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Financiamento de campanhas: modelos nos EUA, França e Grã-Bretanha geram polêmica

15 jul 2013 - 05h49
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O financiamento de campanhas eleitorais é um dos principais alvos da reforma política proposta pelo governo de Dilma Rousseff, depois da onda de protestos de junho no Brasil. O tema é polêmico no Brasil, mas também em diversos outros países, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e França.

Nos Estados Unidos, há temores que alguns comitês especiais às vezes ligados a lobistas - chamados de superPACs - possam ter influência demasiada nas eleições.

Na França, o financiamento de campanhas é exclusivamente público, mas isso não evitou escândalos recentes, como o que envolve Nicolas Sarkozy. O ex-presidente teve as contas de sua última campanha eleitoral rejeitadas.

Na Grã-Bretanha, há pressões para aumentar a participação do dinheiro público nas campanhas eleitorais - diminuindo a influência de setores privados - mas o clima de austeridade econômico é usado como justificativa para não levar esse projeto adiante.

A definição de regras justas para que políticos recebam dinheiro para suas campanhas é vista como ponto importante na democracia, para evitar que pessoas eleitas possam usar seus cargos para beneficiar determinados setores.

No Brasil, o sistema de financiamento é misto - com uma pequena parcela de dinheiro público que vem de um fundo partidário. A grande parte do dinheiro usado em campanhas eleitorais é privado, oriundo de doações.

Confira as regras - e os problemas - do financiamento de campanhas em Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia e Argentina.

Estados Unidos

Nos EUA, o financiamento de campanhas políticas para eleições federais (Presidência, Senado ou Câmara dos Representantes) é supervisionado pela Federal Election Commission (Comissão Eleitoral Federal, ou FEC, na sigla em inglês), uma agência federal independente.

A maior parte do financiamento vem de fontes privadas - que podem ser pequenos doadores individuais (pessoas que contribuem com US$ 200 ou menos), grandes doadores individuais (que contribuem com mais de US$ 200), comitês de ação política (os chamados PACs) e grupos cívicos - ou mesmo de autofinanciamento, nos casos em que o candidato financia a campanha com seu próprio dinheiro.

A legislação estabelece limites para as doações. Indivíduos podem doar até US$ 2,5 mil diretamente a um candidato ou US$ 30,8 mil a um comitê nacional de partido político. Empresas e sindicatos são proibidos de fazer doações diretamente a candidatos ou partidos políticos, mas podem doar dinheiro aos PACs.

Em 2010, uma polêmica decisão da Suprema Corte dos EUA determinou que os PACs especiais (chamados de superPACs) podem arrecadar dinheiro sem limites tanto de indivíduos quanto de empresas, sindicatos e outros grupos. Os superPACs não podem fazer contribuições a candidatos ou partidos, mas podem fazer propagandas a favor ou contra candidatos ou causas que defendam, como aborto ou porte de armas, desde que isso não seja coordenado diretamente com as campanhas.

Os candidatos, partidos e PACs são obrigados a divulgar periodicamente detalhes sobre os valores arrecadados e gastos nas campanhas e identificar os autores de doações acima de US$ 200.

A falta de limites de arrecadação por parte dos superPACs e a forte influência do dinheiro de grandes empresas e sindicatos nas eleições americanas são alvo de críticas. "Sua enorme influência sobre candidatos individuais demonstra o potencial para corrupção inerente à era dos superPACs", disse o jornal The New York Times em editorial durante as eleições presidenciais de 2012.

Dinheiro público Candidatos à Presidência dos EUA também têm a possibilidade de recorrer a financiamento público, tanto nas primárias quanto nas convenções gerais dos partidos e nas eleições gerais, desde que preencham alguns pré-requisitos (como arrecadar uma quantia inicial por conta própria em um determinado número de Estados antes de poder receber o dinheiro público para as primárias).

