PUBLICIDADE

Polícia indicia 19 pessoas por queda de viaduto em BH

Desabamento da estrutura matou duas pessoas e deixou outras 23 feridas em 3 de julho

5 mai 2015 - 21h31
Compartilhar
Exibir comentários
Imagens de fotógrafos e cinegrafistas mostram o colapso total da obra em uma área com baixa movimentação
Imagens de fotógrafos e cinegrafistas mostram o colapso total da obra em uma área com baixa movimentação
Foto: Victor R. Caivano / AP

A Polícia Civil em Minas Gerais encaminhou à Justiça, na tarde desta terça-feira, o processo que investigou as causas da queda da alça sul do viaduto Batalha dos Guararapes, no dia 3 de julho do ano passado.  Duas pessoas morreram e outras 23 ficaram feridas depois que a estrutura de concreto e aço desabou sobre os veículos que passavam pela avenida Pedro I.

O delegado Hugo e Silva indiciou por homicídio com dolo eventual, tentativa de homicídio com dolo eventual e crime de desabamento 19 pessoas, entre funcionários e engenheiros das construtoras Consol e Cowan, além de engenheiros, arquitetos e diretores da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), órgão da Prefeitura de Belo Horizonte.

Siga o Terra Notícias no Twitter

Silva explicou que em depoimento, a arquiteta e diretora de projetos da Sudecap, Maria Cristina Novais Araújo, relatou que trocou e-mails com diretores e coordenadores técnicos do órgão nos quais tratou a situação como “caos”, devido aos erros graves nos projetos: “Ela propôs a revisão da cartilha de supervisão de obras. Em um destes e-mails, datado de 16 fevereiro de 2013, enviado ao José Lauro Nogueira Terror, superintendente da Sudecap (à época), com cópia para os diretores Claudio Neto e Beatriz Ribeiro, alertou problemas que vão desde pequenos erros, falta de compatibilização e até mesmo inexistência do próprio projeto. A  Maria Cristina chegou a propor a criação de uma comissão de engenheiros da Sudecap para revisar projetos, rever pranchas por pranchas,” explicou.

“Desde 2012 as construtoras e a Sudecap vinham sendo alertadas dos erros graves no projeto. Nenhuma medida foi tomada, todas as providências alertadas pela diretora de projetos foram abortadas. Tinham conhecimento de que havia erros graves nos projetos e se omitiram, não se importaram, razão pela qual assumiram os riscos de produzir o resultado. Era previsível que o erro do projeto ocasionaria a queda do viaduto e consequentemente as mortes. Todos os indiciados se omitiram quanto às existências dos graves problemas referentes aos projetos executivos dos quais tinham conhecimento prévio,” explicou.

Perícia é realizada no viaduto que caiu em Belo Horizonte
Perícia é realizada no viaduto que caiu em Belo Horizonte
Foto: Ney Rubens / Especial para Terra

O perito e diretor do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais, Marco Paiva, disse que a perícia constatou como causa da queda  um erro de cálculo no bloco de fundação do pilar central do viaduto: “Houve uma sucessão de erros numéricos no projeto. Foi utilizado menos aço do que o necessário e essa quantidade inferior de aço fez com que o pilar não suportasse o peso do viaduto. Um erro que seria facilmente perceptível numa análise de cálculo,” afirmou.  “Não houve erro de execução do projeto, o projeto foi executado como deveria ser executado, mas como o projeto estava errado,” lamentou.

Mesmo tendo alertado dos problemas no projeto, a diretora da Sudecap Maria Cristina Araújo Novais foi uma das 19 pessoas indiciadas: “Em abril de 2013 ela e as engenheiras e arquitetas da Sudecap Maria Geralda de Castro Bahia, Janaina Gomes Falleiros e Acácia Fagundes Oliveira Albrecht assinaram e certificaram o projeto do pilar 3 do viaduto,” alegou.

A Polícia Civil apurou ainda que o projeto foi alterado por um engenheiro da Cowan,o que somente poderia ser feito por um projetista. “Mauro Lúcio Ribeiro da Silva, engenheiro civil da diretoria de obras da Sudecap, autorizou que fossem feitas alterações por engenheiros da obra e não do projetista,” informou o delegado.

O secretário da Sudecap na época era José Lauro Nogueira Terror. Ele alegou em depoimento que não tinha conhecimento dos erros graves, apesar dos e-mails utilizados como prova mostrarem o contrário, “inclusive era  que quem presidia as reuniões que discutiam esses erros no projeto,” disse o delegado.

Uma tragédia anunciada

Além dos constantes alertas feitos pela diretora da Sudecap às construtoras e aos diretores do órgão vinculado à Prefeitura de Belo Horizonte, a Polícia Civil apurou que houve uma sucessão de erros e omissão por parte dos engenheiros que estavam presentes no dia do desabamento.

