Do tênis ao helicóptero, o desafio de abandonar o automóvel “Vou de guarda-chuva, mas não vou de carro” Quando soube que mudaria para São Paulo, transferido pela sua empresa, uma das primeiras preocupações do analista de serviço a clientes Alexandre Gobbi Duarte, 31 anos, foi procurar uma residência próxima a seu local de trabalho, para que pudesse deixar o carro na garagem e ir a pé para o serviço. “Conhecia a fama do trânsito em São Paulo, conversei com umas pessoas que eu conhecia que tinham mudado para cá e quase todo mundo me indicou isso.” Mineiro de Uberlândia, Alexandre logo presenciou os problemas sobre os quais havia sido alertado. Ele, que trabalha na região do Brooklyn, zona sul da capital paulista, mora a cerca de 1,5 quilômetro do emprego. A pouca distância, porém, não representou pouco tempo perdido no trânsito. “Para voltar do trabalho para minha casa, já cheguei a demorar uma hora e 40 (minutos). Depois desse dia, nunca mais venho de carro.” Segundo Alexandre, mesmo em dias em que o trânsito não é tão intenso, caminhar representa uma economia de 10 a 15 minutos. “Caminhando eu levo uns 15, 20 minutos. De carro, em um dia normal, fica entre 30, 40.” “É uma somatória. (Sem usar o carro) eu economizo tempo, tenho mais tempo para mim, para dedicar às coisas que gosto de fazer. Caminho também, o que é bom para a saúde. Sem contar o stress que eu não passo, preso no trânsito, perdendo tempo”, disse. “Hoje, eu vou de guarda-chuva, mas não vou de carro”, brincou. Apesar de entusiasta da caminhada, Alexandre afirma que a cidade oferece problemas para os pedestres, principalmente com as calçadas. “No meu bairro, ando mais na rua do que na calçada, de tão ruim que é. Sem contar que algumas (calçadas) são tão estreitas que não cabe todo mundo, fica gente na rua, têm mesas atrapalhando, é complicado.” Outros problemas apontados pelo analista são a falta de respeito dos motoristas com as faixas de pedestre e a demora, nas principais avenidas, na abertura dos semáforos. “Os carros são prioridade (no trânsito), demora muito. Na (avenida Engenheiro Luís Carlos) Berrini, demora uns cinco minutos para abrir o semáforo e fica muito pouco tempo aberto, quase não dá tempo de atravessar. Você tem de sair correndo, senão são mais cinco minutos esperando.” Mesmo com as dificuldades enfrentadas como pedestre, Alexandre afirma que atualmente tem um carro como um luxo e que considera a possibilidade de vendê-lo. “Não tem valido a pena. Cogito bem (a possibilidade de vender), mas ainda não tomei coragem”, disse. “Olho dentro dos carros e vejo sempre a mesma cara de raiva” “Me deixava louco”, disse o filmmaker Luis Rodrigues Alves, 33 anos, explicando a razão de há cerca de cinco anos ter se desfeito de seu carro. Agora, além de ônibus, trem e metrô, o produtor, que também é DJ, se locomove pelas ruas de São Paulo deslizando sobre quatro rodinhas, com seu skate. “Quando passo no trânsito em horário de pico, vejo todo mundo parado, aquela fila de carros. Olho dentro dos carros e vejo sempre a mesma cara de raiva, solidão e tédio, enquanto eu estou ali, solto e livre”, afirmou Luis, sobre deixar de lado o automóvel e se deslocar pela capital paulista com seu skate. O filmmaker, que anda de skate há cerca de 20 anos, não possui local fixo de trabalho e, por isso, se locomove para diversos pontos de São Paulo sobre quatro rodinhas, desde o bairro de Pinheiros, onde mora. “Vou aonde a cidade me deixa ir. (As ruas) Têm problemas, às vezes não dá pra andar em alguns lugares, não tem estrutura”, reclamou, sobre as condições da calçadas e das ruas da capital paulista. “Às vezes vou até o metrô (de skate), desço na estação que preciso e então volto a