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Tragédia em Santa Maria

RS: juiz nega pedidos de defesas dos réus para entrar na Boate Kiss

Magistrado alega que não pode permitir o ingresso na casa noturna por causa dos riscos que o local oferece à saúde

6 ago 2013 - 12h28
(atualizado às 12h36)
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No dia 26 de março, profissionais do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Santa Maria recolheram na boate Kiss amostras do pó residual, que tinha a presença de 17 produtos químicos
No dia 26 de março, profissionais do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Santa Maria recolheram na boate Kiss amostras do pó residual, que tinha a presença de 17 produtos químicos
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

O titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria (RS), Ulysses Fonseca Louzada, responsável pelo processo criminal da tragédia da Boate Kiss, negou pedidos das defesas de três réus que queriam que fosse permitido a elas o ingresso na casa noturna. Os advogados queriam a realização de perícia, reconstituição e exame por profissional particular. O magistrado sustentou que não pode permitir o ingresso na boate por causa dos riscos que o local oferece à saúde.

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A resposta do juiz aos pedidos dos defensores veio após a 1ª Vara Criminal receber um ofício do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), sediado em Santa Maria. Profissionais do Cerest recolheram amostras de resíduos do interior da casa noturna, no dia 26 de março, e depois enviaram o material para análise da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), vinculada ao governo paulista.

O exame apontou a presença de 17 produtos químicos no pó residual que estava na Kiss. De acordo com o Cerest, o material pode comprometer a saúde dos trabalhadores que ingressarem no local e exige a contratação de empresa especializada no descarte correto dos resíduos.

Por esses motivos, o juiz negou os pedidos feitos por três defesas. O advogado Omar Obregon, que defende o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, solicitou que fosse realizada nova perícia e a reconstituição da tragédia na casa noturna. Já os advogados Mario Cipriani e Bruno Seligman de Menezes, representantes do sócio da Kiss Mauro Londero Hoffmann, queriam uma autorização para exame que seria feito por profissional particular. Por último, o advogado Jader Marques, defensor do sócio da boate Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, solicitava a reprodução simulada dos fatos no interior da Kiss.

O magistrado, porém, concluiu "pela inviabilidade de ingresso seguro no ambiente interno da boate". Louzada acrescenta que "o Poder Judiciário não pode franquear a entrada de pessoas em local insalubre, face ao noticiado risco de ser causado grave prejuízo à saúde".

Ainda de acordo com o juiz, a competência para lidar com a situação é da Defesa Civil, segundo a lei federal 12.608/2012. Louzada também determinou que a cópia da decisão dele e do ofício do Cerest devem ser enviadas à Promotoria de Justiça Especializada do Meio Ambiente, do Ministério Público, à Defesa Civil e à Secretaria de Proteção Ambiental de Santa Maria, para que sejam tomadas providências a respeito dos resíduos tóxicos. O órgão municipal também deverá informar o Judiciário sobre a sua competência para averiguar a situação do ambiente interno da boate Kiss e a respeito de eventual dano ambiental e à saúde da população. A empresa proprietária do imóvel da Kiss, a Eccon Empreendimentos de Turismo e Hotelaria Ltda., também deve ser informada a respeito da decisão.

O processo está com o juiz UlyssesFonseca Louzada para que ele verifique se há alguma irregularidade a ser sanada ou pendências a serem resolvidas e para que ele marque os próximos depoimentos de vítimas, a partir de listas encaminhadas pelas defesas dos réus. Cerca de 80 sobreviventes da tragédia ainda serão ouvidos entre agosto e setembro.

Um dos pedidos que aguardam decisão do juiz é para que sejam ouvidos no processo o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), o deputado estadual Jorge Pozzobom (PSDB) e o promotor Ricardo Lozza. A solicitação para os depoimentos do trio foi feito na audiência de depoimentos de vítimas, no dia 16 de julho, pelo advogado Omar Obregon, que defende o vocalista da banda. O promotor Joel Oliveira Dutra já se manifestou para que o pedido seja negado. Cabe ao juiz decidir se segue o parecer do Ministério Público ou se chama algum dos três para depor.

Até agora, foram ouvidas 49 pessoas. Já está definido que um sobrevivente da tragédia falará no dia 19 de agosto, em Porto Alegre, assim como o gerente da Kiss, Ricardo Pasch. Outras vítimas devem depor em Caxias do Sul e Florianópolis (SC).

Além de Marcelo de Jesus dos Santos, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, responde ao processo criminal pelas 242 mortes e os mais de 600 feridos o roadie da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão. Eles são acusados por homicídios qualificados com dolo eventual e tentativas de homicídio qualificado.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

 

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

Fonte: Especial para Terra
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