto nega cumplicidade com ditadura

Filho de Herzog, presente à sessão, afirma que fotógrafo foi conivente e cúmplice com morte de seu pai

28 mai 2013 - 14h08
(atualizado às 14h43)
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O ex-fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, autor da foto que mostra o jornalista Vladimir Herzog morto, afirmou que não se sente cúmplice do regime militar brasileiro
O ex-fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, autor da foto que mostra o jornalista Vladimir Herzog morto, afirmou que não se sente cúmplice do regime militar brasileiro
Foto: Vagner Magalhães / Terra

O ex-fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, 59 anos, autor da foto que mostra o jornalista Vladimir Herzog morto dentro das dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), em outubro de 1975, afirma que não se sente cúmplice do regime militar brasileiro, mas admite que a escolha de trabalhar com fotografia no Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo não foi uma boa escolha à época. Vieira participou nesta terça-feira de uma audiência pública na Comissão Municipal da Verdade, instalada na Câmara de São Paulo.

"Não me senti cúmplice, mas me sentia muito mal. De ter iniciado a vida daquela forma. Desde criança eu trabalhava como fotógrafo. De repente eu vi um tipo de fotografia que eu não queria para mim, que eu não queria fazer. O Instituto tinha algumas facilidades, como equipamentos de última geração. Mas não era o que eu sonhei para mim", disse ele.

Ivo Herzog, filho de Vladimir, tem uma opinião diferente e bem mais contundente sobre a colaboração de Vieira com o regime. "Ele vem aqui e diz que sabia das torturas e nunca veio a público. Há as pessoas que se calaram e se voltaram contra. A parte mais nobre do seu depoimento foi o final, quando ele diz que se arrepende. Existem opções. Ele afirma que naquela época o seu trabalho era aceitável. Vai ser padeiro, vai vender pastel na feira. Foi conivente e cúmplice de um Estado violento e criminoso", disse ele.

Concursado, o ex-fotógrafo disse que não tinha a possibilidade de se desvincular espontaneamente do trabalho por questões financeiras. "Eu sempre vivi do dinheiro do meu trabalho. Guardei dinheiro, comprei minha passagem. Guardei cerca de US$ 500, US$ 600 e abandonei", disse ele, sobre a saída do trabalho, em 1979, quando deixou o Brasil e foi morar em Los Angeles. Depois disso, ele conta ter ficado cerca de 15 anos sem voltar ao País. "Acredito que (a foto) tenha me fechado as portas", afirmou.

Vieira se diz vítima do sistema repressivo brasileiro naquela época. "Eu me considero mais vítima (do que colaborador). Eu era fotógrafo, queria aprender mais sobre fotografia. Existiam poucos cursos naquela época e o curso da Polícia Civil era muito bom. Nos dava acesso a materiais inexistentes no mercado e equipamentos de última geração", disse ele.

<p>Ivo Herzog observa foto do pai, o jornalista Vladimir Herzog, morto dentro das dependências do Doi-Codi</p>
Ivo Herzog observa foto do pai, o jornalista Vladimir Herzog, morto dentro das dependências do Doi-Codi
Foto: Vagner Magalhães / Terra

No seu depoimento ele relata que ter trabalhado a serviço do regime militar brasileiro provoca arrependimento. "Poderia sobreviver como fotógrafo de outras formas. Tive expectativa de ter melhor conhecimento por conta desse curso. É uma coisa que eu vou ter de levar para sempre", finalizou.

Ivo Herzog lembrou que Vieira ficou três anos fazendo esse trabalho. "É duro? É duro. Mais duro foi a morte do meu pai, quando eu tinha 9 anos. Ele deve muito para a gente. O que ele está fazendo é uma coisa nobre. Precisamos saber a verdade.”

Vieira disse ainda que, no período de três anos que trabalhou como fotógrafo para a polícia, foi transferido para Santos e chegou a tomar conhecimento de que havia tortura no local. Sobre a foto de Herzog, disse ter sido aconselhado a se manter calado sobre o que viu naquela noite.

Na última segunda-feira, Vieira retornou ao antigo prédio Doi-Codi, na rua Tutóia, no Paraíso, zona sul de São Paulo. Durante a visita, ele teve dificuldades para reconhecer o local, que passou por sucessivas reformas desde então. Em sua memória, a única coisa clara que permanece são os muros e portões altos que dão acesso ao pátio do prédio. "Está tudo mudado.”

Na época, estudante de fotografia, Vieira concluía um curso no Instituto de Criminalística de São Paulo, após passar em concurso. As informações oficiais davam conta que Herzog havia se suicidado. A causa da morte sempre foi contestada, inclusive por conta da foto, que mostrava a vítima pendurada pelo pescoço em uma grade da cela, com os joelhos dobrados, o que é incomum em casos de suicídio.

Fonte: Terra
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