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Tragédia em Santa Maria

Inquérito deve responsabilizar bombeiros de Santa Maria sobre a Kiss

Audiência pública é realizada pela comissão externa da Câmara de Deputados, em Porto Alegre

24 mai 2013 - 12h44
(atualizado às 12h58)
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O inquérito interno do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, que investiga a responsabilidade da corporação na tragédia da Boate Kiss, que matou mais de 240 pessoas, deve apontar que os bombeiros de Santa Maria cometeram várias irregularidades na liberação da boate para funcionar. "Pelo que a gente viu, não estava sendo cumprido o regimento interno, que exigia a planta, a anotação de responsabilidade técnica para aquele local", adiantou o comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, tenente coronel Adriano Krukoski Ferreira, que acompanhou a investigação, durante uma audiência pública realizada pela comissão externa da Câmara de Deputados, em Porto Alegre.

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Ferreira afirmou que o inquérito deve ser concluído até o começo de junho. Segundo ele, existe um sistema para emissão de alvarás simplificado, chamado SIG-PI, que foi adotado por algumas unidades do Corpo de Bombeiros, como a de Santa Maria. De acordo com as normas, em algumas edificações com menos de 700 metros quadrados, as informações são apresentadas pelos proprietários, sem a necessidade de responsável técnico, para posterior vistoria dos bombeiros. Isso foi feito pela Kiss, com autorização dos bombeiros, apesar de casas noturnas não se enquadrarem neste regime simplificado.

"Em Santa Maria, por diversas razões, até aceitáveis, estavam deixando algum passo, ritos, para agilizar o processo... O SIG-PI foi desenvolvido para algumas edificações, que não precisava de um croqui do local, nem um responsável técnico. O proprietário dava a declaração dele, e o Corpo de Bombeiros, com aquele croquis... agora o inquérito vai apurar porque aquilo não estava sendo feito em Santa Maria", diz Ferreira, salientando que mais de 400 pessoas foram ouvidas

Antes do depoimento de Ferreira, o Corpo de Bombeiros do Estado, Guido Pedroso de Melo, disse que após a emissão do alvará da Kiss, qualquer alteração no local era de responsabilidade do proprietário, eximindo a responsabilidade da corporação. "Após vencido o alvará, e encaminhado o pedido de renovação, do ponto de vista dos Bombeiros, pela lei, a responsabilidade pelo local é do proprietário!", afirmou.

Indagado sobre as declarações de bombeiros que reclamaram sobre falta de equipamento e treinamento para fiscalizar casas noturnas, Melo negou a falta de material ou treinamento e disse que os responsáveis pelas declarações “vão ter que responder pelas afirmações, verdadeiras ou não”.

A Comissão Externa da Câmara realiza durante todo o dia uma audiência pública, onde devem ser ouvidos, além do comandante do Corpo de Bombeiros, o promotor Ricardo Lozza, responsável pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelos proprietários da Kiss, Jader Marques, advogado de um dos sócios da boate, além do secretário estadual de segurança, Airton Michels.

O sub-relator da comissão, deputado Nelson Marchezan Jr. (PSDB-RS), disseque a comissão teve vários entraves, e que só após quatro meses conseguiu orçamento, para que possa trazer envolvidos para depor nas audiências. "Nós tivemos muitos entraves, estamos no quarto mês, e só conseguimos, ontem, que a comissão tenha algum orçamento, para que possa trazer aqui os técnicos. Estivemos há três meses em Santa Maria e foi uma visita infrutífera, foram apresentadas barbaridades, mas nada foi gravado", disse.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Terra
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