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SP: tratamento grátis e tolerância atraem estrangeiros com HIV

6 abr 2012 - 09h26
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Marina Novaes
Direto de São Paulo

Em 2012, o Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT) de São Paulo atingiu a marca de 564 pacientes estrangeiros com HIV atendidos gratuitamente desde 2008, o que representa mais de 11% das pessoas portadoras do vírus em tratamento no local. De acordo com a infectologista Denise Lotufo, gerente da área de assistência integral à saúde, dois motivos justificam a vinda desses pacientes ao Brasil: a gratuidade do tratamento, garantido pelo governo federal por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e a não discriminação aos soropositivos - uma realidade em muitos países, mas cada vez menor aqui.

"Fui acolhido com amor, recebi um tratamento humano, que em muitos países ainda não existe. Acho que o sentimento de gratidão ao Brasil é de todos (os estrangeiros)", disse o chileno Luis Antonio Vilches Torres, 53 anos
"Fui acolhido com amor, recebi um tratamento humano, que em muitos países ainda não existe. Acho que o sentimento de gratidão ao Brasil é de todos (os estrangeiros)", disse o chileno Luis Antonio Vilches Torres, 53 anos
Foto: Edson Lopes Jr. / Terra

"(O tratamento gratuito a estrangeiros) É fruto de uma política de cooperação internacional adotada pelo Brasil, que faz o atendimento de pacientes e treina profissionais da área da saúde de outros países", explicou a médica, que atua na área há 20 anos. O custo anual do tratamento por pessoa é de R$ 3,2 mil, segundo o Ministério da Saúde, mas não há um balanço de quanto foi gasto no período com o atendimento a estrangeiros.

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, nos últimos quatro anos, o CRT, que coordena o Programa Estadual de DST/Aids-SP, atendeu pessoas de 36 nacionalidades, sendo que a maioria veio do Chile (81 pacientes), Argentina (55), Portugal (51), Paraguai (44) e Angola (42), embora também haja pacientes do Japão (26), dos Estados Unidos (8) e da Suíça (2), por exemplo. "A maioria não teria acesso aos medicamentos que recebem aqui em seus países, só na rede privada. E muitos pacientes, muitos mesmo, vem para fugir do preconceito e da discriminação que sofrem em seus países", disse.

É o caso do paraguaio Julio (nome fictício para preservar a identidade do paciente), professor de 38 anos que abandonou o último ano da faculdade de Medicina que cursava em Assunção e se mudou para o Brasil em 2004, em busca de tratamento médico. "Fui discriminado pelos próprios médicos e pelos meus colegas, que souberam da doença (diagnosticada em 1999) quando tive de ser internado. Não houve sigilo, sofri muito preconceito", contou. Na avaliação do professor, o ativismo dos soropositivos brasileiros e as campanhas educacionais realizadas nos últimos anos fizeram com que o Brasil ficasse "muito à frente" dos vizinhos nesse sentido.

Inicialmente, Julio fez como fazem muitos de seus conterrâneos: enfrentou cerca de 20 horas de ônibus para passar por exames e receber o chamado "coquetel" de medicamentos antirretrovirais em São Paulo. O Brasil custeia o tratamento, mas os gastos com transporte e hospedagem são arcadas pelos próprios pacientes ou, em alguns casos, pelos governos dos países de origem.

Como muitos conterrâneos também, o professor decidiu se mudar de vez para a capital paulista, onde começou vida nova - obteve um visto de permanência e hoje trabalha regularmente em uma escola. "Em média, os pacientes precisam vir três a quatro vezes por ano (ao CRT), mas alguns acabam decidindo morar aqui, porque encontram uma rede de apoio muito grande. Só em São Paulo, temos 200 serviços especializados para atender pacientes com HIV", justifica a infectologista.

Gratidão

Essa rede de apoio muitas vezes também é formada por outros pacientes de fora, como o chileno Luis Antonio Vilches Torres, 53 anos, portador do vírus desde 1992 que vive no Brasil há mais de 30 anos e que ajudou outros soropositivos quando foi voluntário do projeto Cuidador Solidário. "Acho que os estrangeiros vêm pra cá esperando muito menos do que encontram", diz.

O resultado dessa "surpresa" é uma "gratidão sem fim" - Torres, por exemplo, naturalizou-se brasileiro em 2007. "Fui acolhido com amor, recebi um tratamento 'humano', que em muitos países ainda não existe. Acho que o sentimento de gratidão ao Brasil é de todos (os estrangeiros)", relata o hoteleiro aposentado, que conta ter deixado o Chile após ter sido vítima de violência e preconceito.

Segundo Denise, o tratamento aos estrangeiros é o mesmo dado aos brasileiros, e ninguém "fura fila". "Eles não 'roubam' a vaga de ninguém. Não existe a possibilidade de alguém ficar sem tratamento, todos os pacientes passam por uma triagem e começam a ser atendidos em seguida", esclarece a médica. Atualmente, o centro oferece tratamento a cerca de 5 mil pessoas, sendo mais da metade com antirretroviral.

Além disso, o Brasil exige um compromisso por parte dos países beneficiados, que devem adotar medidas de atendimento aos seus pacientes ou oferecer, em troca, experiência e medicamentos para outras doenças. "São pessoas que precisam muito. Vai ter quem diga que é caro, mas vale a pena, porque são muitas vidas salvas", conclui a médica.

De acordo com o Ministério da Saúde, entre 1980 e 2011 o Brasil registrou 608 mil casos de aids (quando a doença já se manifestou).

Fonte: Terra
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