Espião brasileiro - A história do violinista brasileiro que virou espião e morreu fuzilado na 1ª Guerra Mundial Título do info: Espião brasileiro - Sonata interrompida A história do violinista brasileiro que virou espião e morreu fuzilado na 1ª Guerra Mundial Eduardo Herrmann e Gustavo Heldt, GHX Comunicação O imponente vulto da Torre de Londres tomava conta da paisagem noturna à margem norte do Rio Tâmisa, em 18 de novembro de 1915. Nos corredores da fortaleza londrina com uma história de quase mil anos de torturas e execuções, perfilavam-se suaves melodias de um violino empunhado por um condenado à morte que se regozijava com os últimos sons harmônicos antes do estampido de fuzis que lhe serviria como trilha sonora final na manhã seguinte. A sonata de Bach propiciava uma atmosfera de estímulos sonoros pouco comuns aos ouvidos dos guardas da Torre, então mais preocupados com apelos de visitantes do palácio já convertido em atração turística no início do século do que com gritos de prisioneiros do passado. O último desejo do brasileiro Fernando Buschman, de 25 anos, acusado de espionagem a serviço da Alemanha, era inédito no registro de execuções do local. O apego do prisioneiro ao seu violino é uma das incríveis histórias da Primeira Guerra Mundial, que completa 100 anos. Foto: Torre_nova_gustavo_heldt Gustavo Heldt Colocar a imagem de um violino e o áudio do violino https://www.youtube.com/watch?v=Lej1nHZBMgc As paixões de Fernando A história de Fernando Buschman começa em Paris, em 1890. Ainda bebê, viajou com a família para o Rio de Janeiro, onde seu pai, um alemão naturalizado brasileiro, mantinha uma loja de instrumentos musicais. Formou-se ali a paixão pelo violino, que acompanharia Buschman até seus derradeiros momentos. Logo cedo, Buschman voltou à Europa para estudar engenharia, primeiro na Áustria e depois na Suíça. Formado, o jovem arregimentou alguns negócios malsucedidos no Rio de Janeiro e em Paris antes de formar sua derradeira companhia, uma importadora e exportadora de alimentos, em sociedade com outro brasileiro. Com o novo ofício, passou a viajar constantemente para a Europa, onde conheceu Valerie, filha de um milionário alemão com quem casou e teve um filho. Fotos: violin Divulgação Foto2: Fernando_buschman Reprodução LEGENDA: O violino e Valerie foram as grandes paixões de Fernando Tudo mudou em 1914 Mas tudo mudou em 1914. E não apenas para o jovem Buschman: em 28 de julho, a declaração de guerra da Áustria-Hungria à Sérvia deu início oficialmente ao primeiro conflito bélico globalizado do século 20. O estopim para o confronto planetário ocorreu um mês antes, em 28 de junho, com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, em Sarajevo, na Bósnia, por um nacionalista iugoslavo. Fazer arte com as fotos: duque, soldados_alemães-1guerra e capa_jornal Reprodução LEGENDA: A morte do arquiduque Francisco Ferdinando foi o estopim para a guerra, que terminou com mais de 20 milhões de mortos Colocar áudio de guerra (foto de uma metralhadora – machinegun) https://www.youtube.com/watch?v=Gx7WAu_jAnQ O espião Pouco se sabe sobre os motivos que levaram Buschman a trabalhar para o Kaiser, mas o mais provável é que ele tenha sido convocado pelo serviço de espionagem alemão devido a sua perfeita fachada de comerciante internacional. Apesar do disfarce aparentemente perfeito, o jovem não teve muito tempo para explorar suas habilidades de espionagem. Em abril de 1915, Buschman principiou sua breve e sombria jornada por Londres. Como tinha nula experiência nos meandros dos serviços de inteligência, não tardou a ser capturado. As informações que transmitiu profissionalmente foram de pouca utilidade ao império alemão, de acordo com o livro “Executado na Torre: a história dos espiões mortos na Torre de Londres durante a Primeira Guerra Mundial”, de autoria de Leonard