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Tragédia em Santa Maria

RS: juiz quer júri para acusados da tragédia até o fim do ano

Magistrado acolheu denúncia do Ministério Público, e o processo criminal contra oito réus começou nesta quarta-feira

3 abr 2013 - 20h57
(atualizado em 4/4/2013 às 14h26)
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Pouco depois das 11h desta quarta-feira, o processo criminal sobre a tragédia da Boate Kiss foi aberto na Justiça de Santa Maria (RS). Nesse momento, o titular da 1ª Vara Criminal, juiz Ulysses Fonseca Louzada, anunciou que acolheu a denúncia do Ministério Público (MP) sobre o caso, cerca de 15 horas depois de tê-la recebido. Com isso, os oito denunciados pelo MP viraram réus. Quatro devem ir a júri popular, mas quatro devem sair do processo em breve.  Durante uma entrevista coletiva na manhã desta quarta, Louzada disse que sua ideia é que o júri saia até o final deste ano. “Tudo o que for possível para uma resposta mais rápida, será feito”, declarou o juiz.

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O magistrado, em sua análise, classificou como “irrepreensível” o trabalho do Ministério Público, “no que toca à descrição clara e concisa do fato criminoso, justificando a capitulação atribuída a cada um”. Ele acrescentou que “o fato criminoso, da forma como exposto, permite aos acusados terem conhecimento exato dos limites da acusação e das condutas atribuídas a cada um, possibilitando que exerçam suas prerrogativas constitucionais de ampla defesa”. Com essas palavras, estava garantido o acolhimento da denúncia do MP.  

Como o crime atribuído aos acusados Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, Mauro Londero Hoffmann, o Maurinho, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, é doloso contra a vida, Louzada confirmou que eles devem ser julgados por um júri popular.

Para o falso testemunho, basta uma retratação

Outros réus podem deixar o processo em breve. Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e Volmir Astor Panzer, funcionário de Eliseo Jorge Spohr, pai de Kiko, são acusados do crime de falso testemunho. Em seus depoimentos à Polícia Civil, eles disseram que Eliseo não era sócio da boate. O MP entendeu que eles mentiram para tentar eximir o pai de Kiko de qualquer responsabilidade, tanto criminal - por condutas relacionadas à sua possível condição de sócio oculto - quanto indenizatória.

No Código Penal, é prevista a extinção da punição por falso testemunho “pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite”. Ou seja, se Uroda e Panzer alterarem o que disseram, antes da sentença do processo, poderão ficar livres, sem acusação.  

Proposta de suspensão da ação criminal para bombeiros

Outros dois bombeiros responsabilizados no inquérito e denunciados pelo MP também podem se livrar da acusação em breve. Renan Severo Berleze e Gérson da Rosa Pereira foram indiciados e denunciados por fraude processual, mas o Ministério Público propôs na denúncia a suspensão condicional do processo por dois anos. Isso ainda depende de os antecedentes criminais dos dois não serem impeditivos.  

Se a suspensão for possível, eles deverão prestar serviços à comunidade por três meses ou pagar dois salários mínimos nacionais (R$ 1356) durante esse período para uma entidade beneficente. Além disso, eles deverão comparecer trimestralmente a Juízo, para informarem endereço e atividades e não poderão se afastar de Santa Maria por mais de 30 dias sem prévia comunicação à Justiça. Se seguirem todas essas regras, eles saem do processo depois de dois anos.

Arquivamentos foram aprovados

O juiz Ulysses Louzada concordou também com o arquivamento do inquérito, pedido pelo MP, em relação a Ricardo de Castro Pasche, gerente da Kiss, Luiz Alberto Carvalho Junior, secretário de Proteção Ambiental de Santa Maria, e Marcus Vinicius Bittencourt Biermann, servidor da prefeitura que emitiu o alvará de localização da Kiss.

Pasche havia sido indiciado por homicídios dolosos e tentativas de homicídio dolosos. Já Luiz Alberto Carvalho Júnior, tinha sido indiciado por homicídio culposo. Na mesma situação do secretário estava Marcus Vinícius Bittencourt Biermann. O juiz também determinou o arquivamento do inquérito em relação aos bombeiros Vágner Guimarães Coelho e Gílson Martins Dias, que haviam sido indiciados pela Polícia Civil por homicídios dolosos e tentativas de homicídio dolosos. Como o MP entendeu que os dois praticaram homicídios culposos a competência para julgar o caso deles passou para a Justiça Militar.

Magistrado entende que o processo deve ficar em Santa Maria

Em sua manifestação sobre o acolhimento da denúncia, o juiz Ulysses Fonseca Louzada também decidiu a respeito de um pedido feito pelo advogado de Kiko Spohr, Jader Marques, ainda quando os promotores estavam trabalhando na denúncia.  O defensor solicitou que fosse reconhecida a incompetência da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, por causa dos apontamentos da Polícia Civil sobre indícios de que o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) praticou homicídio culposo.

Se for denunciado pela Procuradoria de Prefeitos, do Ministério Público de Porto Alegre, por esse crime, o chefe do Executivo santa-mariense só pode ser julgado pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Justiça (TJ). Como Schirmer foi indiciado no inquérito, não foi denunciado pelo MP de Santa Maria e ainda não há uma ação criminal contra ele. Louzada negou o pedido do advogado de Kiko.

