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Tragédia em Santa Maria

RS: testemunha diz que banda avisou sobre incêndio na Kiss pelo microfone

10 set 2013 - 20h01
(atualizado às 20h18)
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O advogado Jader Marques (esq.), que defende Kiko Spohr, pediu ao juiz para que seja feita a limpeza da Boate Kiss
O advogado Jader Marques (esq.), que defende Kiko Spohr, pediu ao juiz para que seja feita a limpeza da Boate Kiss
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Uma testemunha afirmou nesta terça-feira, no processo criminal da tragédia da Boate Kiss, que o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, o réu Marcelo de Jesus dos Santos, chegou a avisar ao microfone que a boate estava pegando fogo. Guilherme Carrion Carvalho estava na casa noturna na noite do dia 27 de janeiro, quando um incêndio causou a morte de 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas. A testemunha depôs na tarde de hoje no Fórum de Santa Maria (RS).

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Na audiência desta terça, cinco pessoas deram depoimentos. Outros dois frequentadores da Kiss falaram durante a tarde: Brian Zepenfeld, que chegou a ficar internado em Porto Alegre após o incêndio, e Gregory Licht dos Santos. O último depoimento agendado para esta terça não foi realizado. Willian Renato Machado, sobrinho do réu Elissandro Spohr - o Kiko, sócio da Kiss -, estaria morando em Porto Alegre, mas o endereço dele não foi informado. Como essa vítima foi listada pelo advogado Jader Marques, que defende Kiko, o juiz deu um prazo de cinco dias para que o advogado informe onde Willian pode ser localizado.  

A sessão de hoje terminou com uma discussão a respeito da limpeza da casa noturna, passados mais de sete meses do incêndio. O bate-boca no Fórum de Santa Maria começou com um pedido de Jader Marques. Ele solicitou ao titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, juiz Ulysses Fonseca Louzada, que instasse a prefeitura, os bombeiros e o Ministério Público a providenciar a limpeza do local. Ele também destacou que deseja que o cenário seja preservado para futuras requisições necessárias ao processo criminal, como perícias e reconstituições.

Os pedidos feitos pelas defesas para entrar na boate já foram negados em decisões anteriores do magistrado, por causa dos riscos à saúde. A 1ª Vara Criminal recebeu um ofício do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), sediado em Santa Maria, relatando a presença de 17 produtos químicos no pó residual que está na Kiss. Profissionais do Cerest recolheram amostras de resíduos do interior da casa noturna, em março, e depois enviaram o material para análise do Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), vinculada ao governo de São Paulo.

De acordo com o advogado, a manifestação dele não foi somente pelo interesse de que o local seja preservado, mas para evitar o risco à saúde das pessoas. A fala dele provocou reações. O promotor Maurício Trevisan comentou que a legislação ambiental responsabiliza o gerador dos resíduos a pagar por essa limpeza, ou seja, o cliente de Jader Marques. Na plateia da audiência, Flávio José da Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, que morreu na tragédia, não se conteve e resolveu falar: “Dano maior o seu cliente (Kiko Spohr) causou matando nossos filhos”, comentou Flávio, tendo a atenção chamada por seguranças.

No final da discussão, Jader ainda usou de leve ironia. “Enquanto esperam para que meu cliente pague pela limpeza, sendo que ele sequer foi notificado para isso, todos ficam de braços cruzados”. O juiz Ulysses Louzada comentou ainda que, em decisões anteriores, já pediu a manifestação de órgãos públicos a respeito da situação dos resíduos existentes na boate.  

Casal de seguranças diz que viu sócio da Kiss mandando liberar as portas

Na audiência desta terça, cinco pessoas deram depoimentos. O primeiro do dia foi de Rute Brilhante da Cruz, que trabalhava como segurança na Kiss. Logo depois, falou o marido dela, Daniel Alcântara da Cruz, que também trabalhava na boate como terceirizado, na mesma função.

Os dois seguiram a mesma linha. Falaram que não receberam qualquer treinamento para situações de tumulto na boate. Rute foi além: diz que não fez curso algum para começar a atuar como segurança. O casal também falou que viu Kiko Spohr, um dos sócios da Kiss, mandar liberar as portas, pouco antes de o tumulto de pessoas querendo sair ter começado, na madrugada do incêndio, dia 27 de janeiro.

Sócia da Hidramix deve ser dispensada de depor nesta quarta

Para esta semana, estão previstos mais dois dias de audiência do processo criminal da Kiss. Para esta quarta-feira, a previsão é ouvir mais cinco vítimas. Seis pessoas estão na lista, mas a sócia da empresa Hidramix, Gilcelaine Dias Freitas, deve ser dispensada, pois não estava na Kiss no dia 27 de janeiro e não pode depor como vítima, apesar de ter sido listada pelo Ministério Público com essa condição. Na quinta-feira, devem falar mais seis pessoas. Seriam sete, mas o advogado Jader Marques desistiu do depoimento de uma vítima arrolada por ele.

Em Santa Maria, estão previstos mais depoimentos nos dias 19, 24, 25, 26 e 27 deste mês. Haverá também audiências para ouvir vítimas nas cidades gaúchas de Rosário do Sul, Uruguaiana, Horizontina, Passo Fundo, Quaraí e Caxias do Sul. O titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, juiz Ulysses Fonseca Louzada, já manifestou a intenção de ir a todas essas audiências.

Além de Kiko e do vocalista da Gurizada Fandangueira, respondem ao processo criminal pelas 242 mortes e os mais de 600 feridos o outro sócio da Kiss, Mauro Hoffman, e o roadie da banda, Luciano Bonilha Leão. Eles são acusados por homicídios qualificados com dolo eventual (dolosos) e tentativas de homicídio qualificado.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

 

Fonte: Especial para Terra
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