Aqueles que aceitam esses subsídios ficam sujeitos a limites de gastos, inclusive de seus recursos pessoais, e não podem arrecadar nem gastar fundos privados. Nas eleições de 2012, tanto o presidente Barack Obama, que concorria a um segundo mandato pelo Partido Democrata, quando seu adversário republicano, Mitt Romney, abriram mão do financiamento público.

Campanhas eleitorais estaduais e locais seguem as leis dos Estados e municípios. Nem todos os Estados têm limites de contribuições ou obrigam seus candidatos e comitês a declarar detalhes sobre os fundos arrecadados, mas muitos impõem restrições ao financiamento privado. No caso de financiamento público, a maioria dos Estados e municípios costuma exigir que os candidatos que aceitam esses subsídios abram mão de arrecadação privada ou de usar recursos próprios nas campanhas.

França

Na França, diferentemente do Brasil, as campanhas políticas são realizadas com financiamento público e as empresas são proibidas de doar recursos aos candidatos ou aos partidos políticos.

A proibição de empresas ou de qualquer outra pessoa jurídica (fundações, associações, sindicatos) de fazer doações a políticos entrou em vigor em 1995, após uma reforma na legislação eleitoral na França.

Os partidos são a única pessoa jurídica que pode doar recursos aos candidatos.

As pessoas físicas podem doar, em uma eleição, até 4,6 mil euros (R$ 13,4 mil) a cada candidato. Podem doar também até 7,5 mil euros (R$ 21,8 mil) por ano para cada partido político.

Os partidos políticos, por sua vez, também recebem financiamento público, que hoje constitui sua maior fonte de renda.

As reformas vieram após uma série de escândalos sobre financiamentos ocultos recebidos pelos partidos em 1988.

Mas a lei ainda possui, segundo especialistas, uma brecha: candidatos e partidos podem criar vários micropartidos "de apoio", apenas para arrecadar mais doações de pessoas físicas.

A lei permite, na prática, que uma mesma pessoa física possa doar até 7,5 mil por ano a cada um desses grupos políticos, ligados entre eles.

Como os candidatos e partidos podem recebem recursos de outros partidos, eles são transferidos legalmente. Esse sistema pode ampliar consideravelmente suas receitas de doações.

Teto de gastos de campanha A lei francesa também instituiu um teto para os gastos de campanha, que varia de acordo com o tipo de eleição.

É a partir desse teto que será calculado o reembolso com dinheiro público das despesas eleitorais do candidato.

O objetivo, segundo os legisladores, é evitar uma "corrida aos gastos" nas campanhas e também assegurar maior igualdade entre os candidatos, independentemente de sua fortuna pessoal.

Para os deputados nacionais, por exemplo, o limite máximo de gastos nas campanhas políticas é de 50 mil euros (cerca de R$ 150 mil).

Já para os candidatos às eleições presidenciais, esse montante sobre para 16,8 milhões de euros (R$ 48,8 milhões) no primeiro turno e 22,5 milhões de euros (R$ 65,3 milhões) no segundo.

O Estado reembolsa quase a metade (47,5%) do teto de despesas das campanhas, fixado por lei. Mas, com exceção das eleições presidenciais, é preciso conquistar pelo menos 5% dos votos na eleição para obter o ressarcimento.

No caso das eleições presidenciais, os candidatos que obtêm menos de 5% dos votos podem receber quase 5% do limite de gastos autorizados no primeiro turno, o equivalente a 800 mil euros (R$ 2,3 milhões).

Sarkozy Se os candidatos ultrapassarem o teto de gastos da campanha, não poderão receber o financiamento público de parte de suas despesas.

Foi exatamente o que ocorreu com o ex-presidente Nicolas Sarkozy, que teve suas contas da campanha presidencial de 2012 recentemente rejeitadas pelo Conselho Constitucional.

O conselho considerou que Sarkozy deveria ter incluído os gastos de um comício em que ele participou como presidente na lista de despesas de campanha do "candidato" Sarkozy.

