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"Não posso ter medo de vestir branco", diz menina apedrejada

Em SP, Kayllane Campos disse ter superado a depressão e o medo de sair de casa com vestes do candomblé: "branco é a cor da paz"

30 jun 2015 - 11h17
(atualizado às 11h18)
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Ela era apenas uma menina de 11 anos de idade de um subúrbio carioca. Passava grande parte do tempo estudando, brincando, conversando com amigos, passeando com a família. E de repente começou a receber convites para encontros com autoridades e pedidos de entrevistas de sites, jornais, revistas, emissoras de televisão. Saiu de casa e participou de eventos em cidades que ainda nem conhecia. Resumindo: do dia para noite, virou sua rotina de cabeça para baixo. Mas, apesar do estranhamento inicial, não se incomoda. Mesmo com a pouca idade, parece ter consciência que virou um símbolo. E que pode, no melhor dos sentidos, se aproveitar disso. 

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"Dá meio que um frio na barriga isso tudo. De uma hora para outra ver tanta coisa mudar é muito estranho. Mas acho importante me empenhar. Desde o momento em que ele tacou aquela pedra, vi que a gente tem que lutar pelo que é nosso", disse, em entrevista ao Terra, Kayllane Campos, agredida no último dia 14 de junho ao sair de um culto de candomblé na Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. 

Kayllane participou de evento na Assembleia Legislativa de São Paulo. Na camiseta, a mensagem: uma pedra que acertou uma nação
Kayllane participou de evento na Assembleia Legislativa de São Paulo. Na camiseta, a mensagem: uma pedra que acertou uma nação
Foto: Renato S. Cerqueira / Futura Press

A garota esteve, na noite desta segunda-feira (29), em um ato contra a intolerância religiosa realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ela estava acompanhada de sua avó, a mãe de santo Kátia Marinho. E basta observá-la por alguns instantes e ouvi-la discursar para perceber de onde vem a força da menina. 

“Temos recebido muito apoio nesses dias. Estamos ouvindo centenas de relatos de intolerância de pessoas que sofriam com isso, mas tinham medo de falar. Agora estão botando para fora. Isso é muito legal. Não é porque vamos lutar por alguma coisa que vamos sofrer represálias. Falam para eu ter cuidado por expor minha neta, falam que alguma coisa poderia acontecer com ela, mas temos que fazer isso. É uma história que ela vai carregar na luta espiritual dela”, afirmou Kátia. 

Kayllane contou à reportagem que está aprendendo, aos poucos, a lidar com a triste lembrança do dia em que sofreu a agressão. De acordo com a menina, tudo aconteceu muito rápido. Ela saía de uma festividade do candomblé ao lado de outras nove pessoas (incluindo sua avó), quando o grupo começou a ser insultado por dois rapazes que estavam em um ponto de ônibus do outro lado da avenida. Exibindo uma bíblia, eles diziam que aquelas pessoas, majestosamente vestidas de branco, "não eram de deus". 

Religiosos fazem "batucaço" contra intolerância na assembleia:

"Eles começaram a falar, falar, falar. E a gente nem 'deu ideia'. Nem deu bola. Continuamos andando e cantando. Não satisfeitos que a gente não deu atenção, eles tacaram uma pedra no nosso grupo. Não miraram em ninguém exatemente. Ela bateu em um poste e, depois, em mim. Não senti dor na hora. Só vi o sangue caindo. Botei a mão na cabeça e vi o sangue escorrendo na minha mão. E eu não posso ver sangue... Aí não lembro de mais nada", relatou. 

Após o ocorrido, a garota passou alguns dias "em depressão", como ela mesma disse. Não queria conversar, não queria sair de casa. E não queria, principalmente, usar roupas de cor branca. "Eu estava triste e com medo. Mas fui vendo que estava errada. O branco é da paz, não tenho que ter medo de sair de branco. Não posso ter medo. Aí voltei a sair", declarou. "Agora quero que os agressores sejam identificados e presos. Quero justiça. O que eles fizeram comigo podem fazem com outra pessoa. Podem fazer até pior. Podem chegar ao ponto de matar alguém. Temos que tentar impedir isso", completou. 

E quer saber se ela é capaz de perdoá-los? "Não sou eu que tem que perdoar. É Oxalá. Ele é o pai de todos", concluiu, exibindo um riso doce e inocente ao se confundir no cumprimento à repórter. "Ai, paulista dá só um beijo, né?".

Fonte: Terra
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