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Tragédia em Santa Maria

Cavalgada pelas vítimas de Santa Maria marca o 7º mês da tragédia

No dia em que o incêndio na Boate Kiss faz “aniversário”, haverá caminhada, missa crioula, festival de bandas e culto ecumênico em Santa Maria (RS) para marcar a data

27 ago 2013 - 07h23
(atualizado às 07h24)
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Na manhã de segunda-feira, antes de chegar à Estância do Minuano, os cavaleiros partiram da Fazenda Santa Isabel, no distrito de Santa Flora, interior de Santa Maria
Na manhã de segunda-feira, antes de chegar à Estância do Minuano, os cavaleiros partiram da Fazenda Santa Isabel, no distrito de Santa Flora, interior de Santa Maria
Foto: Claudia Malezan / Arquivo Pessoal / Divulgação

Depois de percorrer mais de 140 quilômetros no lombo dos cavalos, os participantes de uma homenagem às vítimas da tragédia da Boate Kiss chegaram por volta das 15h30 desta segunda-feira à Estância do Minuano, região sul de Santa Maria (RS). Eles saíram na última sexta-feira de São Gabriel (RS). A programação termina nesta terça-feira com uma cerimônia em frente à Kiss e uma missa crioula, no dia em que o incêndio na casa noturna completa sete meses. Além da cavalgada, integram a programação do “aniversário” da tragédia na cidade caminhada e festival de bandas, além do já tradicional “minuto de barulho” com palmas, sinos e buzinas para as vítimas.  

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“Esses jovens que partiram antes (na tragédia) se tornaram anjos, que depois voltam para nos ajudar. Eles estiveram conosco o tempo todo”, disse Dalton Zappe, 62 anos, o mais velho participante da cavalgada, cuja motivação foi prestar uma homenagem à amiga Shaiana Tuachen Antolini, que morreu aos 22 anos. O mais novo era João Vicente Röhrig Martins, 9 anos, que acompanhou o grupo desde São Gabriel, montado na égua Xuxa.

A Cavalgada em Homenagem aos Amigos, como foi batizada, era para lembrar os que morreram por causa do incêndio na Kiss, mas houve sobrevivente que fez questão de participar. Arthur Rodrigues Martins, 23 anos, que estuda Medicina Veterinária na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), tentou deixar para trás as limitações e as dificuldades pelas queimaduras e pela intoxicação que sofreu por estar na Kiss no dia 27 de janeiro. Ele chegou a ficar 42 dias internado e, mesmo assim, encarou toda a cavalgada. “A gente vai por uma força maior, com outro pensamento. Não é o que você vai enfrentar, mas por quem você vai enfrentar”, disse Arthur, que animou a cavalgada como o “violeiro” do grupo.

Inocêncio Gonçalves, 50 anos, pai de Heitor Gonçalves, gabrielense que morreu na tragédia aos 19 anos, acompanhou boa parte da cavalgada, inclusive ajudando no apoio logístico, e veio a cavalo do distrito de Santa Flora, em Santa Maria, até a Estância do Minuano, ponto final do trajeto. “Essa turma que veio cavalgando tem muita força. Foi uma ação importante para não deixar aquietar a vontade que todos têm de que se faça justiça”, afirmou Heitor.

A cavalgada por volta das 15h30 desta segunda-feira à Estância do Minuano, região sul de Santa Maria (RS)
A cavalgada por volta das 15h30 desta segunda-feira à Estância do Minuano, região sul de Santa Maria (RS)
Foto: Rodrigo Rodrigues / Arquivo Pessoal / Divulgação

A cavalgada partiu na manhã de sexta de São Gabriel. Antes de ganhar o interior, o grupo passou pelo centro da cidade e, depois, foi em direção à localidade de Tiaraju. À tarde, eles chegaram à Estância Posto Queimado, de propriedade de Hugo Gonçalves, irmão de Inocêncio, tio de Heitor e pai de Octacílio Altíssimo Gonçalves, outro gabrielense que morreu na tragédia. À frente do grupo, os cavaleiros levavam a bandeira do Rio Grande do Sul e cartazes com fotos dos amigos mortos.

Na manhã de segunda-feira, antes de chegar à Estância do Minuano, os cavaleiros partiram da Fazenda Santa Isabel, no distrito de Santa Flora, interior de Santa Maria. A propriedade pertence a Odacir Malezan, mais conhecido como Ciro, avô de Augusto Malezan de Almeida Gomes, que também foi vítima do incêndio na Kiss, aos 18 anos. Ao chegar à estância, os participantes foram recebidos com um churrasco.

<p>Um sobrevivente da tragédia que fez questão de participar: Arthur Rodrigues Martins, 23 anos (dir.), que estuda Medicina Veterinária na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)</p>
Um sobrevivente da tragédia que fez questão de participar: Arthur Rodrigues Martins, 23 anos (dir.), que estuda Medicina Veterinária na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Participaram da cavalgada 33 pessoas. Com a equipe de apoio, com duas caminhonetes e um caminhão, foram 38 envolvidos no total. A ideia da cavalgada partiu de um grupo de quatro jovens de São Gabriel que perderam amigos e colegas em razão do incêndio na casa noturna. A intenção também era demonstrar apoio à Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) na luta por justiça. “Em São Gabriel, chegamos a pegar neve por três, quatro quilômetros. Os ponchos ficaram branquinhos. Chuva, foi de balde, desde a noite de sexta. Mas ninguém se entregou, ninguém reclamou de nada. E, por onde a gente passou, a receptividade foi muito grande”, disse Diego Martins Fernandes, 24 anos, um dos quatro gabrielenses que tiveram a ideia de fazer a homenagem.

Nesta terça-feira, quando a tragédia completa sete meses, o grupo de cavaleiros partirá, entre 9h e 9h30, da Estância do Minuano, rumo à Boate Kiss, no centro de Santa Maria. Eles passarão pela BR-392 e pelas avenidas Hélvio Basso, Presidente Vargas, José Bonifácio, Riachuelo e André Marques antes de chegar à rua dos Andradas. Nesse percurso, eles serão acompanhados por amigos e familiares de vítimas da tragédia em carreata.

Por volta das 11h, os cavaleiros lerão uma carta endereçada à AVTSM e cantarão o hino do Rio Grande do Suk em frente à Kiss. Depois, às 13h, será realizada uma missa crioula no Parque da Medianeira, no Altar-Monumento.

Programação do dia começa com a Caminhada da Saúde

O primeiro evento do dia para lembrar dos sete meses da tragédia será às 10h, quando estudantes e professores de cursos da área de saúde do Centro Universitário Franciscano (Unifra) sairão do Conjunto 1 da instituição, na rua dos Andradas, percorrerão algumas ruas do centro e irão até a frente da Kiss, onde vão encontrar os participantes da Cavalgada em Homenagem aos Amigos. A chamada “Caminhada da Saúde” será em homenagem aos voluntários que participaram do atendimento aos sobreviventes da tragédia. Na frente da casa noturna, também haverá uma salva de palmas e a bênção do frei Valdir Pretto, professor da Unifra. 

Às 18h30, o Movimento Santa Maria do Luto à Luta promoverá o “Tributo por Justiça” em Homenagem aos Anjos de Janeiro, na Praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria. Haverá um festival de bandas, com arrecadação de alimentos não perecíveis para famílias carentes.

O último evento do dia será um ato ecumênico, às 19h, na Igreja Episcopal Anglicana, na avenida Rio Branco, no centro. Antes da celebração, organizada pela AVTSM, será feito o já tradicional “minuto de barulho”, com palmas, buzinas e toques de sinos para as vítimas.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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