Sellers. No dia 4 de junho de 1915, apenas dois meses depois de chegar ao Reino Unido, Buschman foi preso em sua casa no bairro londrino de South Kensington. Interrogado seguidas vezes, foi condenado à morte por fuzilamento em 30 de setembro. Foto: south_kensington_old10 Reprodução LEGENDA: Fernando foi preso no bairro londrino de South Kensington Foto: spies_war_rep Reprodução LEGENDA: Forças armadas britânicas espalharam cartazes pelo território alertando a população sobre espiões Bem-vindo à Torre Com ele, outros 10 espiões a serviço da Alemanha foram presos e condenados à morte. O cenário derradeiro não poderia ter simbolismo maior: a Torre de Londres. “Durante a Primeira Guerra Mundial, quando confrontados com a decisão de onde executar espiões alemães, não havia quase nenhuma hesitação: a Torre era o lugar. A atração do simbolismo era aparentemente muito forte”, explica Vania Gay, guia brasileira credenciada pela City of London e pela City of Westminster. A Torre de Londres é uma fortaleza declarada Patrimônio Mundial da Unesco. Atualmente, abriga a casa das Joias da Coroa e é um dos principais pontos turísticos da capital da Inglaterra – visitado sobretudo para aqueles que desejam conhecer mais sobre a história da cidade e do Reino. Mas nem sempre foi assim. “Como a principal fortaleza real, palácio, prisão e local de execução, a Torre desempenhou um papel central na defesa da coroa e do estado até metade do seculo 19”, conta Vania Gay. Foto: Torre 1910 Reprodução Legenda: A Torre no anos 1910 Foto 2: antiga_estrada_prisioneiros_gustavo_heldt Gustavo Heldt Legenda “Traitor's Gate” é o portão por onde chegavam os prisioneiros da Torre antigamente. Até rainhas foram executadas A construção da Torre de Londres começou em 1078, iniciada pelo Rei William, o Conquistador. “O objetivo primordial ao criar suas fortalezas e palácios era intimidar e causar medo ao povo, induzindo, dessa maneira, a submissão da população ao seu poder”, revela a guia Vania Gay. Londres tem um histórico extenso de execuções públicas. No período vitoriano, elas eram até atração turística, com camarote e tudo. Esse nunca foi o caso das mortes de prisioneiros na Torre de Londres, entretanto. Vania Gay explica: “Durante sua existência, um dos usos da Torre era como local de execuções de traidores. Mas não qualquer traidor. Dependia da severidade do crime, da classe social e se a execução era considerada politicamente sensível para ser realizada em espaço público”. Entre os que tiveram esse “privilégio”, estão três rainhas: Anne Boleyn, Catherine Howard e Lady Jane Grey. Foto: catherine_howard Reprodução LEGENDA Três rainhas Anne Boleyn, Catherine Howard (reprodução) e Lady Jane Grey foram executadas na Torre O último acorde Ao nascer do sol do dia 19 de novembro de 1915, Fernando Buschman, 25 anos de idade, ouviu uma batida na porta de sua cela. Inseparável de seu violino, passara a noite em claro tocando obras de Bach e outros compositores de sua preferência. Antes de rumar para a área de fuzilamento, o espião mirou livros com sonatas pela última vez, despediu-se do instrumento com um beijo e disse: “Adeus, não vou mais precisar de você”. Antes que a horda de turistas chegasse à Torre de Londres, às 7 horas, Buschman foi escoltado sigilosamente para uma cadeira em frente ao pelotão de fuzilamento. Sem a trilha sonora da véspera, o brasileiro recusou a venda nos olhos e portou-se como um cavalheiro na sua hora final, conforme memórias escritas pelos guardas que trabalhavam no dia. “Eu tranquilamente aguardo o destino que me espera”, escreveu antes de sua morte. Foto: Torre-fora_1900 Reprodução LEGENDA “Adeus, não vou mais precisar de você”, disse Fernando ao seu violino, pouco antes de morrer Entra de novo um violino e um áudio do violino https://www.youtube.com/watch?v=Lej1nHZBMgc mais especiais de notícias