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EUA: relatos de vizinhas revelam faces distintas da imigração brasileira

10 jun 2013 - 16h13
(atualizado às 17h05)
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A brasileira Eloah Teixeira vive há quase 30 anos nos Estados Unidos
A brasileira Eloah Teixeira vive há quase 30 anos nos Estados Unidos
Foto: Alessandra Correia / BBC News Brasil

As gaúchas Eloah Teixeira e Márcia* são amigas e vizinhas no bairro de Astoria, no Queens, que concentra grande parte da comunidade brasileira em Nova York. Suas histórias, no entanto, revelam faces distintas da realidade vivida pelos brasileiros nos EUA.

Eloah decidiu voltar ao Brasil depois de 27 anos vivendo em Nova York. Ela diz que seus motivos foram pessoais, mas o caminho de volta vem sendo seguido por muitos brasileiros desde que a crise econômica atingiu os EUA e que a economia brasileira começou a se destacar pelo bom desempenho em relação aos países desenvolvidos. Segundo o Itamaraty, desde 2008, no auge da crise mundial, o número de brasileiros no exterior foi reduzido em cerca de 30%.

Márcia, que chegou a Nova York em 1993, nunca mais voltou ao Brasil. Ela diz sofrer com a saudade da família, mas quer continuar vivendo nos EUA e não pode deixar o país por medo de ser impedida de retornar, já que está em situação irregular.

Seu caso é semelhante ao de milhares de brasileiros descritos pela antropóloga americana Maxine Margolis como "prisioneiros no paraíso": obrigados a ficar anos sem viajar ao Brasil pelo temor de serem barrados no retorno aos EUA, especialmente após o endurecimento da fiscalização de imigração desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

Pioneira no estudo do tema, Margolis acaba de lançar o livro Brazil: Émigrés from the Land of Soccer and Samba (ou Goodbye, Brasil: Emigrantes Brasileiros no Mundo, título com que chegará às livrarias brasileiras no segundo semestre), que traz um retrato da diáspora brasileira.

Em busca de um Green Card

Assim como milhares de brasileiros, Márcia, 47 anos, chegou aos EUA com um visto de turista, que logo expirou. Desde então, ela vem tentando conseguir um Green Card, documento que permite residência permanente no país.

Todas as tentativas até agora foram frustradas e, sem a documentação, ela não pode realizar o sonho acalentado há 20 anos de passar férias no Brasil e visitar a mãe, os oito irmãos e 14 sobrinhos.

"É muito difícil, muito triste. Tenho muita saudade da minha família. Quando alguém fica doente, fico nervosa", disse à BBC Brasil. "A última vez que vi meu pai foi em 1998, quando ele veio me visitar. Ele morreu em 2005."

Márcia costuma ouvir que sua trajetória em busca do Green Card daria um livro. A primeira tentativa foi em 1996, três anos após chegar aos EUA. Ela pagou US$ 5 mil para se casar com um colombiano que tinha cidadania americana. A entrevista com os oficiais de imigração foi marcada para março de 1998.

"Um mês antes da entrevista, ele morreu", relata. "Ainda tentei obter o Green Card como viúva, mas foi negado."

Algum tempo depois, Márcia começou a namorar um americano. Em poucos meses, foi pedida em casamento. "Eu queria fazer uma festa, trazer minha mãe, pedi para esperarmos um pouco", diz.

Em setembro de 1999, com a presença da mãe e de testemunhas, Márcia viu o namorado americano entrar e sair do recinto onde seria oficializado o casamento. "Ele simplesmente disse: 'não posso fazer isso, não te amo'. E foi embora."

'Sistema arcaico'

Ela conta que entrou em depressão e ficou anos sem namorar. Dois anos atrás, uma amiga disse que conhecia um brasileiro com cidadania americana disposto a casar com Márcia por US$ 20 mil. Ela pagou a quantia e embarcou em um novo casamento. "Mas ele não veio para a entrevista. Fugiu para o Brasil com o dinheiro", conta.

Márcia afirma que buscou outras opções para conseguir o Green Card, mas ouviu de seus advogados que o casamento é atualmente a única alternativa. "O sistema de imigração dos EUA é arcaico, não é eficiente", diz.

Diante de tantas frustrações, Márcia - que hoje diz estar feliz namorando um brasileiro com cidadania americana - chegou a se perguntar por que quer tanto continuar nos EUA. "Me sinto bem aqui, é a minha casa", diz.

No Rio Grande do Sul, Márcia trabalhava em uma empresa de exportação e importação. Nos EUA, com o dinheiro que ganha trabalhando como babá e faxineira ajudou a mãe a construir uma casa no Brasil.

"Aprendi tanta coisa aqui. Estudei inglês, fotografia, budismo. Não tenho vontade de voltar a viver no Brasil, mas sim de visitar."

Caminho de volta

Ao contrário da amiga, Eloah, 68 anos, costuma passar férias todos os anos no Brasil, onde tem duas irmãs e muitos sobrinhos em Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre.

Ela chegou a Nova York em 1985 e logo conseguiu o Green Card. "Fui beneficiada com a anistia durante o governo do (presidente Ronald) Reagan (1981-1989)", disse à BBC Brasil.

No Brasil, trabalhava como gerente de uma loja de lustres. "Eu ganhava bem, mas queria viajar, conhecer outras culturas", conta. Em Nova York, com o dinheiro que ganha limpando casas leva uma vida confortável, com viagens, passeios e idas ao teatro - uma de suas paixões.

No entanto, nos últimos anos, uma doença no coração a fez começar a pensar em deixar os EUA. "Começo a me sentir mais cansada quando trabalho. Vou voltar ao Brasil para descansar", conta Eloah, que planeja passar temporadas no litoral no verão e na serra gaúcha durante o inverno.

A data da viagem ainda é surpresa. Depois de quase 30 anos nos EUA, Eloah diz que ainda nem pensa sobre o que esperar no Brasil, mas sabe do que vai sentir falta nos EUA. "Vou sentir muita falta daqui. Das caminhadas, principalmente à noite", diz.

"Vou sair com o coração apertado. Foi o país que escolhi para viver", afirma. "Mas pretendo voltar para visitar já no ano que vem."

*Sobrenome omitido a pedido da brasileira

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