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Deslizamentos na serra do RJ voltarão a ocorrer, diz geólogo

28 fev 2011 - 07h29
(atualizado às 11h36)
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Luís Bulcão Pinheiro
Direto do Rio de Janeiro

O maior estudo publicado até agora sobre as causas do desastre na serra fluminense, em janeiro deste ano, aponta para a ocorrência simultânea de cinco tipos de deslizamentos deflagrados por chuva torrencial, que provocaram a morte de mais de 900 pessoas. De acordo com o diretor do Departamento de Recursos Minerais do Rio de Janeiro (DRM-RJ), Francisco Dourado, a ocorrência na escala registrada é totalmente nova para os estudos geológicos no País devido à variedade de fenômenos, que vão desde a cheia de rios a deslizamentos em locais íngremes. Apesar disso, segundo o geólogo, situações semelhantes já ocorreram e vão se repetir no futuro.

Os deslizamentos que mataram mais de 900 pessoas criaram uma nova escala nos estudos geológicos
Os deslizamentos que mataram mais de 900 pessoas criaram uma nova escala nos estudos geológicos
Foto: AFP

"Podemos ver marcas de acontecimentos parecidos no passado. Não há como precisar se foram há 100, 500, ou mil anos. Ninguém tem dados suficientes ainda para fazer essa afirmação categórica. Isso só vai poder ser respondido com estudos profundos a serem realizados a partir de agora", afirma. Segundo o geólogo, o fenômeno é inevitável: "vai acontecer novamente, só não sei dizer quando. São processos que ocorrem há milhares de anos. Todas as décadas tem ocorrido, em escalas diferentes".

O estudo, realizado pelo DRM-RJ com a colaboração de geólogos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), também aponta áreas de risco eminente que deveriam permanecer desabitadas. Dourado explica que cabe às defesas civis dos municípios a interdição dessas regiões. No entanto, o geólogo sugere que os próprios moradores tomem consciência do perigo. "A gente vê pessoas reconstruindo casas que foram destruídas na enchente. As pessoas têm que se conscientizar de que o risco existe. Ainda não temos mapas detalhados, mas a experiência mostra que vai acontecer novamente", afirma.

Chuvas
Um dos responsáveis pelo estudo, o geólogo Cláudio Amaral explica que uma combinação de fatores propiciou a tragédia, mas afirma que as chuvas que a deflagraram também não foram excepcionais. "Os deslizamentos têm causas básicas, efetivas e deflagradoras. Todas se somam para gerar os desastres. As chuvas são deflagradoras. Aqui no Brasil, as causas são sempre chuvas intensas e acumuladas. Essas chuvas são tropicais, mas não têm nada de excepcional", afirma Amaral, que cita desastres em 1979, 1978 e 2002 como decorrência de trombas d'água semelhantes. Um aspecto marcante das chuvas que atingiram a serra em janeiro foi a intensidade em um período de 15 minutos, segundo o estudo.

Ao analisar os dados, Amaral não descarta a intervenção do homem no solo como um dos fatores da tragédia. No entanto, ele ressalta que a maior parte dos deslizamentos ocorreria de qualquer forma. O que evidencia isso, segundo ele, é a ocorrência de escorregamentos em diversos pontos de áreas naturais, não tocadas pelo homem. De acordo com Amaral, a dimensão da tragédia se deu porque havia muitas pessoas em áreas de risco. "Com certeza houve um aumento da população habitando essas áreas. Nos desastres de 1978 e 1979, tínhamos menos pessoas vivendo na serra", afirma.

O geólogo explica que dois fatores foram preponderantes para o desastre: a inclinação do solo, que é naturalmente íngreme naquela região, e a vazão dos rios da serra, que rapidamente se enchem com as chuvas.

Medidas
Diante da iminência de novos deslizamentos, os geólogos são contundentes ao afirmar que a única solução possível para evitar mortes e danos é a prevenção. "Temos uma sequência de estudos que permitem antecipar a ocorrência disso tudo. O problema é que estamos muito atrasados numa cultura de prevenção", afirma Amaral.

Segundo ele, é preciso realizar um mapeamento preciso das áreas de risco em um primeiro momento e, depois, decidir entre obras de contenção ou retirar as pessoas das áreas de risco. Um terceiro passo seria criar um sistema eficaz de alerta, que seja transformado em cultura. "As pessoas cada vez mais ocupam lugares de risco e cada vez têm menos percepção disso. O que tem que ser feito, todo mundo sabe. O problema é executar", afirma.

De acordo com Dourado, o DRM-RJ já está providenciando o mapeamento das áreas de risco nas 30 cidades com maior índice de ocorrências (exceto aquelas que já recebem recursos do Ministério da Cidade para isso, como Rio de Janeiro e Niterói). Segundo ele, o primeiro resultado dos estudos já está pronto e passa por análise final dos técnicos do departamento antes de ser publicado e entregue às prefeituras.

"Temos um longo caminho a percorrer em relação à prevenção. Estamos tentando tirar o atraso de décadas. Algumas prefeituras estão correndo atrás, outras não. É preciso cobrar e assumir nossas responsabilidades tanto nas esferas federal, estadual e municipal, quanto como cidadãos", diz.

Tipos de deslizamentos identificados na serra fluminense

1 - Corrida de massa, detritos, terra ou lama

Foi o que aconteceu nas localidades do Vale do Cuiabá, em Petrópolis, Posse, Vieira e Campo Grande, em Teresópolis, Corrego Dantas e Hospital São Lucas, em Nova Friburgo. As águas dos rios que passam por essas regiões aumentaram muito em intensidade e velocidade, causando a erosão das margens. Acrescida de detritos acumulados ao longo do percurso, a água causou o a exposição e até mesmo o movimento leve de blocos de pedras. Em alguns momentos, o movimento das águas era interrompido por barreiras de detritos que se formavam naturalmente, criando um reservatório de água. Quando o reservatório se rompia, o rio tomava o seu curso com mais velocidade ainda, gerando um efeito cascata.

Nessas regiões, a devastação impressionou pela força. Árvores, carros, casas. Tudo o que estava pelo caminho foi empurrado pelas águas. O relatório aponta para a extensão do raio de alcance do desastre nessas áreas, que chegou até 10 quilômetros em Vieira e 18 quilômetros no Vale do Cuiabá.

2 - Deslizamento na Parroca

Confundido por muitos moradores das regiões atingidas como terremoto devido ao choque de terra e ao barulho produzido, o deslizamento na Parroca, tipo que atingiu a localidade do Caleme, em Teresópolis, ocorre quando o escorregamento de terra do topo de um local muito íngreme atinge o solo na superfície, provocando um deslizamento em sequência.

"É como se o primeiro deslizamento, ocorrido no topo, pegasse uma pista de corrida na rocha íngreme e nua antes de atingir a parte de baixo. Quando o material cai, gera uma onda de choque muito grande. Você sente tremor junto com o barulho", explica o geólogo Francisco Dourado.

3 - Deslizamento tipo Catarina

Este tipo de deslizamento recebeu esta denominação por ser um fenômeno parecido com o que ocorreu em Santa Catarina. Ele ocorre em uma área não tão íngreme, como a região de Conquista em Nova Friburgo, onde o solo que cobre a rocha tem espessura máxima de 1,5 metro. Neste caso, a grande quantidade de água da chuva fica armazenada entre a rocha e a fina camada de solo, deixando o terreno instável.

4 - Deslizamento tipo rasteira

Parecido com o tipo Catarina, esse deslizamento muitas vezes está associado com a ocupação humana. Ele ocorre quando o solo da base do morro tem uma espessura mais fina, que pode ser resultado da intervenção do homem no solo. O deslizamento ocorre primeiro na parte inferior do morro ocasionada por fenômeno semelhante ao tipo Catarina. Sem sustentação, a parte superior e pesada do morro desliza em um segundo momento.

Segundo o geólogo Francisco Dourado, o tipo de vegetação também pode influenciar na ocorrência desse tipo de deslizamento. "A vegetação é muito importante. Mas quando o escorregamento está pronto para acontecer, ela gera um peso extra", explica. De acordo com ele, as vegetações estrangeiras, como a plantação de eucaliptos também podem ajudar na ocorrência desse tipo de deslizamento.

5 - Deslizamento tipo vale suspenso

É o tipo de deslizamento identificado na serra onde o solo é mais profundo. Atingem pequenos alcances, mas com grande quantidade de material movimentado. Por ser mais lento, sua ocorrência pode ser identificada com antecedência. Primeiro, a água acumulada faz um buraco em uma parte da encosta e provoca fissuras na terra. Quanto maior a incidência de chuvas, maiores as fissuras. Isso é um indicativo de que o deslizamento está prestes a ocorrer. A água funciona como uma colher em um pote de sorvete, causando a rotação do solo e posterior deslizamento.

Chuvas na região serrana

As fortes chuvas que atingiram os municípios da região serrana do Rio nos dias 11 e 12 de janeiro provocaram enchentes e inúmeros deslizamentos de terra. As cidades mais atingidas são Teresópolis, Nova Friburgo, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), choveu cerca de 300 mm em 24 horas na região.

Veja a Praça do Suspiro, em Nova Friburgo, antes e depois da chuva

Veja onde foram registradas as mortes

Fonte: Especial para Terra
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