Alem disso, o entendimento de Louzada é que, dentro das normas jurídicas, a competência do Tribunal do Júri de Santa Maria para crimes dolosos contra a vida tem um status mais alto na hierarquia do que a regra que determina que processos relacionados devem ser julgados juntos.  Por isso, para o juiz, mesmo que o prefeito seja processado, o processo dos crimes dolosos contra quatro réus deve permanecer em Santa Maria.     

Até a tarde desta quarta-feira, cópia do inquérito policial sobre a tragédia ainda não havia chegado à 4ª Câmara Criminal do TJ. Só depois disso é que a Procuradoria de Prefeitos do MP será notificada a se manifestar sobre a situação de Schirmer.  

Louzada: mais investigações devem ser feitas pela Polícia Civil

Quanto às investigações complementares pedidas pelo Ministério Público na denúncia sobre a tragédia na Boate Kiss, o juiz Ulysses Fonseca Louzada determinou que todas devem ser feitas pela Polícia Civil. Nos casos da irmã de Elissandro Spohr, Angela Aurelia Callegaro, e da mãe dele, Marlene Terezinha Callegaro, que são sócias da Boate Kiss no papel, os promotores querem que a Polícia Civil esclareça, para poder responsabilizá-las criminalmente, se elas tiveram efetiva contribuição na implantação do cenário que resultou na tragédia. O que o MP quer saber é se Angela e Marlene tinham poder de mando e veto nas decisões relativas a fatores que levaram às mortes: contratação de show pirotécnico, reformas da boate, instalação de espuma e lotação da casa. Para isso, os representantes do MP sugeriram que a Polícia Civil ouça pessoas que trabalhavam na boate. Elas tinham sido indiciadas pela Polícia Civil por homicídios dolosos qualificados e tentativas de homicídio qualificado.

O secretário de Controle e Mobilidade Urbana de Santa Maria, Miguel Caetano Passini, e o superintendente de Fiscalização da mesma pasta, Belloyanes Orengo de Pietro Júnior, tinham sido indiciados por homicídio culposo pela Polícia Civil. Na visão do MP, porém, a responsabilidade deles merece ser melhor investigada.

Pelos promotores, teria que ficar comprovado que tanto Passini quanto Pietro Júnior foram instados pelo Corpo de Bombeiros a tomar alguma providência, como a suspensão das atividades da Kiss, após o termino da validade do último alvará de prevenção a incêndio, em agosto de 2012.   

Seguranças de casa noturna estariam despreparados

Outras diligências pedidas pelo MP dizem respeito à empresa de segurança que prestava serviços à boate Kiss. Os promotores querem que seja melhor apurada a conduta do dono da empresa, Éverton Drusião, que estava presente no dia e local da tragédia. O motivo são os relatos de testemunhas que revelam o despreparo de seguranças, no momento da saída das pessoas em decorrência do fogo recém-iniciado, no sentido de que mandavam os clientes que tentavam sair passarem antes nos caixas para pagarem as contas.

De acordo com o MP, o inquérito policial noticiou que alguns dos seguranças seriam funcionários da própria boate e outros seriam “terceirizados”. Os funcionários de Drusião alegam que os seguranças que controlavam a saída dos clientes, após pagamento das comandas, seriam os que tinham vínculo direto com a boate. Além disso, alguns dos seguranças terceirizados dão conta da inexistência de qualquer treinamento, seja para lidar com o público, seja para condutas a serem adotadas em situações de risco. Os promotores pediram que todos aqueles identificados como seguranças sejam ouvidos novamente.

Venda de bebidas para menores de 18 anos deve gerar novo inquérito

Outra situação que não pode passar despercebida, de acordo com o MP, é a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos na Kiss. Para apurar esse fato, os promotores pediram a instauração de um novo inquérito policial, que deve ficar a cargo da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). A solicitação nasceu a partir de um depoimento de uma vítima de 17 anos que estava na boate e disse que, em outras vezes na mesma casa noturna, comprou e ingeriu bebida alcoólica “de forma livre e sem ser questionada se havia responsável ou não”.

Outro pedido do MP se refere ao último parágrafo do relatório do inquérito policial, onde foi escrito que “indícios trazidos aos autos da possível ocorrência de outros crimes não relacionados diretamente com o incêndio e as mortes, (...) serão investigados oportunamente, em procedimentos próprios”. Para os promotores, a Polícia Civil tem que esclarecer se isso está sendo feito.

Advogado da associação de familiares das vítimas vai ser assistente de acusação

Com o recebimento da denúncia pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada e o começo do processo criminal, agora a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria vai efetivamente ter um representante na ação. Isso porque o advogado da entidade, Jonas Espig Stecca, vai se habilitar para ser assistente de acusação. Com isso, ele poderá trabalhar em conjunto com o Ministério Público para conseguir a condenação dos acusados.

Para que Stecca se torne um representante legal legítimo das vítimas da tragédia, a associação está coletando procurações de familiares das pessoas que morreram e sobreviventes do incêndio na Kiss. A medida é necessária para legitimar o advogado e evitar uma proliferação de assistentes de acusação no processo, o que só tornaria mais lenta a tramitação da ação, pois todos teriam prazo para apresentar suas manifestações.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas. 

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A intenção é oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Fonte: Terra
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