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Portadores de doença degenerativa não recebem medicamentos

Na cesta de medicamentos especiais do governo, o remédio não é encontrado regularmente nas farmácias de alto custo do SUS há 4 meses

9 jun 2015 - 14h02
(atualizado às 18h20)
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Portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) estão sem receber o medicamento Riluzol
Portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) estão sem receber o medicamento Riluzol
Foto: Wikipédia

Portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) estão sem receber o medicamento Riluzol, que ajuda a regredir a evolução da doença e a prolongar a sobrevida dos pacientes em até seis meses. Segundo a Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (AbrEla), embora obrigatório desde 2002 na cesta de medicamentos especiais do governo, o remédio não é encontrado regularmente nas farmácias de alto custo do Sistema Único de Saúde (SUS) há cerca de quatro meses.

De acordo com a associação, além do Riluzol, os portadores de ELA também não encontram os ventiladores mecânicos não-invasivos, conhecidos por Bipap. Os equipamentos auxiliam os pacientes a respirar e sua distribuição evita que eles sejam internados em leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), reduzindo os custos hospitalares.

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“A falta deste medicamento e dos respiradores é uma eutanásia praticada contra essas pessoas. Ao negligenciarmos essa situação, estamos cometendo uma forma de assassinato contra os portadores de ELA. Na prática, estamos assassinando essas pessoas”, defende o neurologista Acary Bulle de Oliveira, membro fundador e conselheiro da associação. 

Segundo ele, pelas reclamações recebidas de pacientes, o desabastecimento de Riluzol ocorre principalmente no Estado de São Paulo, e também em outros Estados, como Ceará, Bahia e Mato Grosso. Nos últimos quatro meses, a associação recebeu centenas de reclamações e pedidos de medicamento. “Agora mesmo estamos com uma lista aqui, com aproximadamente 60 nomes só de pacientes do estado de São Paulo”, diz a gerente executiva e social da associação, Élica Fernandes. A associação tenta suprir a falta, distribuindo o medicamento obtido por meio de doações de familiares de pacientes que já morreram ou de colaboradores.

A ELA é uma doença degenerativa, incurável e fatal. Ela causa paralisia motora progressiva e irreversível do sistema nervoso, limitando os movimentos dos músculos do paciente. Atinge cerca de quatro pessoas por 100 mil. “Ou seja, temos uma estimativa de que existam cerca de 8 mil portadores desta doença no país e 50% delas fazem uso diário deste medicamento”, diz Oliveira.

Portadores

A doença degenerativa se tornou mais conhecida recentemente por uma campanha de arrecadação de fundos veiculada pela mídia, chamada de Desafio do Gelo ELA, que mostrava as pessoas jogando água gelada sobre o corpo. A campanha arrecadou US$ 1 milhão em um mês nos Estados Unidos e cerca de R$ 320 mil no Brasil. O portador de ELA mais famoso é o físico britânico Stephen Hawking, de 72 anos, que vive em uma cadeira de rodas e se comunica por meio de computador desde que descobriu a doença, aos 23 anos. No entanto, ele é uma exceção, porque um portador de ELA sobrevive em média três anos após o surgimento do primeiro sintoma da doença.

O portador de ELA mais famoso é o físico britânico Stephen Hawking, de 72 anos, que vive em uma cadeira de rodas e se comunica por meio de computador
O portador de ELA mais famoso é o físico britânico Stephen Hawking, de 72 anos, que vive em uma cadeira de rodas e se comunica por meio de computador
Foto: Wikipédia

No Brasil, a advogada Alexandra Szafir, irmã do ator Luciano Szafir, é uma das portadoras de ELA e também se comunica por meio de computador. Em e-mails enviados à reportagem, ela relata que há dois meses, mais ou menos, sente a falta do medicamento. “O governo deveria cumprir com o papel dele”, afirmou. “O Riluzol é praticamente inútil, mas é o único tratamento de que dispomos; ou seja: é a nossa única esperança”, escreveu Alexandra. Segundo Alexandra, faz dois meses que não recebe medicamento das farmácias de alto custo. “O medicamento que tenho aqui consegui por doação”, disse.

O Riluzol não evita o óbito, mas aumenta o período de sobrevida e/ou o tempo até a realização da traqueostomia, pela qual o doente passa para poder respirar. Segundo as pesquisas, o medicamento aumenta de três a seis meses a sobrevida dos pacientes. A esperança é que, aumentando a sobrevida, possa haver tempo para que os pesquisadores consigam encontrar a cura da doença em pesquisas genéticas e com novos medicamentos que são realizadas em várias partes do mundo, incluindo o Brasil.

Outras cuidadoras e familiares de pacientes ouvidos pela reportagem também relataram a dificuldade de se encontrar o medicamento nas farmácias. “Eles dizem para a gente ligar porque vão receber o medicamento, mas o remédio nunca chega. A gente liga todos os dias e a resposta é sempre a mesma. Dizem que vai chegar, mas nunca chega”, contou a professora aposentada Roselaine Peres, cujo marido foi diagnosticado com ELA em novembro de 2014 e não tem o medicamento para fazer uso.

