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Tragédia em Santa Maria

RS: após acordo, ocupação da Câmara de Santa Maria termina até as 12h

Presidente do Legislativo se comprometeu a afastar, em até 30 dias, o procurador jurídico da Casa

1 jul 2013 - 05h29
(atualizado às 08h22)
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Manifestantes comemoram acordo após dias de ocupação
Manifestantes comemoram acordo após dias de ocupação
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Depois de seis dias, a ocupação da Câmara de Vereadores de Santa Maria vai terminar até o meio-dia desta segunda-feira, depois de um termo de compromisso assinado pelo presidente do Legislativo, Marcelo Zappe Bisogno (PDT). Pelo pacto, ele se compromete a afastar, em até 30 dias, o procurador jurídico da Casa, Robson Zinn, que também é presidente municipal do PMDB, mesmo partido do prefeito Cezar Schirmer.

Pelo documento, os movimentos da ocupação destacam ainda que não se opõem à continuidade do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a tragédia na boate KISS, até sua conclusão, cuja data limite é a próxima quarta-feira, dia 4 de julho. Porém, os manifestantes sugerem a renúncia dos três vereadores que integram a CPI, Maria de Lourdes Castro (PMDB), Sandra Rebelato (PP) e Tavores Fernandes (DEM).

A ocupação foi motivada pelo vazamento de uma conversa entre a presidente da CPI, Maria de Lourdes, o vice, Tavores Fernandes, e um assessor, que seria o autor da gravação. No áudio, de 42 minutos, eles mostram preocupação de que a investigação possa chegar ao secretário de Relações de Governo e Comunicação de Santa Maria, Giovani Mânica, que deve oficializar sua saída nesta segunda-feira, e ao prefeito Cezar Schirmer.

Os termos do acordo foram construídos em reuniões dos coordenadores do movimento, ao longo do domingo e foi costurado com a colaboração do presidente da subsecção de Santa Maria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Péricles Lamartine Palma da Costa, e teve a participação de vereadores da oposição.

Pelo pacto, Marcelo Bisogno se compromete a ficar no cargo de presidente da Câmara somente até que sejam cumpridas os termos do acordo. Vereador mais votado das eleições do ano passado e único do PDT, ele agora está isolado, pelo fato de o restante da bancada governista, que tem mais 12 parlamentares, não ter assinado embaixo do acerto feito para a desocupação do prédio do Legislativo.

Bisogno chegou à Câmara à 0h11 desta segunda-feira. Visivelmente incomodado com a situação, ele conversou rapidamente com líderes do Movimento por Justiça e ouviu do presidente da OAB local o texto do acordo. Antes de todos irem para o plenário para a assinatura do termo de compromisso, líderes dos manifestantes conversaram com os ocupantes para pedir que todos respeitassem o presidente da Câmara, sem vaias e atos hostis.

E assim foi feito. Pouco antes da 1h, o presidente da Câmara entrou no plenário e se dirigiu à mesa em que costuma presidir as sessões. O presidente da OAB leu o acordo na íntegra para que todos os manifestantes tomassem conhecimento do que se tratava. À 1h02, os líderes do movimento começaram a dar suas assinaturas para o termo de compromisso histórico.

Assim que o presidente da Câmara deixou o local, o que se viu foi uma festa, com direito a batucada e dança no plenário, abraços e lágrimas.

“A gente sabe que a luta é árdua, mas dá uma sensação que a Justiça está começando a clarear para nós”, disse o presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Ferreira.  Outro pai de vítima aproveitou para dar um recado. “A ocupação da Câmara foi apenas um aquecimento. O jogo está apenas começando. Nos aguardem”, avisou Flávio José da Silva, do Movimento Santa Maria do Luto à Luta.  

As reivindicações, ligadas à tragédia da boate Kiss, reuniram movimentos diversos, como o Levante Popular da Juventude, que atua junto a iniciativas como a Via Campesina e o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD). No final, o balanço é positivo. “Acho que a gente conseguiu com muita luta, organização, mobilização e emoção dobrar o poder. E isso não é fácil. Mais do que a vitória, fica o exemplo de que a gente pode ganhar. E a história que eles odeiam é aquela que mostra que a gente pode ganhar.”, diz Gabriel Vaccari, do Levante.