andar de skate”, afirmou, destacando a versatilidade do transporte alternativo. Apesar do entusiasmo com o uso do skate como meio de transporte, Luis diz não recomendar a locomoção sobre quatro rodinhas por São Paulo. “O trânsito é muito violento, mata muita gente.” “Tem que ter skate na veia, experiência. Tem de estar atento sempre aos pedestres, aos carros, a motos, ao trânsito, se tem uma pedra no meio da rua... Tem que conhecer. A rua não é para qualquer um”, pondera. Foto: Marcelo Pereira / Terra “De carro é inviável. Só com um motorista” Aproveitar a versatilidade e a economia de tempo que cada tipo de transporte oferece tornou-se hábito na vida do analista de tecnologia da informação Adolfo Soares, 30 anos. Há cerca de dois anos, ele decidiu deixar praticamente de lado seu carro e sua moto para se deslocar de sua casa, na região da Lapa, zona oeste de São Paulo, para a zona sul da capital paulista, onde trabalha. “De carro é inviável. Mesmo se eu tivesse um ‘carrão’ não compensaria. Só com um motorista”, brincou. Com a mudança, Adolfo afirmou que passou a economizar diariamente cerca de 20 minutos em cada viagem, deixando o carro na garagem e aproveitando a agilidade dos corredores e faixas de ônibus e do transporte sobre trilhos. “O tempo não é nem (a economia) maior. É mais a questão de você não ter que se cansar dirigindo, se desgastar no trânsito, ficar pensando aonde vai parar a moto, onde vai estacionar o carro”, disse o analista. “Se você quer agilidade, eu recomendo usar a moto. A diferença (de tempo) é grande. Mas mesmo assim eu uso bem pouco. É muito cansativo, desgastante.” Entusiasta do transporte público, o analista afirma que, desde o início da implantação das faixas de trânsito exclusivo para os coletivos, no projeto Dá Licença para o Ônibus, da prefeitura, a velocidade de quem utiliza o transporte público na cidade tem aumentado em detrimento dos motoristas. “Tenho conversado com meus amigos, com quem vem de carro, e todo mundo tem sentido isso. Acho que muita gente vai fazer essa troca (do transporte individual pelo ônibus).” Além do stress que afirma ser menor, o uso do transporte público trouxe outra economia para Adolfo: de dinheiro. “É fácil ver a diferença. Só de estacionamento, gastaria R$ 300, mais o combustível, o desgaste do carro. (...) Com ônibus, metrô, tem integração. Não gasto nem metade do gastaria só com estacionamento”, disse. Prestes a se mudar para um bairro mais próximo de seu local de trabalho, o analista pretende agora passar a aproveitar outro veículo para se locomover: a bicicleta. “Você consegue deixar nas estações, nos bicicletários, nos locais que vai. (...) Essa integração é muito boa.” “Se o sistema fosse melhor, mais pessoas deixariam o carro” O estresse causado pela superlotação e eventuais problemas em linhas do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) se equivale, para o coordenador de recursos humanos Rafael Segalli, 26 anos, ao provocado pelo tempo perdido no trânsito. O tempo ganho no deslocamento no transporte sobre trilhos, porém, fez com que o paulistano deixasse na garagem seu carro para, diariamente, se deslocar do centro da capital paulista, onde mora, para o seu local de trabalho, na zona sul. A troca do carro pelo trem e o metrô ocorreu há cerca de dois anos e meio, depois de um teste. “Passei por algumas situações (de carro), e a marginal (Pinheiros), por onde eu passava, também tem casos de alagamento. Cheguei a passar por algumas enchentes e foi aí então que decidi tentar mudar”, afirmou Rafael. Logo na primeira experiência, Rafael afirma que sentiu a diferença no tempo ganho em seu deslocamento da região da Consolação à avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, que passou de 40 minutos para cerca de 20. “Apesar de o centro (de São Paulo) não oferecer muitas opções de atividades saudáveis, eu hoje tenho mais tempo para mim, para fazer um exercício, um esporte. Apesar da má educação do pessoal, do trem cheio para gente que pega na hora de pico, compensa (não utilizar o carro)”, afirmou. Com o carro parado na garagem durante toda a semana, Rafael afirma que, além da economia de tempo, tem gasto menos na manutenção do veículo, “outra vantagem” que descobriu após trocar a forma de se locomover pela cidade. “Gasto pelo menos metade (a menos) do que gastava antes, com certeza”, disse. “Mas não penso em me desfazer do meu carro, costumo viajar bastante, sair no fim de semana.” Apesar de recomendar a troca do carro pelo transporte através do metrô e dos trens em São Paulo, Rafael afirma que o serviço tem problemas que precisam ser solucionados inclusive para atrair mais usuários. “Falta mais trem, principalmente na CPTM. Às vezes, em outro horário, não faz diferença, mas a gente vê a diferença que faz na hora de pico, que fica bastante cheio. Falta também mais linhas e mais educação dos usuários também”, disse. “Se o trem fosse bom igual o metrô, se o sistema fosse melhor, com certeza mais pessoas deixariam o carro.” “Hoje vivo mais disposto” A bicicleta e os direitos dos ciclistas têm papel relevante na vida de Willian Cruz, 33 anos. Há cerca de seis anos, de tanto andar de bike pelas ruas de São Paulo, ele decidiu se desfazer do carro, “que só usava no final de semana”. Pela experiência acumulada por mais de uma década andando sobre duas rodas, fundou em 2002 um site em que compartilha experiências informações voltadas a ciclistas, num projeto que ganhou tanto destaque que, há cerca de três meses, tornou-se sua profissão. “Quando eu ia de carro (ao trabalho) chegava atrasado, mal humorado, tratava mal as pessoas. Hoje vivo mais disposto, tenho um relacionamento melhor com as pessoas”, afirmou o responsável pelo projeto Vá de Bike, que abandonou o emprego na área de Tecnologia da Informação para se dedicar exclusivamente a seu projeto, com destaque para o site, que tem cerca de 150 mil acessos por mês. Entusiasta do uso da bicicleta e ativista dos direitos de ciclistas, Willian vê como principais empecilhos para o uso desse meio de transporte alternativo a falta de espaços destinados a ciclistas nas vias e estabelecimentos e, principalmente, o desrespeito de motoristas. “Tem gente que vê a bicicleta como um obstáculo, um cone, alguém que está ali para atrapalhar”, afirmou, contando ter sido alvo da irritação de motoristas. “O carro é um símbolo de status social. As pessoas se sentem no direito de fazer o que querem, agem de forma egoísta (no trânsito).” E foi justamente da irritação dos motoristas, e inclusive de ações mais violentas, como fechadas propositais, por exemplo, que Willian decidiu se dedicar a defender e divulgar os direitos dos ciclistas. “Tinha certeza que eu estava errado pela reação das pessoas. Mas descobri que não, que era o contrário. Que alguns (motoristas) muitas vezes até cometiam crimes”, disse. Apesar dos problemas enfrentados nas ruas, Willian não deixa de recomendar o uso da bicicleta. “Nem o pedestre é respeitado, mas vai se dizer para as pessoas não andarem mais a pé?”, questionou. “Mas é preciso se informar, saber a legislação, regras de segurança, escolher o melhor caminho.” “Comecei a ver que ia bem mais rápido” Começou aos poucos, uma ou duas vezes por semana por conta do futebol com os amigos, mas, vendo o tempo ganho em meio ao trânsito de São Paulo, o uso da motocicleta virou regra no dia-a-dia do representante comercial