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Tragédia em Santa Maria

Em nova edição de livro sobre a Kiss, padre fala em sexo no céu

Lauro Trevisan retirou trechos polêmicos da 1ª tiragem, disse que pode existir sexo no céu e usou palavras do cineasta Woody Allen para "descontrair"

27 abr 2013 - 09h30
(atualizado às 09h31)
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Lauro Trevisan lançou a segunda edição da obra sem os trechos polêmicos
Lauro Trevisan lançou a segunda edição da obra sem os trechos polêmicos
Foto: Terra

Após receber duras críticas e ser chamado para depor na Polícia Civil de Santa Maria (RS) por informações supostamente falsas e ofensivas publicadas no livro "Kiss - Uma porta para o céu" - sobre a tragédia na Boate Kiss, que matou 241 pessoas em 27 de janeiro e completa 3 meses hoje -, o padre Lauro Trevisan lançou a segunda edição da obra sem os trechos polêmicos. Nas 77 páginas da nova impressão, ele fala que os pais não são donos dos filhos, que as pessoas não devem se deprimir e se revoltar, censurou os que buscam "a ambição deslavada" e citou até o cineasta americano Woody Allen para "descontrair". Em uma das partes, Trevisan diz que se o leitor achar bom, haverá "sexo no céu".

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"Anote na sua agenda que no céu há abundância conforme os desejos individuais, há muita alegria, música inesquecível, e muito amor nos corações. Haverá sexo por lá? Se você achar bom e tiver vontade, haverá. O céu é imune a qualquer possibilidade de saudade, mal-estar, carência e privação. O que você imaginar de bom e maravilhoso, ser-lhe-á dado. Esqueça essa ideia ingênua de passar o tempo todo vendo anjinhos tocando harpa. (...) Uma coisa é certa: pode haver muitas boates no céu, mas boates kiss nenhuma", sublinhou o autor.

"Seu filho lhe pertence? É você proprietário dele? Dono absoluto? Não. Não é proprietário. Se o fosse, poderia ficar sempre com ele. Não é assim que funciona. Alguns pais não queriam que os filhos fossem à boate naquela noite e eles foram. Nem todos foram, é verdade, alguns seguiram o conselho", ressaltou ele, na página 18.

Com 33 anos de carreira como escritor e 78 obras publicadas, o religioso quer dar "conforto, solidariedade e carinho a todas as famílias que sofrem a perda de um ente querido" e "levantar o ânimo das pessoas de Santa Maria". Sem entrar nos campos do documentário e da reportagem, Trevisan procurou responder os motivos da tragédia sob a ótica espiritualista e de auto-ajuda, suas especialidades.

"A madrugada de vinte e sete de janeiro de 2013 soltou um sinalizador incendiário na consciência da humanidade e o fogo está queimando a exploração humana, o desrespeito pela vida, a ambição deslavada, o desvario pelo dinheiro às custas da saúde e até mesmo da vida humana, o enriquecimento a qualquer preço, o desprezo pela dignidade e o desdém da honestidade", criticou.

 Em uma das partes, Trevisan diz que se o leitor achar bom, haverá "sexo no céu"
Em uma das partes, Trevisan diz que se o leitor achar bom, haverá "sexo no céu"
Foto: Terra

"Por mais razão e indignação que lhe cause a desgraça da Kiss, sua revolta não mudará o fato. O fato já está escrito nas páginas da história. Está gravado no memorial do tempo. Ninguém desfará o tempo. Se você, no entanto, permanecer fixado no fato, não o mudará, mas mudará a sua vida, viverá desvivendo, porque preso ao inexistente", completou.

Descontraindo com Woody Allen

Na página 70, Trevisan cita o famoso diretor de cinema americano Woody Allen. "Para descontrair, veja o que escreveu o cineasta e escritor espirituoso Wood Allen: 'Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora que isso acontecer'".

Ele defendeu ainda uma "transmutação" dos que perderam amigos e familiares na tragédia e disse que "entregar-se é covardia". "Aguce os ouvidos, ouça-os: estão lhe pedindo para não gastar tempo em ralar-se de saudades e encher a sepultura de flores. (...) Querem que você vá fazer a vida. Até estão brincando com você: 'O que é isso? Qual é a graça? Acorde!'. (...) Vou contar-lhe o segredo: É seu familiar que está fazendo uma força danada lá em cima para que você levante o astral, receba a luz do Alto e acredite que o bom está à sua espera. (...) Lembre-se que quem morreu não foi você. Entregar-se é covardia". 

No final do livro, o autor oferece a solução para o problema da perda: o livro "O Segredo Da outra Vida", escrito por ele próprio, buscando "desvendar o segredo da vida e o relatou aqui, numa pequena e singela parábola emocionante e linda, capaz de enxugar as lágrimas dos que sofrem a perda de um ente querido, assim como acalmar a angústia dos que temem o mistério do Além".

Polêmicas e explicações

Na primeira edição, o escritor causou polêmica e indignou familiares das vítimas ao afirmar que algumas vítimas estavam vivas dentro do caminhão frigorífico que levava os corpos para serem reconhecidos no dia da tragédia. "No auge da balada celestial, o Pai perguntou se alguém queria voltar. Dois ou três disseram que sim e foram encontrados vivos no caminhão frigorífico que transportava os corpos ao Ginásio de Esportes", dizia o trecho, suprimido da segunda edição.

Na página 11, ele usou o verbo "agonizar" no fragmento "Por que foram ceifados pela morte, sem dó nem piedade, aqueles que se dedicaram, num imenso gesto heroico de solidariedade, a salvar os que agonizavam em meio à fumaça funérea?!" A palavra também foi retirada da nova tiragem. 

Criticado por familiares das vítimas, ele foi chamado pelo delegado Sandro Meinerz, um dos responsáveis pelo inquérito sobre o incêndio na boate, para prestar esclarecimentos. O pedido foi feito pela Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria pois, segundo a entidade, as declarações seriam falsas. O religioso argumentou que não quis criar polêmica e que baseou-se em "conversas de rua" e em "diz que diz".

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas. 

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A intenção é oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Fonte: Terra
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