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Tragédia em Santa Maria

Mães de vítimas da Boate Kiss se unem pela dor em seu dia no RS

Encontro de familiares no Dia das Mães serviu para dar um pouco de conforto àqueles que perderam seus filhos na tragédia de Santa Maria

12 mai 2013 - 17h56
(atualizado às 18h41)
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A professora Helena Rosa da Cruz, que perdeu dois filhos no incêndio, é confortada por familiares de vítimas
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

No primeiro Dia das Mães depois da tragédia da Boate Kiss, mulheres que perderam seus filhos no incêndio se reuniram em um encontro, em Santa Maria (RS), para amenizar a dor da ausência dos filhos, e para que elas pudessem dividir um domingo que não tem mais o mesmo significado de antes de 27 de janeiro. A reunião foi promovida pela Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e teve a participação de mais de 400 pessoas na sede campestre do Clube Dores.

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O encontro reuniu mães como a professora Helena Rosa da Cruz, que, depois de mais de duas décadas, não tinha um filho para comemorar junto o seu dia. Ela viu a tragédia levar Mirela, 21 anos, e José Manuel, 18 anos.  "É uma dor sem tamanho. Vim para confraternizar com outras mães, para ficarmos unidas neste dia tão difícil", disse Helena.

A reunião também serviu para manifestações como a de Vanda Dacorso, mãe de Vitória Dacorso Saccol, que morreu na tragédia. Ela usou o microfone para dar seu recado. "Hoje é dia de uma falsa alegria. Quero, do fundo do meu coração, que esse dia seja de confraternização, mas também de conscientização. A nossa paz não pode ser maior do que a nossa consciência. Temos que reivindicar nossos direitos. Quero pedir a presença de todos os familiares na CPI", resumiu Vanda, referindo-se à comissão parlamentar de inquérito que investiga a tragédia na Câmara de Vereadores de Santa Maria. 

Anjos de porcelana vieram de Santos

Os convidados de fora também se uniram para dar um pouco de conforto às mães enlutadas. De Santos (SP), a depiladora Hagar Fernandes levou 241 anjos para entregar a cada mulher que perdeu um filho. Cada um deles segurava um papel com a Oração de Santo Agostinho. "Eu só estou trazendo amor", disse a autora da iniciativa, que também leu uma mensagem da responsável pela confecção das peças de porcelana, a artista plástica Tereza Marchi, sogra de Hagar. Na mala de volta a Santos, a depiladora, que fez questão de abraçar a todos, levará um livro com mensagens escritas pelos familiares das vítimas. Ela também entregou presentes, um deles um livro enviado pelo prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB).

Também foram ao evento para partilhar suas experiências mães de Caxias do Sul (RS), que fazem parte do Grupo de Apoio a Pais Enlutados (Gap) Anjos Secretos.  Os integrantes levaram para Santa Maria um painel vermelho, com um coração no centro, rodeado de 241 estrelinhas, cada uma com o nome de uma vítima da Kiss. Junto, foi uma carta, com mensagens como a de que é preciso seguir em frente e aprender a conviver com a dor.

Mães de Santana do Livramento (RS), do grupo De Mãos Dadas, também deixaram sua mensagem no evento. "Estamos na mesma caminhada. A dor é permanente, mas o amor, também. Viemos nos solidarizar com as mães de Santa Maria, dar nosso abraço, nosso amor", comentou Elenita dos Passos, que perdeu há oito anos o filho Fabiano dos Passos Dias, 21 anos, que foi morto em um assalto.

A emoção esteve aflorada em vários momentos. Antes do começo da cerimônia, um vídeo mostrou fotos de todas as vítimas da tragédia, ao som de uma versão da música What a Wonderful World. Muitos pais e mães não se seguraram e foram às lágrimas.

Atriz Cissa Guimarães gravou uma mensagem de apoio

Outro momento emocionante foi a exibição de uma mensagem gravada pela atriz Cissa Guimarães, que iria comparecer ao evento de ontem, mas não pôde em função das últimas gravações da novela Salve Jorge. Ela perdeu o filho Rafael Mascarenhas, 18 anos, em consequência de um atropelamento no Rio de Janeiro, em agosto de 2010. "Eu queria estar aí para poder abraçar cada um de perto. Não pude agora, mas eu vou aí", disse a atriz em seu depoimento gravado.

Entre momentos de palmas e orações, todos se uniram na mesma dor. Antes de o risoto do almoço ser servido, Rosalino Cassol, pai de Susiele Cassol, 19 anos, e sogro de Roger Dall'Agnol, 21 anos, cantou algumas músicas de sua autoria para confortar os pais e homenagear os jovens que morreram na tragédia.

Foi um Dia das Mães com muita dor, mas com união de sobra entre os que dividiram seus sentimentos e suas angústias. "Não existe ex-mãe. Mesmo que os filhos não estejam aqui, eles estão vivos, junto ao Pai", declarou o presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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