Eduardo Alves Filho, 39 anos, que trocou o carro pelo veículo de duas rodas há cerca de dois anos e meio. Eduardo trocou o carro pela moto há cerca de dois anos e meio, depois que começou a ir para o trabalho, na época na região da avenida Tiradentes, com a motocicleta, para poder se deslocar mais rápido e não perder o futebol com os amigos. “Comecei a ver que ia bem mais rápido, aí comecei a ir mais vezes (de moto ao trabalho).” Por conta da filha, que busca na escola às quartas e quintas-feiras, Eduardo ainda usa o carro, mas diz que apenas por conta da criança. “Vou (para o trabalho) de carro, busco ela, almoço, deixo o carro em casa, pego a moto de novo e volto para o trabalho”, afirmou o universitário. Atualmente trabalhando na região de Santana, o representante comercial, que mora na Casa Verde, diz que leva entre 10 e 15 minutos para se deslocar da casa ao trabalho com sua moto, menos da metade do que levaria de carro. “(De carro) é mais que 30, 40 minutos, fácil”, afirmou. Para Eduardo, as vantagens da motocicleta são tão grandes em relação ao carro que nem mesmo o risco maior de se ferir em acidentes e o fato de ficar suscetível a intempéries atrapalham o uso do veículo de duas rodas. “Faça chuva ou faça sol eu vou de moto. Se chover é que eu não saio de carro mesmo”, afirmou o representante comercial. “Até de fim de semana. Se não fosse pela minha filha, eu só andaria de moto.” “É meu brinquedão” Unir o útil ao agradável, uma antiga paixão à fuga do trânsito caótico e parado da capital paulista foram as razões que levaram o empresário Wagner Bartoli Silva, 55 anos, a deixar praticamente sem uso seus carros e voar, diariamente, em seu helicóptero, um modelo Robson 44, da zona oeste de São Paulo até o extremo sul da cidade. “É meu ‘brinquedão’”, afirmou o empresário, que reduziu em duas horas por dia o tempo gasto no deslocamento de ida e volta para seu trabalho, em uma empresa especializada no planejamento e realização de diversos tipos de eventos, principalmente casamentos, próxima à represa Billings. “Antes, de carro, eu gastava em média uma hora e meia na ida e uma hora e meia na volta”, disse Wagner, que mora na região central de São Paulo. “Multiplica isso por 22 dias e vê o tamanho do tempo perdido.” Com a aeronave adquirida em 2010, Wagner gasta agora 28 minutos de sua casa até o trabalho, 20 dos quais em deslocamento da região central à zona oeste, onde fica o heliporto em que seu helicóptero é guardado. Segundo a Associação Brasileira de Táxis Aéreos (ABTAer), o custo da hora de voo de um helicóptero em São Paulo varia entre R$ 1,8 mil e R$ 9,5 mil e a média de custo é de R$ 3 mil. Apesar do alto custo, Wagner diz que o uso da aeronave compensa. “Se botar na ponta do lápis, só pelos números, não compensa. Economicamente não. Mas, é um mix. Tem a questão do bem-estar, do tempo que economizo, o prazer de voar”, afirmou o empresário, que também é piloto, e aproveita seus deslocamentos diários para praticar uma de suas paixões: a aviação. Um helicóptero modelo Robinson R44 como o do empresário custa, segundo a fabricante, US$ 660 mil. Para manter a aeronave, o empresário afirma que gasta cerca de R$ 30 mil mensais. “Isso porque eu piloto, senão era mais R$ 15 mil.” Além disso, Wagner precisou adequar sua empresa para que pudesse pousar no local com a aeronave, e construiu, em 2010, um heliporto no local. “Uso (o helicóptero) bastante também para deslocamentos pessoais, para o litoral, interior, casa de parentes. Fora isso tem o uso profissional, já que algumas noivas (que contratam a empresa de Wagner para realizar seus casamentos) escolhem chegar de helicóptero. É mais impactante”, afirmou. mais especiais de notícias