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Menino que mora em barraca em SP diz que sonha com adoção

Ele tem 15 anos e fugiu da casa da mãe, no Rio de Janeiro, para viver na calçada de um prédio em Higienópolis; apesar da solidariedade da maioria, o garoto foi alvo de um ataque com creolina

7 nov 2014 - 15h45
(atualizado às 19h50)
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<p>G., 15 anos, vive em uma barraca ao lado do shopping Higienópolis e é ajudado por moradores da região. Ontem ele ganhou o boneco Buzz Lightyear para sua coleção do Toy Story</p>
G., 15 anos, vive em uma barraca ao lado do shopping Higienópolis e é ajudado por moradores da região. Ontem ele ganhou o boneco Buzz Lightyear para sua coleção do Toy Story
Foto: Débora Melo / Terra

Desde que voltou para a calçada da rua Doutor Veiga Filho, em Higienópolis, bairro nobre na zona oeste de São Paulo, o menino G., 15 anos, tem dividido seu tempo entre a coleção de brinquedos e o assédio de curiosos. Embora a maioria esteja disposta a ajudar, o garoto foi vítima de um ataque na última quarta-feira, quando teve sua barraca encharcada com creolina.

“Você almoçou hoje?”, pergunta a dona de casa Ana Cristina Campos, 47 anos, moradora de um edifício próximo. Ele responde que sim, e emenda um pedido: “Leva esse aqui para lavar hoje”, diz, entregando a Ana Cristina um boneco Woody, personagem de Toy Story, já bastante sujo. “Eu lavo a roupa dele, o edredon. Tudo que precisa lavar, eu lavo. Trago café da manhã também”, conta a dona de casa à reportagem.

G. é de Cachoeiras de Macacu, na região de Nova Friburgo (RJ), mas já fugiu de casa pelo menos duas vezes. A última foi na semana passada, quando pegou carona em um caminhão e retornou para São Paulo, para a mesma calçada de Higienópolis de onde saiu em agosto. “Quando vi, não acreditei. Falei: ‘o que você está fazendo aqui?’”, conta a psicóloga Luciana Sodré Cardoso, 44 anos, moradora do prédio em frente à barraca. Foi ela que conseguiu localizar a mãe do garoto, que acabou vindo buscá-lo em agosto. “Estava tudo resolvido, com final feliz. Mas ele voltou”, diz Luciana.

<p>Ana Cristina, moradora da região, ajuda o garoto. A pedido dele, ela levou o boneco Woody para lavar. O chapéu de Woddy que G. usa, aliás, foi presente dela</p>
Ana Cristina, moradora da região, ajuda o garoto. A pedido dele, ela levou o boneco Woody para lavar. O chapéu de Woddy que G. usa, aliás, foi presente dela
Foto: Débora Melo / Terra

“Quero ser adotado”

A psicóloga, que hoje mantém contato com a mãe de G. via Facebook, disse que o garoto sofre de hiperatividade e déficit de atenção e, por isso, vivia sob efeito de remédios. “A meu ver, como profissional, ele não precisa de remédio. Ele precisa de um tratamento alternativo, algum lugar que tenha uma proposta mais humanizada. Ele não tem o perfil de quem vai se adaptar a uma escola tradicional”, afirma Luciana, que faz parte de um grupo que está procurando um lugar para G.

G. já foi levado para albergues pelo Conselho Tutelar, mas sempre acaba fugindo. “Ele disse que apanhou e que foi roubado nos abrigos”, conta Luciana. Outros conhecidos de G. com quem a reportagem conversou relataram que ele teria contado a mesma história de roubos e agressões.

<p>Após jogarem creolina em sua barraca, o menino ganhou nova "casa"</p>
Após jogarem creolina em sua barraca, o menino ganhou nova "casa"
Foto: Débora Melo / Terra

“Não é certo levá-lo para um lugar onde pode ser maltratado. Eu acho que ele tinha que ser devolvido para a casa dele, para ficar com a mãe dele. Mas a gente não sabe como é lá. Ele não gosta de falar sobre a família. Eu queria ficar mais próxima, pegar confiança para ver se ele conta algo, mas ele sempre pede para a gente não falar sobre isso”, diz Ana Cristina. "A infância dele foi roubada de alguma maneira. Ele é totalmente ingênuo, não tem maldade nenhuma", continua.

A Secretaria Municipal de Direitos Humanos informou, no início da noite desta sexta-feira, que está sendo estudada uma proposta de reunião entre o Conselho Tutelar e a juíza da Vara de Infância e Juventude da região central, para a próxima semana. Diante das tentativas que já fracassaram, a ideia é criar uma nova estratégia de abordagem, mais efetiva.

“Eu quero ser adotado”, responde G. à reportagem quando questionado sobre o futuro. Mas e depois? “Depois? Depois vou obedecer a família”, diz. E por que você fugiu de casa? “Ah, é complicado lá, tia”, diz, encerrando o assunto.

Ataque

No tempo de uma hora em que a reportagem esteve com o menino, ao menos 20 pessoas diferentes, entre já conhecidos e curiosos, pararam para falar com G. Todas mostraram solidariedade e alguns até pediram para tirar fotos, o que foi rejeitado pelo garoto. A exceção foi uma senhora que passou e, com cara de poucos amigos, perguntou: “Este é o menino que está morando na barraca, famoso?” E saiu.

De acordo com Luciana, todos os moradores do prédio – exceto ela e uma senhora – são contra a permanência do menino na calçada. “Eles dizem: ‘óbvio que ele quer estar aqui, quem não quer morar em Higienópolis?’. Só julgam, só reclamam.”

O ataque sofrido por G. na madrugada de quarta-feira pode ter sido motivado por sentimento semelhante. Após ter a barraca molhada com creolina, o garoto acordou sufocado de manhã. Comovida, a estudante Belisa Bagiani, 23 anos, moradora do quarteirão, mobilizou um grupo, e não tardou para que G. ganhasse uma nova barraca. “Ele tem uma índole muita boa. É carismático, todo mundo gosta dele”, disse Belisa.

A psicóloga Luciana Sodré (direita) e a estudante Belisa Bagiani. Enquanto Luciana mantém contato com a mãe de G., Belisa se mobilizou para conseguir uma nova barraca
A psicóloga Luciana Sodré (direita) e a estudante Belisa Bagiani. Enquanto Luciana mantém contato com a mãe de G., Belisa se mobilizou para conseguir uma nova barraca
Foto: Débora Melo / Terra

Brinquedos

Quando a reportagem se aproximava da barraca de G., na tarde de quinta-feira, viu de longe quando um homem chamou o garoto para ir ao shopping Pátio Higienópolis, ali do lado. O destino era uma loja de brinquedos. Chegando lá, a decepção: a loja ainda não havia recebido o brinquedo que G. queria, da coleção Toy Story. “Você pode me avisar quando chegar, por favor? A gente vem buscar”, disse à vendedora o representante comercial Paulo Lopes, 52 anos.

“Ele tem 15 anos, mas é crianção de tudo. A idade mental deve ser de 9 anos. Mas ele é inteligente. Tinha que ir para algum lugar onde pudesse aprender uma profissão, estudar”, contou Lopes, que mantém contato com G. dando roupa, comida e brinquedos.

Fonte: Terra
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