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Cidades

Rio: sequência de intervenções ganha força como causa da tragédia

28 jan 2012 - 09h26
(atualizado em 2/2/2012 às 13h21)
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André Naddeo
Direto do Rio de Janeiro

Repare bem na imagem acima. Neste registro feito há três anos, não é preciso ser um engenheiro civil para se constatar o óbvio: as janelas do prédio estão assimétricas. Entre aberturas pequenas para ventilação, medianas para a colocação de aparelhos de ar condicionado, e as maiores, claramente transformadas em janelas para se aproveitar diretamente a vista para a Cinelândia, são, ao todo, 22 intervenções (visíveis na foto). As dezenas de paredes quebradas compõem a lateral do edifício Liberdade, que na concepção original deveria ser lisa.

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Toda essa estrutura veio abaixo, na rua Treze de Maio, na Cinelândia, coração do centro do Rio de Janeiro, empurrando ao colapso uma outra edificação de dez andares, além de um anexo menor, com quatro pavimentos, na noite da última quarta-feira - deixando dezenas de feridos, mortos e desaparecidos.

"Já era prática dos inquilinos abrirem janelas. O décimo andar tinha, o décimo quarto também, o síndico tinha um janela na sala dele. É uma irregularidade estética", afirmou o empresário Sérgio Alves, um dos sócios da T.O (Tecnologia Organizacional), tida nesta semana como possível vilã do desmoronamento que levantou uma enorme nuvem de poeira sobre a região central. Ocupando seis pavimentos do Liberdade, a empresa possuía obras no terceiro e nono andares.

"Era um prédio de mais de 70 anos de idade, precisava de reformas", alega o síndico Paulo Renha, que de acordo com a T.O, concordou com o início das intervenções sem o laudo comprovatório de projeto feito por um engenheiro civil - que por sua vez, de acordo com o que a lei municipal manda, referendado pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura, Agrônomia (CREA-RJ) - fica como o responsável pela obra e todas as suas possíveis atribuições penais.

Duas declarações que denotam, após uma semana de intensa análise, que as reestruturações em dois andares do edifício podem ser apenas o "estopim" de uma situação muito mais grave: a falta de uma fiscalização eficiente fez com que um excesso de intervenções no edifício motivasse um colapso estrutural que levou toneladas de concreto ao chão.

"Será que essa intervenção foi a ponto de se derrubar um prédio inteiro? Não houve movimento pendular, ele não foi para frente, nada, foi um empilhamento", questiona Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, cuja tese foi sempre a tônica da conversa com os arquitetos, historiadores e engenheiros ouvidos pelo Terra para tentar entender as circunstâncias da tragédia.

"A gente só derrubou paredes de tijolos, nas paredes de concreto a gente não mexeu. Estávamos contratados para um trabalho de decoração apenas", explica o pedreiro que se salvou dentro do elevador Alexandro da Silva Fonseca, sobre as obras que tiveram início em novembro do ano passado, no terceiro andar, e há apenas oito dias antes do desmoronamento no nono pavimento.

A Prefeitura do Rio de Janeiro emitiu comunicado afirmando que não é de sua competência obras de modificação interna, sem acréscimo de área, que não impliquem em alterações em partes comuns do edifício, ressaltando que os quesitos de segurança são de responsabilidade do engenheiro que assina o projeto. Mas por que, então, não existe um controle a fim de que se execute um plano de monitoramento das reformas?

Episódios como a explosão de gás de um restaurante na Praça Tiradentes, também no centro, servem de exemplo: é preciso sempre acontecer o pior para se provar que as medidas de remediação das autoridades públicas estão sempre a frente da prevenção. "Você teve ali um claro problema de várias construções irregulares que foram se acumulando. Obras, obras e mais obras, e assim vai se enfraquecendo a estrutura. A tendência dele foi mesmo cair", opina Chico Veríssimo, arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do UFRJ, e um dos autores do livro Arquitetura no Brasil - de Cabral a D. João VI.

"Quem abre uma janela certamente faz outras coisas. Como os andares da T.O, outros podem ter tido obras também. Ou seja, essas modificações podem ter sido apenas a gota d´água de um histórico enorme de intervenções. O problema é que não há como provar nada disso mais, uma vez que tudo se reduziu a escombros", complementa Luiz Antônio Cosenza, presidente do Conselho de Análises e Prevenção de Acidentes do CREA-RJ.

Lençóis freáticos

Coberto de poeira, o Theatro Municipal, com mais de cem anos de vida, se salvou intacto do desabamento, mas nem por isso deixa de ter importância histórica para a narrativa dos fatos. Como explica seu livro biográfico, datado de 1913, disponível na Biblioteca Nacional, em frente ao local dos acontecimentos trágicos.

"Tendo em vista a desigualdade de resistência do terreno e a existência de um lençol freático subterrâneo, foi adaptado o sistema de estacas para as fundações, foram fincados ao todo 6.770 m em 1.180 estacas, cujos comprimentos variavam de 4 a 10 m", atesta do documento histórico.

"A construções dos porões sob o palco cênico e sobre o vestíbulo de entrada apresentaram grandes dificuldades devido ao lençol d'água subterrâneo", complementa. "Todo esse solo onde estamos era no século 16 e 17, uma grande lagoa cheia de jacarés. O solo aqui tem muita água, inclusive, quando o Theatro Municipal foi construído, há 105 anos, teve que ter a estrutura reforçada", recorda o historiador Milton Teixeira.

De acordo com os especialistas, e com os relatos bibliográficos, os profissionais da época já eram cientes das dificuldades do terreno, de forma que já tomaram as decidas precauções na fase de fundação - referendando, por fim, a tese de que uma sucessão de fatores internos de intervenção torna-se uma das possibilidades mais prováveis.

Os desabamentos

Três prédios desabaram no centro do Rio de Janeiro por volta das 20h30min de 25 de janeiro. Um deles tinha 20 andares e ficava situado na avenida Treze de Maio; outro tinha 10 andares e ficava na rua Manuel de Carvalho; e o terceiro, também na Manuel de Carvalho, era uma construção de quatro andares. Cerca de 80 bombeiros e agentes da Defesa Civil trabalham desde a noite da tragédia na busca de vítimas em meio aos escombros. Estão sendo usados retroescavadeiras e caminhões para retirar os entulhos.

Segundo o engenheiro civil Antônio Eulálio, do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), havia obras irregulares no edifício de 20 andares. O especialista afirmou que o prédio teria caído de cima para abaixo e acabou levando os outros dois ao lado. De acordo com ele, todas as possibilidades para a tragédia apontam para problemas estruturais nesse prédio. Ele descartou totalmente que uma explosão por vazamento de gás tenha causado o desabamento.

Com o acidente, a prefeitura do Rio de Janeiro interditou várias ruas da região. O governo do Estado decretou luto. No metrô, as estações Cinelândia, Carioca, Uruguaiana e Presidente Vargas foram interditadas na noite dos desabamentos, mas foram liberadas após inspeção e funcionam normalmente.

Veja a localização do desabamento:

Fonte: Terra
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