Dessa forma, Sarkozy ultrapassou o teto em mais de 466 mil euros e privou seu partido, o UMP, de um reembolso de quase 11 milhões de euros, equivalente à cerca da metade do teto de 22,5 milhões de euros de gastos.

Sarkozy, como todos os ex-presidentes franceses, era membro do Conselho Constitucional (uma instituição que não integra o sistema judiciário do país). Ele pediu demissão após o anúncio da decisão.

Grã-Bretanha

Como no Brasil, a Grã-Bretanha tem um sistema misto de financiamento de campanhas. Tanto dinheiro público como privado são usados para financiar políticos em épocas de eleições.

E também como ocorre no Brasil, a proporção de dinheiro público usado nas eleições britânicas é muito pequena. No pleito de 2010, que resultou na chegada de David Cameron e Nick Clegg ao poder, menos de 5% das arrecadações dos políticos vieram de financiamento público. Mais de 94% foram oriundos de doadores privados.

O Partido Conservador depende em grande parte de repasses de doadores ricos. Já os Trabalhistas recebem grandes quantias de sindicatos (o que não é permitido no Brasil).

Essa grande dependência no que os britânicos chamam de "big money" (o dinheiro que vem de indivíduos milionários e das grandes corporações e organizações) provocou críticas e pedidos de reformas no país.

Há dois anos, o Comitê de Padrões da Vida Pública - um órgão consultivo do governo - propôs reformas que aumentariam bastante o financiamento público de campanhas, reduzindo o papel dos doadores privados.

"Todos os três principais partidos dependem no momento de grandes doações de uma parcela muito pequena de organizações ou indivíduos ricos, o que é necessário para a sua sobrevivência. Isso não pode ser saudável para a democracia", disse na época o diretor do comitê, Christopher Kelly.

Uma das propostas era limitar doações individuais em 10 mil libras (cerca de R$ 30 mil). Hoje em dia, não há limite. Além disso, as regras de contribuição dos sindicatos também seriam alteradas, dificultando repasses aos partidos.

Austeridade Caso estivessem em vigor em 2010, essas regras teriam retirado 29 milhões de libras (quase R$ 100 milhões) de recursos privados dos três maiores partidos britânicos. Para compensar essa perda, o comitê propõe mais dinheiro público - uma injeção de 23 milhões de libras (R$ 78,6 milhões) de recursos dos contribuintes nas campanhas.

A proposta foi elogiada por alguns partidos, mas rechaçada devido ao momento delicado da economia britânica e a austeridade nos gastos.

"O governo acredita que não se pode pedir por maior financiamento estatal para partidos políticos em um momento em que orçamentos estão sendo apertados, e a recuperação da economia segue sendo a nossa principal prioridade", disse em 2011 o vice-premiê Nick Clegg, do partido Liberal Democrata.

Até a semana passada, os três maiores partidos britânicos - o Conservador e o Liberal Democrata (que governam) e o Trabalhista (que está na oposição) - ainda discutiam a questão.

No entanto, eles não conseguiram chegar a um acordo, e a reforma no sistema de financiamentos de campanhas foi abandonada - pelo menos até 2015, quando haverá eleições gerais no país.

Nos últimos anos, todos os grandes partidos britânicos estiveram envolvidos em escândalos de financiamento de campanhas.

Em 2010, o maior doador do Partido Conservador, Michael Ashcroft, renunciou a um cargo na sigla devido a problemas éticos referentes ao imposto pago por suas empresas.

Em 2006, o então premiê Tony Blair chegou a ser pressionado para renunciar devido a um escândalo de troca de títulos de nobreza por doações para o seu partido, o Trabalhista.

Em 2005, os Liberais Democratas receberam doações milionárias de um empresário que foi posteriormente condenado por evasão fiscal.

Rússia

Na Rússia, o financiamento de campanhas é misto - com uso de dinheiro público e privado.

