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Tragédia em Santa Maria

RS: roupas das vítimas da Kiss agora vão aquecer outras pessoas

Familiares doaram agasalhos na manhã de sábado, dia em que se completam seis meses da tragédia em Santa Maria

27 jul 2013 - 16h44
(atualizado às 17h06)
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<p>Marta Beuren, mãe de Silvio Junior, vítima da tragédia da Kiss, doou um dos casacos favoritos do filho</p>
Marta Beuren, mãe de Silvio Junior, vítima da tragédia da Kiss, doou um dos casacos favoritos do filho
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Jaqueline Malezan, mãe de Augusto, 18 anos, pediu licença ao filho para doar um dos melhores blusões do rapaz. Marta Beuren, mãe de Silvio Junior, 31 anos, levou à Praça Saldanha Marinho, no Centro de Santa Maria (RS), uma das blusas que ele mais gostava de usar. "Às vezes, ele até reservava um tempo para usar, para durar mais", revela Marta, que chegou a ficar um tempo parada, em frente ao armário, pensando se era isso mesmo que deveria fazer.

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As duas mães de vítimas da tragédia da boate Kiss participaram, no final da manhã deste sábado, do ato de doação de roupas dos entes queridos que se foram em função do incêndio na casa noturna, em 27 de janeiro, que causou a morte de 242 pessoas. A iniciativa, da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, abriu os eventos que lembram os seis meses da tragédia em Santa Maria. "É muito difícil. Faz seis meses que eu não abraço, não vejo, não falo com meu filho", refletiu Marta Beuren.

Elaine Marques Gonçalves doou roupas dos dois filhos que perdeu na tragédia de Santa Maria, Deivis e Gustavo, 33 e 25 anos
Elaine Marques Gonçalves doou roupas dos dois filhos que perdeu na tragédia de Santa Maria, Deivis e Gustavo, 33 e 25 anos
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

"Enquanto estamos trabalhando por justiça e combatendo a impunidade, temos esta ação social de amor ao próximo. Hoje foi o início. Nossos filhos não podem mais usar essas roupas, elas ajudarão muitas famílias necessitadas", diz o presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira. Elaine Marques Gonçalves se emocionou ao doar roupas dos dois filhos que ela perdeu na tragédia, Deivis, 33 anos, e Gustavo, 25. "Eu sei que é o que eles fariam", declarou.

Enquanto familiares doavam roupas, anônimos iam deixando alimentos não perecíveis, que também estão sendo arrecadados para ajudar familiares de vítimas que estejam passando necessidade. As roupas e a comida serão organizadas para serem entregues nos próximos dias. Um levantamento feito pela AVTSM, ainda não concluído, diz que são, pelo menos, 10 famílias de vítimas que estão precisando de donativos. A partir deste sábado, a tenda da vigília dos familiares, instalada na Praça Saldanha Marinho, é um ponto permanente de recolhimento de doações.

<p>Familiares, amigos e voluntários fizeram caminhada usando túnicas pretas numeradas, em referência às 242 vítimas da tragédia</p>
Familiares, amigos e voluntários fizeram caminhada usando túnicas pretas numeradas, em referência às 242 vítimas da tragédia
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Depois do ritual de arrecadação, cerca de 60 pessoas, entre familiares e amigos de vítimas e voluntários, vestiram túnicas pretas. Elas estavam numeradas de 1 a 242, para representar as pessoas que morreram na tragédia. O preto é um simbolismo para protestar contra os últimos acontecimentos, que livraram qualquer integrante da prefeitura a responder pelo incêndio na Kiss, a partir do inquérito civil concluído pelo Ministério Público. O grupo fez uma caminhada pelo Calçadão de Santa Maria, recebendo o apoio e o aplauso das pessoas que estavam nas lojas.

<p>Claudete Freitas e a filha Maria Eduarda receberam casaco de doação</p>
Claudete Freitas e a filha Maria Eduarda receberam casaco de doação
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A doméstica Claudete Freitas, 44 anos, foi até a Praça Saldanha Marinho com a filha mais nova, Maria Eduarda, 11. Depois de ser voluntária e participar da caminhada usando a túnica preta, ela ganhou um casaco, que irá para outra filha, Andriele, 13 anos. "Vim até a praça para dar uma força para os familiares das vítimas. E o casaco vem em boa hora, estávamos precisando", afirma Claudete.

No final da tarde, a partir das 18h, familiares e amigos de vítimas voltarão à Praça Saldanha Marinho, no Centro. De lá, às 18h45, amigos e familiares farão uma caminhada de aproximadamente 100 metros até a frente da Catedral Metropolitana, na Avenida Rio Branco. Os sinos da igreja vão badalar neste momento, o que será uma senha para que os manifestantes batam palmas, no já tradicional "minuto de barulho". Todos são convidados a participar, seja no local ou de forma individual. Na caminhada, os participantes usarão as túnicas pretas novamente.

Depois da caminhada e do "minuto de barulho", haverá uma celebração ecumênica na Catedral, em memória às vítimas.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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