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SP: abordagem da PM e da GCM a moradora de rua causa revolta

Mulher foi retirada à força de calçada onde dormia, na região central, e perdeu carrinho de coleta de recicláveis, roupas e cobertores

18 mai 2015 - 14h50
(atualizado às 19h40)
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A abordagem a uma moradora de rua na região central de São Paulo revoltou alunos e funcionários de uma faculdade particular por conta do efetivo de segurança e do tipo de ação empregados. A situação aconteceu nessa sexta-feira e envolveu três policiais militares e três guardas civis metropolitanos (GCMs) para a remoção de uma mulher que dormia em uma calçada da Rua General Jardim, na Vila Buarque, junto ao carrinho de coleta de materiais reciclados.

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A ação foi toda filmada por testemunhas, que disponibilizaram as imagens ao Terra. Nela, os GCMs e os PMs retiram a moradora da calçada, em frente à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e levam o carrinho, os pertences dela – roupas e um cobertor, basicamente – e um cachorro que estava com a mulher. Como a sem-teto resistiu à abordagem, a retirada foi feita à revelia.

Vídeo mostra abordagem de PMs e GCMs a moradora de rua em SP:

“A mulher estava dormindo, e, quando acordou, os PMs e os guardas estavam retirando as coisas dela sem terem ao menos falado com ela antes. Quando ela viu, ficou alterada, porque levavam colchões, roupas, edredons e a carrocinha, que é o jeito de ela ganhar o sustento. Nisso, juntaram pessoas em volta tentando evitar”, relatou a estudante de Sociologia e Política da faculdade Mariana de Castilho, de 18 anos. Junto com funcionários da instituição e outros alunos, ela testemunhou a abordagem. “Houve um abuso de poder – será que era necessário ter três PMs e três GCMs para abordar uma mulher indefesa, magra? Um policial ainda me mostrou o spray de pimenta, mas eu fui puxada antes por um amigo que me protegeu. Isso é um absurdo”, classificou a jovem.

Funcionários da faculdade relataram à reportagem que um do PMs, durante a abordagem, alegara ter recebido pedido da própria instituição para remoção da moradora de rua da calçada. “Isso não aconteceu”, disse um deles, autor do vídeo, sob anonimato.

A mulher abordada pela PM e pela GCM conseguiu reaver a cachorra de estimação,mas perdeu carrinho de coleta de recicláveis, além de roupas e cobertores
A mulher abordada pela PM e pela GCM conseguiu reaver a cachorra de estimação,mas perdeu carrinho de coleta de recicláveis, além de roupas e cobertores
Foto: Janaina Garcia / Terra

"A vida na rua é horrível", diz mulher abordada

Alegando receio de retaliações, a moradora pediu para não ser identificada nem pelo nome, nem nas imagens. Ela contou estar nas ruas há cerca de seis anos, quando passou a acompanhar o marido, usuário de crack, por receio do que pudesse acontecer com ele. Antes, ela vivia com perto da família em São Mateus, extremo leste de São Paulo, em uma casa alugada. Indagada se também é usuária de drogas, ela negou, de pronto: “Não, não tenho vício nenhum, só meu marido, e desde os 13 anos [hoje, ele tem 42]. Se eu tivesse, nem conseguiria trabalhar – ele, mesmo, mal consegue, e eu cato papelão na rua para vender. Agora, preciso que devolvam meu carrinho – além de ser minha fonte de sustento, ele é emprestado. Como vou dizer para quem emprestou que levaram embora?”, indagou.

A moradora reclamou da abordagem – “estou cansada de pegarem nossas coisas e levarem embora” –, mas, por outro lado, afirmou que os riscos na rua vão além desse tipo de ação. Riscos que, por sinal, já custaram a tomada da guarda de um filho menor de idade entregue pelo Conselho Tutelar à família dela.

"Será que era necessário ter três PMs e três GCMs para abordar uma mulher indefesa, magra?", indaga a estudante Mariana, de 18 anos
"Será que era necessário ter três PMs e três GCMs para abordar uma mulher indefesa, magra?", indaga a estudante Mariana, de 18 anos
Foto: Janaina Garcia / Terra

“A vida na rua é horrível, a gente corre perigo o tempo todo – não só de levarem as coisas, mas de briga, de vizinho que pede para a gente ser retirado das calçadas, de pessoas que ameaçam tacar foto na gente. A PM não tinha que se envolver por estarmos com carrinho aqui, mas ela precisa mostrar serviço para as pessoas que são egoístas e reclamam da gente. Só que muitas vezes são pessoas que financiam a venda de drogas  pelo bairro, ou que sequer reclamam dos ratos que saem aqui da praça [localizada na calçada oposta à da abordagem]. Isso não muda com a minha retirada”, desabafou.

Indagada se já procurou ajuda dos serviços de acolhimento do Município – por exemplo, a rede de abrigos para pernoite –, a mulher rechaçou a hipótese: “Queria mesmo é um casa para poder ter meu filho de volta, mas não vou bater na porta deles de novo. Vou me levantar sozinha.” 

Procurada, a assessoria de imprensa da PM negou truculência ou uso indevido de força durante a abordagem – durante a qual testemunhas reclamaram do fato de os PMs estarem sem identificação no uniforme de inverno. “Os policiais estavam com jaquetas de frio por sobre a camisa e o colete, que contem a identificação, mas não se recusaram a se identificar em nenhum momento. Não há ilegalidade ou irregularidade. Na citada ocorrência eles atuaram em apoio a uma ação da prefeitura, pois pessoas tentavam impedir a apreensão”, informou a PM, em nota, salientando ainda que a conduta dos policiais foi “sóbria e dentro da lei”. “Houve certa resistência em cumprir a determinação legal, havendo a necessidade de intervenção policial, mas sem abusos ou excessos.”

Já a Prefeitura de São Paulo informou, na noite desta segunda, que "a Guarda Civil Metropolitana irá verificar a conduta de seus agentes neste episódio e reforçar as diretrizes de tratamento digno de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social. A carroça apreendida poderá ser retirada pela dona na Subprefeitura da Sé."

Censo das ruas

No último dia 8, a Prefeitura de São Paulo divulgou os números do Censo 2015 da População em Situação de Rua. Pelo levantamento, a cidade tem 15.905 pessoas que vivem nessa condição, das quais 8.570 são atendidas pelos serviços de acolhimento do governo municipal. Além disso, há predominância de homens (82%).

O censo é feito a cada três anos, conforme a legislação municipal. O último levantamento, de 2011, apontava que 14.478 pessoas viviam nas ruas da capital.

Fonte: Terra
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