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Tragédia em Santa Maria

"Lembro dos que não resgatei", diz sobrevivente de incêndio

28 jan 2013 - 16h12
(atualizado às 16h32)
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O estudante de Educação Física Ezequiel Corte Real, 23 anos, não sabe exatamente o número de pessoas que resgatou do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), na madrugada de domingo (27). Tampouco se lembra da fisionomia daqueles que tirou da negra nuvem de fumaça que ocupara o local. No entanto, ele tem uma vívida memória dos muitos que não teve como ajudar: “lembro só do rosto das pessoas que me pediam socorro e não consegui resgatar”.

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Quando viu uma labareda no teto da boate, Ezequiel não imaginava que, no dia seguinte, sua foto carregando um homem pesado, que calculou pesar em torno de 100 kg, estamparia jornais, sites e revistas do mundo inteiro, inclusive na capa do renomado diário The New York Times. Barman, o universitário já havia trabalhado na boate Kiss e disse ter mantido a calma quando observou o início do incêndio por não imaginar que o fogo se espalharia pelo teto, provocando uma fumaça que causaria a morte da maior parte das 231 pessoas vitimadas.

A canção era Amor de Chocolate, do cantor Naldo, reproduzida pela banda Gurizada Fandangueira. Foi neste momento que o vocalista do grupo disparou para o alto um artefato pirotécnico conhecido como Sputnik, cujas faíscas chegaram ao forro do teto, onde um pequeno clarão se abriu. “O teto ficava bem próximo, só que o extintor não funcionou. E as pessoas vaiaram”, relata. “Aí começou a surgir uma manta de fogo e a pingar umas gotas, como aquelas de quando se queima um plástico."

O local estava lotado. A fumaça provocou tumulto. “O pessoal se acumulou de forma que não tinha como seguir a massa de pessoas. Eu fui para outra direção, a direção das chamas”, prosseguiu, contando que muita gente acabou estacionada na porta de entrada da boate, momentaneamente bloqueada por seguranças que aparentemente desconheciam o incidente - algo observado in loco pelo estudante. “Vi o pessoal batendo de frente com aquela porta.”

INCÊNDIO EM SANTA MARIA

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Muitos foram pisoteados, outros buscavam se salvar saindo por uma porta ao lado do banheiro. Ezequiel, por sua vez, tentou fugir pela área VIP. Depois optou por passar por uma espécie de U na saída boate, onde ficavam os caixas para o pagamento da comanda.  

Tranquilidade

Garantindo não ter bebido na festa, Ezequiel atribui sua tranquilidade ao desconhecimento da proporção que o incêndio tomaria. “Eu tinha na minha cabeça que aquilo ali seria resolvido. Achei que um sistema de água fosse ser ligado ou que entrasse alguém para apagar com o extintor. Mas não tinha como. Não tinha segurança. Tu não tinhas como ir na direção contrária das pessoas com extintores. Muita gente caiu, muita gente foi pisoteada”, explica.

A fumaça foi outro imenso obstáculo para uma retirada rápida: "quando tu respiras, parece que tira mais o ar dos pulmões. Ela te aperta os pulmões e arde teus olhos”. Ele está em observação médica após a tragédia, já que a inalação dos gases tóxicos por causar problemas severos até para os sobreviventes, com risco de ter até pneumonia. 

Lei do mais forte

“Quando eu saí, fiquei preocupado que muita gente bateu em mim e fiquei assustado. Acabei usando a força. É a lei do mais forte, os caras todos estavam passando por cima de umas pessoas. Tinha uma mesa virada (perto da porta) e eu passei por cima dela. Depois me toquei que tinha passado por cima de pessoas, inclusive mulheres. Cheguei na rua, respirei, olhei a situação que estava acontecendo, porque o pessoal não conseguia sair, ia desmaiando", descreveu Ezequiel.

No entanto, tão logo conseguiu ir para a área externa, o estudante colocou a camiseta no rosto e retornou para o interior da boate, com o objetivo de ajudar no resgate das vítimas. Mas, segundo ele, a situação já era avassaladora, com muitas pessoas desmaiadas, caídas sobre as outras, sem a possibilidade de sequer tentarem salvar suas vidas.  "Depois de cinco minutos o pessoal já estava desmaiado por completo. Aí a gente tentava tirar pessoas que estavam debaixo de outras. Tinha pessoas que tu puxavas pelo braço e saía a pele. Resgatei uma menina que não tinha mais saia, porque tinha queimado."

Outro fator problemático era a baixa visibilidade no local. O jovem, que calcula ter resgatado, entre mortos e feridos, 30 pessoas, passou a identificar possíveis vítimas por meio dos braços ou pernas, imediatamente puxados por ele assim que vistos. "Na hora que eu resgatava, não via o rosto das pessoas. Retirava mais mulheres, porque era mais fácil de carregar. Até aquele homem que eu retirei (registrado por um fotógrafo), foi porque ele estava em cima de outras mulheres, que não conseguiam sair". Outros dois colegas de academia de Ezequiel, ambos homens fortes, com mais de 90 kg, também ajudaram no resgate das vítimas.

Para Ezequiel, o fim da jornada de salvamentos se deu quando presenciou um jovem morto entrelaçado a um corrimão da boate: “aquilo ali me derrubou. Não sabia o que fazer. Pensei em tirar o corpo, mas do lado tinha mais corpos e, em choque, fui respirar”, disse. “Não tem como esquecer a imagem dele.”

O estudante afirmou desconhecer qual é o estado de saúde dos resgatados.

Incêndio na Boate Kiss
Um incêndio de grandes proporções deixou mais de 230 mortos na madrugada deste domingo em Santa Maria (RS). O incidente, que começou por volta das 2h30, ocorreu na Boate Kiss, na rua dos Andradas, no centro da cidade. O Corpo de Bombeiros acredita que o fogo iniciou com um sinalizador lançado por um integrante da banda que fazia show na festa universitária.
 
Segundo um segurança que trabalhava no local, muitas pessoas foram pisoteadas. "Na hora que o fogo começou foi um desespero para tentar sair pela única porta de entrada e saída da boate e muita gente foi pisoteada. Todos quiseram sair ao mesmo tempo e muita gente morreu tentando sair", contou. O local foi interditado e os corpos foram levados ao Centro Desportivo Municipal, onde centenas de pessoas se reuniam em busca de informações.
 
A prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias e anunciou a contratação imediata de psicólogos e psiquiatras para acompanhar as famílias das vítimas. A presidente Dilma Rousseff interrompeu viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde se reuniu com o governador Tarso Genro e 
parentes dos mortos.

Fonte: Terra
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