Na próxima sexta-feira, dia 5, em uma audiência pública sobre transporte, haverá uma oportunidade para mostrar que os diferentes grupos da ocupação se manterão unidos para batalhar pela redução da passagem de ônibus, por uma nova licitação para o serviço em Santa Maria e pela volta do passe livre. “O principal desafio agora é dar continuidade. Porque não adianta articular todos esses grupos se não passar de uma semana. Fica a necessidade de esses grupos se manterem articulados, porque ainda temos grandes desafios pela frente”, conclui Vaccari.  

Depois da festa no plenário, um grupo foi para a frente do prédio da Câmara para batucar e dançar. Ainda durante a madrugada, manifestantes começaram a fazer uma limpeza no local que serve de lar desde a tarde da última terça-feira, quando a sessão plenária ainda estava em andamento. Faixas e cartazes também já foram sendo retirados.  

Os manifestantes também se comprometeram a deixar na Câmara, até quarta-feira, um grupo para fazer os consertos de danos feitos durante a ocupação. Durante o protesto, foram registradas pichações nos banheiros e na frente do prédio do Legislativo.

Confira a íntegra do acordo assinado para o fim da ocupação da Câmara de Vereadores de Santa Maria até o meio-dia desta segunda-feira:

Aos trinta dias do mês de junho de dois mil e treze na Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria, sito a Rua Vale Machado, nº 1415, reunidos o movimento denominado “Movimento Por Justiça”, neste ato representado pelos Senhores Adherbal Alves Ferreira, Flávio José da Silva, Gabriel da Silva Vaccari, Leandro Torres Ribeiro,Alídio da Luz Silva, Alex Barcelos Monaiar, Doutor Rodrigo Dias de Moura (OAB/RS 87.648), representante jurídico do movimento, que ora ocupa a Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria em regime de protesto e o Presidente da Câmara, Vereador Marcelo Zappe Bisogno, diante do testemunho do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do RS, subseção de Santa Maria, Doutor Péricles Lamartine Palma da Costa, Vereadores João Ricardo Vargas (PSDB), Werner Rempel (PPL), Jorge Trindade (PT), Daniel Diniz (PT) e das demais pessoas que subscrevem, firmam este pacto, em caráter irrevogável e irretratável, conforme as seguintes condições, a saber:

O movimento mencionado anui com a retomada do trâmite da Comissão Parlamentar de Inquérito a propósito da tragédia ocorrida na boate Kiss em 27/01/2013, até sua conclusão regular, em respeito à ordem jurídica e às instituições democráticas e, ainda, manifesta em caráter de sugestão que os integrantes da indigitada Comissão, Vereadores Maria de Lourdes Castro (PMDB), Sandra Rebelato (PP) e Doutor Tavores Fernandes (DEM) renunciem, tendo em conta que os fatos motivadores do movimento são graves e maculam a idoneidade moral e política do Parlamento frente à sociedade.

No que refere ao Procurador Jurídico do Legislativo Municipal, Doutor Robson Zinn, fica pactuada sua exoneração, ao que se compromete o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria a determinar em regime formal, nos moldes regimentais, para que seja efetivamente afastado de suas funções no prazo improrrogável de até 30 (trinta) dias a contar desta data, ficando registrado que o dito procurador já colocou seu cargo à disposição e o Presidente manifestou aceite, tudo pelas razões elencadas em nota de manifestação pelo movimento, publicizada em 28/06/2013 via imprensa geral, cujo teor fica ora anexado ao presente instrumento.

Compromete-se o Movimento a desocupar as dependências da Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria até as 12 horas do dia 01/07/2013 permanecendo tão somente a equipe responsável pela recuperação e conserto dos bens eventualmente dilapidados durante as atividades em tela, tarefas estas que deverão se encerrar na quarta-feira dia 03/07/2013.

O Presidente se compromete, ainda, a permanecer no cargo que ocupa na mesa diretora do parlamento municipal minimante pelo lapso temporal necessário ao cumprimento da integralidade das disposições constantes neste instrumento.

Assim justo, pactuado, exaustivamente discutidos e elucidados os termos desta avença, firmam a presente em duas vias de igual teor, valor e forma na presença de todos os anteriormente indigitados comprometendo-se mutuamente ao fiel cumprimento de todo o entabulado para, ato contínuo, ser lida diante de todos os presentes em plenário e disponibilizada a imprensa geral.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

Fonte: Especial para Terra
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