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Divulgação de grampo incendeia crise política

16 mar 2016 - 23h39
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Áudio de conversa entre Dilma e Lula, sugerindo tentativa de interferência na Lava Jato, pega governo e classe política de surpresa, abre fase explosiva da crise e já força ex-presidente a lutar por cargo de ministro.

A crise política brasileira ganhou mais um componente explosivo na noite de quarta-feira (16/03), com a divulgação do conteúdo de interceptações telefônicas envolvendo diálogos telefônicos entre o ex-presidente Lula e diversos interlocutores, incluindo a própria presidente Dilma Rousseff.

A divulgação, determinada pelo juiz Sérgio Moro, ocorreu justamente no momento em que o Planalto começava a colocar em prática uma nova estratégia para tentar estancar a crise, que tinha como espinha dorsal a entrada oficial de Lula no governo Dilma e sua nomeação como ministro-chefe da Casa Civil. Logo em seu primeiro dia, o ministro Lula já passou a lutar para permanecer na cadeira.

Pouco menos de uma hora depois da divulgação, protestos já programados em Brasília e em São Paulo contra a nomeação de Lula ganharam força após a imprensa publicar o teor das conversas. Em São Paulo, cerca de cinco mil pessoas protestaram na Avenida Paulista. Em Brasília, outras cinco mil se reuniram em frente ao palácio do Planalto. Panelaços foram registrados em várias capitais.

“Só usa em caso de necessidade”

A publicação do teor dos diálogos – com o conteúdo que parece sugerir tentativas de interferência nas investigações da Operação Lava Jato – pegou o governo e a classe política totalmente de surpresa.

Um dos áudios, que foi gravado ainda na quarta-feira, envolve uma conversa entre Dilma e Lula em que a presidente informa o petista de que um dos seus assessores vai entregar um documento de posse como ministro. “Só usa em caso de necessidade”, diz a presidente no telefonema.

Investigadores da Lava Jato sugeriram que o envio do documento seria uma forma de garantir uma espécie de salvo-conduto para Lula, algo que ele pudesse usar no caso de ser alvo de algum novo pedido de condução coercitiva ou de prisão até a sua posse oficial como ministro. Por essa interpretação, a presidente agiu para evitar a prisão de Lula, o que sugere obstrução do trabalho da Justiça.

Mais cedo, o anúncio da nomeação de Lula como ministro já havia levantado acusações de que o convite havia sido feito para blindá-lo com foro privilegiado no Supremo, evitando assim que ele permanecesse na mira da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e continuasse a correr o risco que um tribunal de primeira instância pudesse ordenar a sua prisão.

Outros diálogos incluem conversas de Lula com ministros do governo, o prefeito do Rio de Janeiro e outros políticos. Neles, Lula afirmou, entre outras coisas, que “os tribunais estão acovardados” com as decisões da Lava Jato, usou palavrões para se referir à atuação do procurador-geral Rodrigo Janot e criticou o juiz Sérgio Moro.

Processo de impeachment

O novo episódio deve influenciar o recomeço da tramitação do processo impeachment contra Dilma, que até esta quarta-feira ainda aguardava análise do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o rito adotado.

Antes mesmo da divulgação dos grampos, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já havia anunciado que colocaria o processo, que está parado desde dezembro, novamente em marcha nesta quinta-feira (18/03), com a escolha da comissão que vai analisar as acusações contra Dilma.

A oposição aproveitou a divulgação para pedir a renúncia de Dilma e a prisão de Lula, e afirma que vai preparar uma nova ofensiva para tentar anular a nomeação.

Movimentos que pedem a saída da presidente e que já organizaram os protestos históricos de domingo já estão planejando convocar novos atos. O Movimento Brasil Livre, por exemplo, ameaça a partir de agora organizar atos diários até que a presidente renuncie. Por enquanto, continua de pé a iniciativa de movimentos pró-governo de organizar uma jornada de protestos a favor de Dilma e Lula na sexta-feira.

A divulgação dos grampos ocorreu graças a uma decisão de Moro que determinou o fim do sigilo dos dados da 24° fase da Operação Lava Jato, que teve Lula como alvo. Espera-se que novas provas recolhidas nesta fase operação sejam divulgadas nas próximas horas. Na noite de quarta-feira, diversos veículos de imprensa brasileiros ainda estavam publicando novas transcrições dos diálogos de Lula.

Questionamentos jurídicos

Moro também deve ser alvo de questionamentos, a divulgação ocorreu justamente no momento em que as investigações contra Lula deixariam seu gabinete e previsivelmente seriam remetidas ao STF após a sua posse como ministro. A decisão deve levantar questões sobre a validade da divulgação de áudios.

Segundo o jornal O Globo, a conversa de Lula sobre o documento da nomeação, por exemplo, foi interceptada duas horas depois da ordem do juiz que determinou o fim das interceptações. Também devem ser levantados questionamentos se o juiz não estaria agindo de maneira muito política. O Planalto classificou o episódio como uma "afronta aos direitos e garantias" da Presidência da República.

No despacho que determinou o fim do sigilo, Moro escreveu que a “democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras.”

E tudo isso deve ocorrer no mesmo dia em que Lula vai tomar oficialmente posse como ministro. Em nota divulgada após a publicação dos grampos, o Planalto ainda confirmava a posse de Lula para a manhã de quinta-feira.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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