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Ré em processo, ativista de 81 anos luta pelo parque Augusta

Dona Ana ganhou fama como a ativista de mais idade do grupo que defende a criação do parque na região central de São Paulo

5 mar 2015 - 07h20
(atualizado às 08h17)
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Ana Maraschin, a dona Ana, de 81 anos, acompanha os protestos pelo Parque Augusta desde a primeira ocupação e, na quarta-feira 4 caminhou, com os manifestantes, até a prefeitura para tentar ouvir Fernando Haddad (PT-SP)
Ana Maraschin, a dona Ana, de 81 anos, acompanha os protestos pelo Parque Augusta desde a primeira ocupação e, na quarta-feira 4 caminhou, com os manifestantes, até a prefeitura para tentar ouvir Fernando Haddad (PT-SP)
Foto: Elisa Feres / Terra

Na manhã de quarta-feira (4), quando a polícia entrou no parque Augusta, na região da Consolação, em São Paulo, para realizar a reintegração de posse da área e expulsar os ativistas que a ocupavam, uma senhora idosa de cabelos grisalhos que estava na esquina contrária começou a observar tudo atentamente. Assim que os jovens deixaram o local e iniciaram caminhada em direção à Prefeitura para protestar, ela entrou no meio da multidão. Por ser ré em processo aberto contra os manifestantes do movimento, Ana Dulce Pitan Maraschin, de 81 anos, foi aconselhada a não participar da resistência – mas não aguentou ficar de fora.  

“Minha história é a seguinte. Quando o prefeito (Fernando Haddad, do PT) fez a lei que criou o parque, o proprietário do terreno fechou os portões. A prefeitura não fez nada, disse que não tinha dinheiro para comprá-lo, e nós começamos a fazer reuniões por lá. Um dia, os meninos (integrantes do movimento) conseguiram abrir os portões e entraram. Eu cheguei depois e entrei também. Aí a polícia apareceu e disse que, se ninguém apresentasse um documento, todos iriam presos. Pensei: ‘sou a de mais idade aqui, vou mostrar o meu’. Por isso, consto no processo como ré. Recebi a recomendação de não ir à 'Desintegração' (de Posse, nome dado pelo movimento à resistência à reintegração), então esperei do lado de fora e entrei no meio quando eles saíram”, contou, bem humorada, ao Terra.

O terreno em disputa tem quase 25 mil metros quadrados e fica entre as ruas Marquês de Paranaguá e Caio Prado. Ele pertence às construtoras Setin e Cyrela, que têm projeto de construir prédios comerciais e residenciais em 40% dele. Os ativistas, porém, querem a manutenção do parque em toda a área.

Manifestantes protestam em terreno no centro de São Paulo pela criação do Parque Augusta
Manifestantes protestam em terreno no centro de São Paulo pela criação do Parque Augusta
Foto: Janaína Garcia / Terra

Dona Ana mora na região da Consolação e frequenta o espaço praticamente todos os dias, mas não é natural de São Paulo. Gaúcha de Bagé, na fronteira com o Uruguai, ela veio para capital na década de 1960 com a família. Desde então, tem observado, como ela mesma diz, a situação daqui ficar cada vez mais catastrófica.  

“As autoridades têm que acordar e ver o que está acontecendo com São Paulo. As áreas verdes estão sendo todas destruídas. A especulação imobiliária está tomando conta até mesmo dos nossos parques e derrubando nossas árvores. Isso é terrível. É catastrófico. O parque Augusta é a única área verde possível naquela região, tem que ser preservado”, afirmou. “Sou defensora da natureza sem limites. O que eu puder fazer para protegê-la, eu faço. Não podemos perder a esperança nunca. Isso tem que dar certo. Vamos teimar até dar certo”, completou.

Sempre sorridente e disposta a jogar conversa fora, Dona Ana é tratada pelos outros ativistas - em sua maioria com idades entre 20 anos a 30 anos - como uma avó bastante querida. Viúva, diz ter adotado a “molecada” como seus amigos. Para ela, os jovens ali presentes não têm nada de “vândalos”, “vagabundos” ou qualquer outra característica pejorativa que costumam receber. Pelo contrário.

“Eles são formidáveis. Antes de eu entrar no movimento, pensava que os jovens de hoje não estavam ligando para nada. Agora vejo que eles têm uma consciência muito grande. Melhor seria se mais jovens por aí fossem como esses”, disse, orgulhosa.

Ela conversou com a reportagem por volta das 11h, enquanto os participantes do protesto realizavam assembleia em frente à prefeitura para decidir qual caminho seguir. O trajeto já havia sido longo, mas ela demonstrava disposição. O único receio veio quando policiais militares se organizaram em linha em frente a todos.

“Tudo até agora foi tranquilo, acho que vai continuar sendo. Mas se começarem a soltar bomba eu corro, não sou tão corajosa assim”, brincou. Em seguida, como toda boa avó, finalizou com um conselho. “Quanto a andar essas distâncias todas, eu não ligo. Caminhar é bom. Quando tiver a minha idade, ande bastante que faz bem”. 

"Parque é terapia para todos os problemas”

Ainda em frente ao prédio da prefeitura, durante a manifestação, Fábio, morador de rua, pegou o megafone das mãos dos organizadores para compartilhar sua experiência e, em poucos segundos, emocionou a todos. Antigo frequentador da cracolândia, ele relatou como conseguiu largar o vício assim que começou a viver no local. Para ele, as árvores serviram “como imã” e não o deixaram voltar aos pontos de drogas. 

<p>Fábio ao lado de Chimarrão, cão com quem vive no parque Augusta; ele diz ter conseguido abandonar a droga e a cracolândia depois que passou morar na área</p>
Fábio ao lado de Chimarrão, cão com quem vive no parque Augusta; ele diz ter conseguido abandonar a droga e a cracolândia depois que passou morar na área
Foto: Elisa Feres / Terra

“Há 29 dias, eu usava crack, bebia o dia inteiro, cheirava ‘farinha’. Estava maltratado. Por acaso, um dia, um amigo de rua falou: ‘vamos lá no parque tomar banho’. Existe um chuveiro na casinha do parque, eu não sabia. Fui e não consegui sair mais. Não consegui ir embora. Estou há 29 dias limpo de tudo”, contou, após o discurso, à reportagem. “Não sei como isso aconteceu. Mas aquele parque... não podemos perder. Ele é uma terapia para todos os tipos de problema, entende? Quando você está com qualquer problema, vai lá e relaxa. Por isso, essa luta não pode terminar”, completou. 

Ele, que é engenheiro eletrônico formado e costumava trabalhar com conserto de aparelhos e instalação de softwares, saiu da casa da família há alguns anos por desavenças com um padrasto. Quando chegou às ruas, passou por diversas dificuldades. A ajuda veio dos ativistas. 

“Lá é um por todos e todos por um. Quando preciso de alguma coisa, eles ajudam. Já precisei comer e me deram comida. Já precisei me vestir e me deram roupa. É união. Aquilo virou minha casa. Eu tenho netos, sabia? E quero que um dia eles andem com os filhos deles por lá”, afirmou. 

Fonte: Terra
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