Os partidos russos recebem, ao longo dos anos, compensações por gastos em anos eleitorais. Em 2010, segundo dados do Conselho da Europa, eles receberam 1,2 bilhão de rublos (o equivalente a R$ 87 milhões). Naquele ano, 70% desses recursos foram para o United Russia, o partido do presidente Vladimir Putin.

O United Russia recebeu dinheiro de grandes grupos em diferentes ramos econômicos, como metalurgia e gás natural, segundo dados do instituto suíço de pesquisas em democracia International Relations and Security Network (ISN).

Estrangeiros ou grupos controlados por estrangeiros são proibidos de doar. Existem limites anuais de quanto cada partido pode receber em doação: 4,3 bilhões de rublos (quase R$ 300 milhões).

Um relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção (Greco) - entidade do Conselho da Europa - fez uma série de recomendações à Rússia para aperfeiçoar o seu sistema de financiamento de campanhas eleitorais, e pediu uma resposta até 30 de setembro de 2013.

A maior parte das recomendações é sobre questões burocráticas, como leis repetidas ou contraditórias em diferentes instâncias - como municipal e federal.

No entanto, para o grupo, o sistema de financiamento de campanhas não é o principal problema na Rússia.

Para o Greco, pessoas ligadas ao poder têm maior acesso à máquina estatal para fazer suas campanhas, o que torna a disputa desigual.

"Apesar de alguns candidatos terem acesso gratuito a facilidades públicas para suas campanhas (...), 125 candidatos que eram autoridades eleitas regularmente abusaram de recursos à sua disposição (como uso de carros oficiais, equipamentos de comunicação, serviços de secretários, etc.) para suas campanhas", afirma o relatório europeu.

Argentina

Na Argentina, desde a reforma de 2009, o financiamento de campanhas é semelhante ao da França: as campanhas são feitas com recursos do Estado, podem contar com o aporte de pessoas físicas, mas os aportes de pessoas jurídicas são proibidos.

A lei anterior permitia a participação mista, com recursos do Estado e da iniciativa privada.

"A lei tenta reduzir a influência dos grandes doadores no desenho das políticas públicas e possíveis futuros conflitos de interesse. A lei pretende evitar também a utilização do dinheiro proveniente de atividades ilegais nas campanhas políticas e coloca o Estado em melhor situação para exigir dos partidos políticos que prestem contas (sobre o gasto do dinheiro público e a origem dos recursos privados)", informou o Observatório Eleitoral do Centro de Implementação das Políticas Públicas Para a Igualdade e o Crescimento (CIPPEC).

A nova legislação, entretanto, é criticada por não limitar o uso da máquina pública para as campanhas dos candidatos do governo.

"A lei é um avanço, mas peca por não restringir os caminhos que podem favorecer candidatos do governo", disse o Observatório.

A Argentina realiza uma eleição presidencial a cada quatro anos e uma eleição legislativa na metade do mandato presidencial. A nova lei determinou a redução no período de campanha e a realização de internas partidárias, a partir de agosto, para a eleição legislativa em outubro.

O governo destina em seu orçamento anual os recursos que serão entregues aos partidos políticos para a campanha. Cada partido político deve designar um representante econômico que dará informações sobre os recursos da campanha ao Ministério do Interior.

As eleições para governadores e prefeitos não acompanham necessariamente as regras nacionais.

A lei aprovada em 2009 - que é voltada para as eleições de presidente e dos membros do Congresso Nacional - também estabelece o horário eleitoral gratuito. Cinquenta por cento do total do espaço disponível no rádio e TV é dividido igualitariamente entre os partidos e a outra metade leva em conta o desempenho dos partidos na eleição anterior (proporção de número de congressistas eleitos).

Nas províncias e nos municípios, critica-se a "falta de controle" do uso do caixa público nas campanhas dos candidatos oficiais. Já a lei nacional contou com amplo apoio da base governista - que tem maioria no Parlamento - e gerou críticas de setores da oposição pela forma "rápida" e "pouco debatida" antes de ser votada e aprovada.

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