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SP: Marcha da Família reúne menos de 1% da marcha de 1964

Evento reuniu cerca de 1 mil pessoas, contra 500 mil em 1964, segundo as estimativas da época; "lixo" foi o xingamento preferido para expulsões durante o ato, que terminou com um ferido e 4 detidos

22 mar 2014 - 21h07
(atualizado em 23/3/2014 às 00h02)
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<p>Manifestantes com roupas vermelhas  cor da bandeira petista e também da comunista, alvo da marcha de 1964  foram hostilizados pelos manifestantes</p>
Manifestantes com roupas vermelhas cor da bandeira petista e também da comunista, alvo da marcha de 1964 foram hostilizados pelos manifestantes
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

A Marcha da Família com Deus realizada neste sábado, em São Paulo, não reuniu nem 1% das 500 mil pessoas que, segundo estimativas da época, participaram da mesma marcha há 50 anos na praça da Sé, coração da capital paulista. Com ações de segregação, atitude anti-PT e grupos de extrema direita, a manifestação contabilizou em seu ápice, de acordo com a Polícia Militar, “não mais” que 1 mil pessoas. "Infiltrados", críticos da iniciativa também participaram do evento.

A quantidade de policiais militares destacados para dar segurança ao evento também surpreendeu nas comparações com outros protestos: foram cerca de 150 homens, contra 2,3 mil PMs que, dias 22 de fevereiro e 13 de março, acompanharam atos contra a Copa do Mundo, na cidade, e que reuniram, cada um, aproximadamente 1,5 mil pessoas.

Lula, comunistas e Cuba são alvo

Entre jovens e adultos, a marcha de hoje deixou latente que teria dois alvos principais: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o partido que ele ajudou a fundar com a abertura política dos anos 80, o PT. Manifestantes com roupas vermelhas – cor da bandeira petista e também da comunista, alvo da marcha de 1964 – foram hostilizados pelos manifestantes já na praça da República, onde começou a concentração com carro de som, cartazes contra o PT, contra a corrupção e contra comunistas.

Antes de partir, ainda na praça da República, os cerca de 400 manifestantes inicialmente reunidos conseguiram expulsar do ato supostos “petistas” e “comunistas” que, além de palavrões, ouviram também pedidos para que fossem “para Cuba”. Um fotógrafo freelancer ficou ferido na testa ao receber um tapa na câmera que posicionava na altura dos olhos. Um aposentado de calça e tênis vermelhos foi enxotado aos gritos de “fora petista” e “fora comunista”.

Entre os manifestantes, havia críticos das comissões da verdade - que tentam esclarecer episódios como mortes, torturas e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura - e apoiadores do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ulstra - processado por ocultação de cadáver durante o regime, mas beneficiado, em janeiro deste ano, pela prescrição do crime na Justiça Federal.

Entre os manifestantes, o engenheiro Oto Colomina, 52 anos, criticou: “A classe política tomou o País para si. Queremos expressar nosso inconformismo com essa situação; chega”. Amigo do aposentado expulso, segundo ele, “por engano, porque ele nem é petista”, Colomina amenizou o incidente ao classificá-lo como “algo que acontece, faz parte” e se disse favorável à intervenção militar no País, “caso necessário”.

"Infiltrados" rechaçam marcha

De camiseta vermelha e em um grupo de alunos da Universidade de São Paulo (USP), o estudante de Ciências Sociais Rafael Monteiro, 22 anos, disse que foi ao ato por “curiosidade antropológica”. “Queria ver para crer que isso de fato seria realizado e, infelizmente, não estou surpreso. Mas estou feliz que não tenha vindo muita gente”, disse.

“Uma marcha dessas é vergonhosa, diante de tantas pessoas que a ditadura matou, e ridícula, diante de tudo que as comissões da verdade têm revelado Brasil afora”, definiu o estudante de jornalismo Leonardo Sá, 22 anos. “Acredito que as pessoas são movidas por um sentimento nostálgico ao acreditarem que o militarismo possa ser algo viável, mas, ao fazerem isso, elas cultuam o Estado como algo acima dos indivíduos e das liberdades individuais que conquistamos”, constatou o estudante de Física Anderson Pimenta Damian, 29 anos.

Metaleiros são confundidos com black blocs

Além dos gritos de guerra, o caminho entre a praça da Sé e a praça da República também foi marcado por ao menos dez toques do Hino Nacional, distribuição de terços e retaliações a atitudes encaradas como provocações à marcha. Em uma delas, na rua Xavier de Toledo, jovens com uma faixa preta onde se lia “Esta frase está escrita ao contrário”, com as letras invertidas, de trás para a frente, foram chamados de “alemães nazistas” e expulsos.

<p>Manifestantes também se irritaram com dois rapazes vestidos como mulheres e com cartazes com as mensagens Marchinha quase da família e Marcha praticamente da família </p>
Manifestantes também se irritaram com dois rapazes vestidos como mulheres e com cartazes com as mensagens Marchinha quase da família e Marcha praticamente da família
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Na mesma rua, um grupo de rapazes que tentava chegar à estação de metrô Anhangabaú, com camisetas pretas estampadas com imagens de bandas de metal -- a banda Metallica faria show no Morumbi (zona sul), horas depois -- foram confundidos com black blocs, chamados de “lixo” e quase apanharam.

Na rua Líbero Badaró, pouco depois de passarem pela sede da Secretaria de Segurança Pública do Estado, manifestantes se irritaram com dois rapazes vestidos como mulheres portando cartazes com as mensagens “Marchinha quase da família” e “Marcha praticamente da família”. A dupla também foi expulsa, empurrada e tieve o material destruído. “Lixo” novamente foi o xingamento preferido durante a retaliação dos "marcheiros".

“Essa era mesmo a reação que a gente esperava: nazista, homofóbica, reaça”, criticou um dos jovens, que não quis se identificar. Enquanto falava com os repórteres, ele ouviu um manifestante xingá-lo e pedir: “Vai para Cuba, seu filho da p*”. “Me manda a passagem!”, devolveu.

Aplausos à PM e jovens detidos na praça da Sé

Ao chegar à praça da Sé, a organização da marcha, no carro de som, pediu uma salva de palmas aos policiais militares, chamados de “nossos heróis”. Pouco depois, um grupo de ao menos dez jovens carecas iniciou uma perseguição a duas mulheres que teriam tentado pichar faixas da marcha.

Uma delas e outro jovem, suspeito de agressão - mas não do grupo que iniciara a correria -, foram cercados pela PM dentro de uma farmácia em frente à praça. Nas imediações, outros dois rapazes que teriam se envolvido em agressões (uma delas, a um policial) também foram detidos. Eles foram encaminhados ao 8º DP (Mooca).

“A gente queria era fazer um contraponto e mostrar um lado mais reacionário, e fazer essa pressão para se ter uma terceira via. Votei no Lula e sou contra ditadura militar, não sou louco, mas não quero ver meu país se transformar em uma Venezuela”, declarou um químico de 48 anos que não quis se identificar. “E esse Bolsa Família? E esse Mais Médicos, que destina dinheiro para Cuba?”, questionou.

O ato se encerrou por volta das 18h30, logo após os detidos serem levados pela PM.

Fonte: Terra
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