Viaduto que caiu e deixou dois mortos é implodido em BH:

A começar pela retirada das escoras, que era supervisionada por um engenheiro agrônomo e não civil, como determina a lei. Daniel Rodrigo do Prado era o responsável por assinar o diário de obra e quem permitiu que a retirada da estrutura que escorava o viaduto fosse feita com um caminhão, e não manual, como é de praxe em situações similiares: “Ao invés de cinco estocadas nas borboletas eles usavam um caminhão do tipo munck. Os operários já alertavam da dificuldade da retirada das escoras desde às 13h, na volta do almoço, e já sabiam que ali havia algo errado. Alguns se recusaram a ficar ali e comunicaram aos encarregados e ao engenheiro da Cowan, Osanir Vasconcelos Chaves, que foi omisso, não agiu,” relatou o delegado Hugo e Silva.

“Trinta minutos antes o engenheiro chefe (Osanir Vasconcelos Chaves) foi alertado do que estava acontecendo e as regras são claras, deveria se parar, cuidar da segurança, avisar ao projetista que fez o projeto estrutural e medidas deveriam ser tomadas. Ele não deu importância, assumiu o risco, pelo contrário, todas as pessoas ouvidas foram firmes ao dizer que ele mandou tocar a obra.  Logo em seguida veio a queda com a morte da Hannah e do Charles e os 23 feridos,” lamentou.

Crime

Poucas horas depois do desabamento, o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), falou em entrevista coletiva que o desabamento foi um acidente e que “acidentes infelizmente acontecem”. Para a Polícia Civil não há dúvidas de que o que aconteceu “foi um crime”, como classificou o delegado Hugo e Silva.

Silva revelou que apesar de a investigação não ter “encontrado indícios” de que Lacerda sabia dos erros que culminaram na queda do viaduto, vai encaminhar à Promotoria do Patrimônio Público pedido para que haja uma apuração acerca da responsabilidade do poder executivo municipal no episódio.

Os 19 indiciados vão responder por dois homicídios com dolo eventual, com pena que varia de 6 a 30 anos;  por 23 tentativas de homicídio por dolo eventual; e pelo crime de desabamento  porque todas as pessoas que ali passaram corriam perigo, com pena de 1 a 4 anos.

Viaduto em construção desaba em BH, dois morreram:

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informa que emitirá pronunciamento oficial sobre o assunto assim que tomar conhecimento do inteiro teor do relatório apresentado pelo Delegado da Polícia Civil. Informa ainda que agirá com firmeza e cobrará punição dos responsáveis e ressarcimento dos prejuízos causados pelos mesmos. Para tanto, aguardará o pronunciamento do Ministério Público e a decisão da Justiça.

A empresa Consol, que fez o projeto da obra, informou por meio de nota assinada pelo diretor Maurício de Lana, um dos indiciados pela Polícia Civil, que as análises após o acidente constataram que “ocorreram grandes mudanças no projeto e ocorreram problemas executivos graves,” afirmou. Lana reafirmou que “o projeto elaborado pela CONSOL não foi causa do acidente”, concluiu.

Já a Cowan informou que ainda não teve acesso ao relatório da Polícia Civil , mas “destaca que tem total confiança em seus empregados, incluindo àqueles mencionados no relatório do delegado, eis que tem convicção da inocência de cada um deles e total isenção na causa da queda do viaduto.”

A construtora disse ainda que “a perícia do Instituto de Criminalística, peça técnica do relatório, afirma, de forma categórica, que o viaduto caiu por erro de cálculo do projeto do bloco do Pilar P3, elaborado pela CONSOL e seus profissionais, conforme demonstrou a Cowan, através de perito contratado, após a queda do viaduto. Além disso o próprio Diretor do Instituto de Criminalística afirmou que a Cowan executou "rigorosamente como previsto" o projeto da CONSOL.  A justificativa utilizada pelo delegado para indiciar engenheiros e empregados responsáveis pela execução da obra, de que estes sabiam dos erros de cálculo do projeto, é totalmente improcedente, inexistindo qualquer indicio ou prova nos autos neste sentido, o que foi detalhadamente esclarecido durante as oitivas, que seguiram de forma clara e sempre coerente,” diz a nota.

A Cowan afirmou ainda que “em 57 anos de história sempre teve compromisso com a verdade, ética e qualidade de suas obras e declara que jamais executaria obra de engenharia que pudesse colocar em risco a vida da população e de seus próprios empregados se soubesse que havia erros no cálculo do projeto que pudessem levar o viaduto ao colapso."

Fonte: Especial para Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade