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Constituinte sobre reforma política poderia trazer mais instabilidade

25 jun 2013 - 19h31
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A presidente Dilma Rousseff causou surpresa na noite da última segunda-feira ao propôr - antes de uma reunião com governadores e prefeitos em Brasília - o que chamou de "cinco pactos" que buscam satisfazer parte das demandas dos manifestantes que tomam as ruas de diversas cidades do país há duas semanas.

Além de propostas para melhorar a educação, a saúde, a mobilidade urbana e a responsabilidade fiscal, a presidente sugeriu a polêmica convocação de um plebiscito que autorize "o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política".

A proposição foi alvo de críticas por parte de juristas e outros analistas, que veem impedimentos legais para a convocação de uma Constituinte tratando de um tema específico.

Na tarde desta terça-feira, uma nova surpresa: após uma reunião com Dilma, o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, afirmou que a presidente teria voltado atrás sobre como fazer a reforma, dizendo que o governo estaria "convencido de que convocar Constituinte não é adequado porque atrasa o processo de reforma política".

Pouco depois, por meio de uma nota à imprensa, o Palácio do Planalto afirmou que a OAB apresentou à presidente uma proposta de reforma política baseada em projeto de lei de iniciativa popular, mas que Dilma "reiterou a relevância" de uma ampla consulta popular por meio de um plebiscito e que nenhuma decisão teria sido tomada.

"A presidenta ouviu a proposta da OAB, considerou-a uma importante contribuição, mas não houve qualquer decisão. O governo continuará ouvindo outras propostas de reforma política que lhe forem apresentadas", diz a nota.

Instabilidade

Com as diversas idas e vindas e a proposta de convocação de um plebiscito para autorizar um processo constituinte específico aparentemente ainda sobre a mesa, cientistas políticos consultados pela a BBC Brasil concordaram na avaliação de que a medida pode ser "prematura" e que pode trazer mais instabilidade para o país.

Na opinião de Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a convocação de uma Assembleia Constituinte para fazer uma reforma política poderia acirrar ainda mais os ânimos das ruas.

"O clima geral é de turbulência e me parece que a proposta que a presidente está fazendo tenderia a agravar tal cenário. Além de terem ganhado a reivindicação inicial, que tinha a ver com os preços das passagens, agora eles estariam ganhando nada menos que a convocação de uma Assembleia Constituinte para fazer a reforma política, assim, em um estalar de dedos", diz Reis, para quem a proposta poderia "turbinar a turbulência".

Na opinião de Reis, o movimento que vem tomando as ruas do país, embora tenha aspectos positivos, também teria uma propensão "anti-institucional" e "antipolítica" e que uma reforma política feita neste momento poderia refletir alguns desses aspectos.

"Eu acho que seria preciso uma atitude de maior firmeza em relação ao aspecto violento da coisa e um empenho em dar resposta ao que há de insatisfação legítima que o movimento expressa, o que não significa acolher essa disposição antipolítica que eventualmente pode se expressar, por exemplo, em uma reforma política que esteja muito condicionada a esse movimento. Então é preciso ir com calma nesse esforço de reforma política", afirmou.

Confusa

Ricardo Ismael, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, teme os efeitos que uma falta de um acordo quanto à legalidade de uma Constituinte sobre um tema específico e o real alcance que um eventual processo para alterar a Carta Magna possam ter.

"Me preocupa a sugestão de um plebiscito para uma Constituinte exclusiva, porque, de fato, essa medida parece que nem foi conversada com a base aliada do Congresso e, portanto, ela é uma proposta que é muito confusa", diz.

Na avaliação de Ismael, um eventual processo constituinte poderia "parar" o país, trazendo reflexos também para a economia e os investimentos. Além disso, haveria o risco de demandas por novos plebiscitos, tanto em âmbito nacional como nos Estados, a respeito dos mais diversos temas.

"Eu acho que a presidente Dilma toca na questão de novos recursos para a educação, fala da questão fiscal... mas quando ela coloca uma questão muito controversa, ela praticamente leva o debate para uma nova instabilidade. A instabilidade já é muito grande, no país já há muita tensão, então não é preciso ir para propostas em que ninguém sabe onde vai dar".

Ismael avalia que uma reforma política poderia ser encaminhada pelo próprio Congresso nos próximos meses. Para isso, bastaria que o recesso parlamentar fosse suspenso para que a reforma possa ser aprovada até o mês de setembro e assim já estar em vigor nas eleições de 2014.

"Se realmente é para fazer uma reforma política, teria uma caminho mais óbvio, que era tentar suspender as féria de julho do Congresso e votar a reforma política até 30 de setembro, porque aí ela pode realmente vigorar nas eleições de 2014. O Congresso poderia convocar um referendo, não um plebiscito, um referendo para ver se o povo concorda ou não com as propostas que iam ser fechadas até 30 de setembro", diz.

Prematura

Por sua vez, a professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio Maria Celina D'Araujo avalia que tocar no assunto da constituinte para uma reforma política neste momento seria "precipitado", já que não há nem mesmo uma convergência entre os partidos ─ mesmo aqueles que fazem parte da base aliada ─ sobre quais seriam os pontos dessa reforma.

"Tocar nesse assunto agora acho que é meio precipitado. Isso não significa que a gente não tenha que ter no horizonte essa possibilidade. Agora qual a reforma política? Os partidos não se entendem sobre isso. O PT quer uma coisa, o PMDB quer outra, o PSDB quer outra", diz.

Para a professora, propor uma reforma política neste momento "desvia a atenção" sobre as principais demandas dos manifestantes, que dizem respeito a saúde, educação, transporte e corrupção.

Para ela, os problemas nessas áreas poderiam ser resolvidos com medidas para melhorar a gestão, a competência e estimular a transparência no setor público.

"(A reforma política) não é factível agora e, se for levada a efeito vai ser, do meu ponto de vista, motivo para mais confrontos políticos", afirma.

Movimentos

Procurados pela BBC Brasil, representantes dos principais movimentos que vêm organizando passeatas em São Paulo e no Rio não comentaram as propostas anunciadas pela presidente.

Gabriel Bragança, representante do Fórum de Lutas, que vem organizando protestos no Rio, afirmou que o movimento decide tudo por meio de plenárias abertas e que a questão ainda não foi discutida.

O grupo deve realizar uma plenária no Rio na noite desta terça-feira, mas ainda não há confirmação se a questão será discutida.

Já os representantes do Movimento Passe Livre de São Paulo não atenderam as ligações da reportagem nem retornaram os recados deixados na caixa-postal com pedidos de comentários sobre o assunto.

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