“Eles nunca têm previsão. É um medicamento importante porque dá sobrevida ao paciente, mas há dois meses que sentimos a falta dele”, afirmou. Na sexta-feira, 5, ela ligou para a farmácia de alto custo da Vila Mariana, na capital paulista, e a resposta foi a mesma: “Eles me disseram que não sabe quando vai chegar o remédio”. “É a segunda vez que falta o medicamento em dois meses”, afirmou a professora.

Em telefonema, uma atendente da mesma farmácia disse que o medicamento “falta desde o mês passado”. Segundo ela, o problema é com atraso de entrega. “Não adianta ligar em outras farmácias de alto custo porque quando falta, falta em todas”, disse a atendente. Ela disse não ter ideia de quando a farmácia será abastecida pelo medicamento.

Outra que sentiu a falta do medicamento foi Neusa Sano, cujo marido estava internado na noite desta segunda-feira no Hospital 9 de Julho, na capital paulista. “Eu ligo todos os dias, mas a resposta é sempre mesma: não tem o remédio. E eles então pedem para eu ligar no dia seguinte”, contou Neusa. “Faz 20 dias que eu estou fazendo isso”, completou. 

A recomendação da AbrEla é para que os familiares façam o cadastramento na Secretaria da Saúde para obter o remédio de forma gratuita. Para os que já tem cadastro e mesmo assim não recebem o medicamento, a recomendação é para que recorram com ações judiciais no Ministério Público, pedindo ajuda para forçar o governo a disponibilizar o medicamento, cujo preço na rede particular é em torno de R$ 2,5 mil a caixa com 30 comprimidos de 50g. Além do preço, outro problema é que ele raramente é encontrado na rede particular.

Semana do balde:

Após a publicação desta matéria, a Secretaria de Saúde do Estado disse, em nota, nos casos de Alexandra Szafir e do marido de Roselaine Peres, a Farmácia de Medicamentos Especializados da Vila Mariana entrará em contato com os responsáveis para agendar data de entrega ainda nesta semana. Já o nome do marido de Neusa Sano não foi localizado nos cadastros da secretaria.

Abaixo a nota da Secretaria de Saúde de São Paulo: 

"A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo esclarece que desde 29 de maio vem normalizando o abastecimento do medicamento Riluzol nas farmácias de alto custo do Estado. 

Quanto aos casos da Sra. Alexandra Szafir e do marido da Sra. Roselaine Peres, a Farmácia de Medicamentos Especializados da Vila Mariana efetuou remanejamento do medicamento Riluzol para fornecer a ambos, e entrará em contato com os responsáveis para agendar data de entrega ainda nesta semana. 

Em relação à reclamação da Sra. Neusa Sano sobre a falta do medicamento para seu esposo, informamos que o nome do paciente repassado pela reportagem não foi localizado em cadastro, embora a equipe da Assistência Farmacêutica tenha realizado buscas com todas as grafias possíveis para o nome (de origem oriental). 

As três Farmácias de Medicamentos Especializados da capital atendem pacientes dos setores público e privado, e receberam o medicamento Riluzol no mês de maio; entretanto, houve desabastecimento pontual especificamente na farmácia da Vila Mariana devido ao aumento inesperado da demanda, uma vez que o referido remédio também é utilizado para o tratamento de outras doenças. Nova entrega está prevista para este mês, conforme cronograma de abastecimento. 

Quanto aos ventiladores mecânicos denominados “bipaps”, conforme esta Secretaria já havia esclarecido à reportagem, todo paciente que necessitar do item deve contatar a prefeitura da cidade de sua residência para verificar se há dispensação do material por meio de programas específicos. O Estado fornece o aparelho para os casos requisitados por meio de ação judicial, cumprindo imediata e integralmente toda e qualquer determinação." 

Em nota, o Ministério da Saúde informou que o repasse para a compra de medicamento e do respirador está em dia e que o Estado de São Paulo recebeu R$ 87 milhões para isso. A compra e distribuição de ambos está a cargo dos Estados e municípios.

Abaixo a nota do ministério da Saúde: 

“O Ministério da Saúde esclarece que não foi notificado sobre a falta do medicamento Riluzol 50 mg (comprimido) e do ventilador mecânico não invasivo, chamado de bipap, ofertado no tratamento de pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Cabe ressaltar que as secretarias estaduais e municipais de saúde são responsáveis pela aquisição desses produtos, programação, armazenamento e distribuição.”

“Para a aquisição do medicamento e equipamento, o Ministério da Saúde já repassou este ano, para todo o Brasil R$ 196,5 milhões, sendo R$ 87 milhões para o estado de São Paulo.”

Fonte: Especial para Terra
Fonte: Terra
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