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Tragédia em Santa Maria

RS: segurança diz que portas da Kiss foram abertas em 'segundos'

Em um dia em que cinco de 13 pessoas foram ouvidas, dono da empresa de segurança diz que ninguém chegou a ser barrado

28 jun 2013 - 22h15
(atualizado às 22h22)
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Cinco pessoas foram ouvidas nesta sexta-feira no Fórum de Santa Maria (RS)
Cinco pessoas foram ouvidas nesta sexta-feira no Fórum de Santa Maria (RS)
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

No terceiro dia de depoimentos de sobreviventes da tragédia da Boate Kiss, no Fórum de Santa Maria (RS), cinco das 13 pessoas previstas foram ouvidas. Como cada oitiva demorou, em média, pouco mais de uma hora, sete vítimas falarão em data a ser definida. Uma pessoa não foi localizada. Novas rodadas de depoimentos estão agendadas para os dias 9 e 10 de julho.

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O último depoimento da sexta-feira foi de Éverton Drusião, dono da empresa responsável pelos seguranças da Kiss. Ele também chefiava os profissionais que cuidavam dos banheiros.

Drusião destacou que a comunicação por rádio não era necessária na Kiss porque “todos se enxergavam”. Ele ressaltou que não viu ninguém ser barrado pelos seguranças para que pagassem a comanda antes de sair. “Deu dois segundos ali (depois que começou a pegar fogo no teto) e já abriram as portas para todo mundo sair. O que atrapalhou foram dois táxis estacionados lá fora”, contou Drusião, que chegou a ficar uma semana internado. Ele ainda declarou que conhecia Mauro Hoffmann “só de vista” e que nunca recebeu alguma ordem dele.

O primeiro depoimento da sexta-feira foi de Marcelo Pereira Carvalho, que atuou como promoter da Kiss e chegou também a ser fotógrafo da casa e a imprimir ingressos para as festas da boate. Na madrugada da tragédia, ele disse que demorou a perceber o incêndio. “Vi só depois que o pessoal começou a correr e a música parou”, contou.

Carvalho estima que, no dia da tragédia, havia “umas mil pessoas” na boate. “Me disseram que a capacidade era 1 mil. ‘Botando gente’ dava quase 1,1 mil”. Ele narrou um episódio, de março de 2012, quando tinha fotos de uma fila para a entrada na boate que ia até a esquina da rua dos Andradas com a avenida Rio Branco. Como era promoter, queria colocar as fotos no Facebook para fazer propaganda de uma festa. “Me disseram que não era para colocar senão iam nos pegar depois”, disse, referindo-se à fiscalização da prefeitura.

O ex-fotógrafo e promoter, ao ser questionado se viu alguma vez o atual presidente da Câmara e ex-secretário municipal de Controle e Mobilidade Urbana Marcelo Bisogno na Kiss, disse que sim. “Foi uma vez, à tarde. Parece que o cara que limpa a pista de dança estava colocando lixo em local indevido”, afirmou, sem falar quando esse episódio ocorreu, dando a entender que Bisogno estaria lá na condição de secretário, observando uma questão relacionada à fiscalização.

Carvalho também disse que, na ausência de Elissandro Spohr, sócio da Kiss, os funcionários recorriam a Ricardo Pasche, gerente da boate, e a João Aloísio Treulieb, que era o chefe do bar, sem se referir ao outro dono, Mauro Hoffmann, que apenas visitaria a casa em alguns dias.

Barbara Louise Canastraro de Oliveira, que depôs logo a seguir, emocionou-se mais de uma vez em sua fala, precisando fazer algumas pausas e receber água e lenços de papel. Um dos motivos para a forte emoção foram as lembranças da amiga e colega Luísa Batistella Püttow, que morreu na tragédia.

Volumes do processo do incêndio na Boate Kiss
Volumes do processo do incêndio na Boate Kiss
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A jovem absolveu os bombeiros que deixaram civis entrar para salvar as vítimas. “Se os bombeiros tivessem impedido, tinha morrido o dobro”, analisou. Ela destacou que as pessoas que abrem locais como a Kiss devem ser responsáveis por tudo o que acontecer lá dentro.

Depois de um intervalo de 40 minutos para o almoço, os depoimentos foram retomados pouco depois das 14h, com Bruna Karolyna dos Santos Dutra, que afirmou que foi à Kiss no dia 27 de janeiro dois anos depois de ir a uma boate pela última vez. Ela disse que, ao tentar sair, chegou a ser barrada na porta por um segurança, mas que, depois de um aviso sobre o incêndio no microfone, a saída foi liberada. Bruna fez uma análise do que causou a tragédia. “Eu acho que isso foi um acúmulo de erros. O dinheiro subiu à cabeça”, disse.

Marilise Noal Fernandes afirmou que viu o início do fogo, mas não deu muita bola. “Pensei que era efeito (especial do show)”, falou. Emocionada ao lembrar do dia do incêndio, ela também lembrou do táxi que estava estacionado em frente à Kiss e que atrapalhou a saída de muita gente.

Depois do dono da empresa de segurança, os depoimentos se encerraram pouco depois das 18h, apesar de haver mais sete programados para sexta-feira. “Todas essas pessoas que vieram prestar depoimentos puderam esclarecer todas aquelas dúvidas para o juiz. Foi bem produtivo para a defesa e a acusação. Foi realmente bastante produtivo. Paramos agora por causa do cansaço físico e mental”, disse o juiz Ulysses Louzada, titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria.

Os depoimentos que ocorreriam na sexta-feira serão remarcados, incluindo o do gerente da Kiss, Ricardo Pasche. Pessoas que não foram localizadas serão procuradas novamente. Para os dias 9 e 10 de julho, estão programados mais 22 depoimentos, 13 no primeiro dia e nove no segundo. 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

Fonte: Especial para Terra
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