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Tragédia em Santa Maria

RS: para MP, réus da tragédia da Boate Kiss devem ficar presos

Respostas às defesas dos oito acusados no processo criminal foram entregues no final da tarde desta sexta-feira

10 mai 2013 - 19h59
(atualizado às 20h07)
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Se depender do Ministério Público (MP) de Santa Maria (RS), todos os réus que estão presos em função da tragédia da Boate Kiss devem permanecer nessa condição. A manifestação, em resposta às defesas dos acusados, foi entregue à Justiça no final da tarde desta sexta-feira, quando terminava o prazo para os promotores apresentarem seus pareceres.

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Na visão dos promotores Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan, o cenário não mudou para que se justifique dar a liberdade a dois dos acusados que tiveram esse benefício pedido por seus advogados: o sócio da Kiss Mauro Hoffmann e o produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão. 

Outros dois réus também seguem presos: o sócio da Kiss Elissandro Spohr, que não teve a liberdade pedida por seu advogado, Jader Marques, e o vocalista da banda, Marcelo de Jesus dos Santos, que já teve a solicitação negada no dia 26 de abril pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria.

Os promotores vão se manifestar a respeito das defesas dos oito réus. Além dos quatro acusados presos, também respondem ao processo criminal o contador Volmir Astor Panzer e o ex-sócio da boate Elton Cristiano Uroda, por falso testemunho, e os bombeiros Renan Severo Berleze e o Gerson da Rosa Pereira, por fraude processual.

Berleze e Pereira só tiveram suas defesas entregues à Justiça na última quarta-feira. Eles tinham mais prazo por serem representados por defensores públicos. Mesmo com o curto espaço de tempo, os promotores já irão se manifestar sobre os dois casos de fraude processual. Em relação às defesas dos outros seis réus, a análise começou a ser feita na última segunda-feira.

Os representantes do Ministério Público não se manifestaram sobre as testemunhas indicadas pelos defensores, nem mesmo sobre as 32 arroladas pelo advogado de Elissandro Spohr. Como ele é acusado por dois crimes (homicídio com dolo eventual e tentativa de homicídio), e o Código de Processo Penal indica que devem ser chamadas oito testemunhas por delito, essa é uma decisão que deverá ser tomada pelo juiz.  

De acordo com o promotor Joel Oliveira Dutra, cerca de 80% das manifestações dos defensores foram em relação ao mérito da denúncia, e sobre esse aspecto os promotores não vão se manifestar. “Essa questão deve ser debatida durante o curso do processo”, opina o promotor.

Os promotores também se manifestaram pelo arquivamento do inquérito em relação ao secretário de Controle e Mobilidade Urbana de Santa Maria, Miguel Caetano Passini, e o superintendente de fiscalização da mesma pasta, Belloyanes Orengo de Pietro Júnior. O MP decidiu pelo arquivamento depois de receber uma resposta dos bombeiros, que comunicaram que não chegaram a pedir a eles a suspensão das atividades da boate Kiss, conforme prevê a legislação municipal, pelo fato de o alvará de prevenção de incêndio estar com o prazo de validade vencido.

Depois que for entregue a manifestação do MP, abre-se um prazo de cinco dias para que o assistente de acusação, Jonas Espig Stecca, manifeste-se também sobre os pedidos da defesa, depois de ser notificado (o que pode ocorrer na segunda-feira). Ele representa a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).   

Com todas as manifestações por escrito em mãos, o juiz Ulysses Fonseca Louzada já poderá decidir sobre os dois pedidos de liberdade. Ele também irá fazer uma análise do processo, para checar se existe alguma irregularidade a ser sanada, e poderá decidir pela absolvição sumária dos réus, por uma cisão do processo ou por rejeitar a denúncia do MP, em todo ou em parte . Se não houver maiores problemas, o magistrado já poderá marcar a primeira audiência para ouvir depoimentos. Na ordem, as primeiras a serem ouvidas são as vítimas.  

Pedido de advogado de sócio da Kiss deve ser julgado em Porto Alegre

Outro julgamento relacionado à tragédia da boate Kiss tem previsão de ocorrer na próxima quarta-feira, dia 15, na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Três magistrados vão analisar um habeas-corpus pedido pelo advogado Jader Marques, que se refere ao que é chamado, no direito, de inépcia da denúncia. A defesa de Elissandro Spohr entende que ela não deveria ter sido recebida ou poderia ter sido recebida em parte.

Entre os problemas apontados por Marques estão o fato de a denúncia fazer a acusação de homicídio a respeito de uma mulher que está viva e “esquecer” de uma pessoa que efetivamente faleceu. 

Segundo o advogado, o MP também falhou ao acusar os réus de tentativa de homicídio de pessoas, por exemplo, como a dona da Hidramix, que não estava na Kiss na madrugada da tragédia. Jader Marques foi além, dizendo que, na lista das 636 vítimas de tentativa de homicídio, há pessoas com quem a Polícia Civil só entrou em contato por telefone e outras “indicadas por terceiros”, sem nunca terem dado depoimento.

O pedido de habeas-corpus terá como relator o desembargador Manuel José Martinez Lucas. Ele é o mesmo que negou, na tarde da última quarta-feira, dois pedidos de Marques. O primeiro, um habeas-corpus, pedia que o processo tramitasse em Porto Alegre, e não em Santa Maria. O segundo pedido, uma correição parcial, era para que o TJ julgasse improcedente a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria atuar como assistente de acusação.

Nos dois pedidos, Lucas foi o relator. Ele entendeu que eles deveriam ser negados. Os outros dois magistrados que participaram dos julgamentos seguiram a sua opinião.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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