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Comissão quer levar caso da Ditadura à Corte Interamericana

Incêndio na Vila Socó, em Cubatão (SP), ocorrido no dia 24 de fevereiro de 1984, pode ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos

31 jul 2014 - 00h18
(atualizado às 00h19)
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O incêndio na Vila Socó, em Cubatão (SP), ocorrido no dia 24 de fevereiro de 1984, durante a ditadura militar, pode ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos por representantes da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão. O incêndio é considerado o maior da história do país. Oficialmente, foram 93 vítimas, mas acredita-se que o número chegue a 508.

Desaparecidos da ditadura
Desaparecidos da ditadura
Foto: Arte Terra

Trinta anos depois, o incêndio ainda está sendo investigado, mas os membros da comissão querem responsabilizar o Estado brasileiro pelo que chamam de “abafamento” do caso ou acobertamento do total de mortos na tragédia. A OAB também quer que a Petrobras e o governo brasileiro sejam obrigados a corrigir o valor das indenizações por perdas materiais pagas pela estatal e que indenizem as pessoas que moravam no local e que não foram incluídas como vítimas do incêndio na época.

O fogo começou por volta da meia-noite, na madrugada dos dias 24 e 25 de fevereiro de 1984, quando moradores perceberam o vazamento de gasolina em um dos oleodutos da Petrobras, que ligava a Refinaria Presidente Bernardes ao Terminal de Alemoa. A tubulação passava em uma área alagadiça, perto da vila, que era constituída principalmente por palafitas e ocupada por cerca de 6 mil pessoas, de forma irregular.

O assunto foi discutido hoje (30) pela Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo. Participaram da audiência o ex-ministro de Minas e Energia do governo de Ernesto Geisel, o presidente da Petrobras na época, Shigeaki Ueki, e representantes da Comissão da Verdade da OAB.

Segundo Dojival Vieira, que era vereador de Cubatão na época do incêndio e que hoje integra a comissão da OAB local, o acidente ocorreu por uma associação de fatos, entre eles a falta de zelo e de manutenção dos dutos e tubulações da estatal. “Houve um erro na operação: foram liberados milhões de litros de combustível que aqueles dutos não suportaram. Isto, associado à ausência de manutenção, resultou no vazamento não de 700 mil litros [como se diz oficialmente], mas de mais de 2 milhões de litros de gasolina. A falta de manutenção, associada à falta de zelo, resultaram na tragédia. Houve também uma 'operação abafa', uma tentativa de acobertamento do número real de mortos”, disse, durante audiência da Comissão da Verdade.

O acobertamento das informações, segundo Vieira, tinha o objetivo de reduzir o impacto da tragédia sobre a Petrobras. “Vivia-se em um momento delicado na empresa. Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa, reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou.

Segundo Vieira, a estratégia também impediu a punição dos responsáveis pela tragédia. “É o incêndio com maior número de vítimas do país e a ditadura militar, ainda hoje, tenta acobertar as consequências. Ninguém foi punido. Não houve punição, mas premiação. Isso é o que a Comissão da Verdade precisa apurar”, defendeu.

Ueki, que comandava a estatal, contestou a existência de uma operação para abafar o episódio. “Não houve, dentro da Petrobras, um envolvimento em acobertamento ou desvio ou sumiço de documentos ou [tentativa de] evitar o andamento do processo. Não houve nenhum movimento para abafar [o caso]”, disse o ex-presidente da Petrobras. “O número de 500 pessoas [mortas], a empresa nunca admitiu e nem vai admitir porque não há como comprovar isso. Não há provas”.

Segundo os representantes da comissão da OAB, registros mostram que o vazamento foi relatado por moradores à empresa por volta do meio-dia, mas a Petrobras não tomou quaisquer atitudes para evitar o rompimento da tubulação e a posterior tragédia, que ocorreu durante a madrugada.

“Se houve vazamento um dia antes ou 12 horas antes e o responsável não foi lá, essa pessoa não agiu bem. Por isso abriu-se um inquérito administrativo. Se houve perda com rompimento, é da maior importância que o funcionário da Petrobras evite o vazamento. Não posso compactuar com isso. E isso foi apurado. Os que tinham cargos de confiança foram chamados e prestaram depoimento”, respondeu Ueki. 

O executivo deixou o comando da Petrobras cerca de quatro meses depois do incêndio e disse não ter conhecimento se a sindicância feita pela empresa puniu alguma pessoa pelo acidente. “Só sei que o inquérito foi concluído”.

Ueki não revelou valores, mas disse que o valor das indenizações pagas pela empresa às famílias não foi contestado. “Todos ficaram satisfeitos”. O ex-presidente da Petrobras disse ainda que não “tem conhecimento” da denúncia da exclusão de menores de 12 anos do pagamento de indenização, alegando que eles ainda não estavam em idade produtiva. “Sobre isso, não tenho conhecimento”, disse ele. O não-pagamento de indenizações por vítimas menores de 12 anos está sendo investigado pela comissão.

Para a o deputado estadual e presidente da Comissão Estadual da Verdade, Adriano Diogo, o depoimento de Ueki não trouxe novas informações para o caso. “Neste caso da Vila Socó, vazou gasolina durante 12 horas e muitos foram incinerados. É uma das maiores tragédias do país. Do ponto de vista dos fatos e da nossa ansiedade, achávamos que a pessoa fosse revelar todas as coisas que não foram reveladas ao longo desses 30 anos. Mas não. Isso é segredo fechado da ditadura”, avaliou, em entrevista após o depoimento.

Agência Brasil Agência Brasil
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