Juiz de GO anula união estável gay; OAB condena 'retrocesso'
19 jun2011 - 17h27
(atualizado às 17h29)
Compartilhar
Mirelle Irene
Direto de Goiânia
O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia (GO), anulou na última sexta-feira o contrato de união estável entre o jornalista Liorcino Mendes Pereira Filho, 46 anos, e o estudante Odílio Cordeiro Torres, 23 anos, celebrado em 9 de maio. Em um e-mail encaminhado à imprensa neste domingo, o casal afirmou que vai recorrer para que o juiz seja afastado do cargo. Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) considerou a decisão um "um retrocesso moralista".
Para Villas Boas, o Supremo Tribunal Federal, que autorizou em 5 de maio a união gay, não seria competente para alterar normas contidas na Constituição Federal, que determina como formadores da família apenas o homem e mulher. Somente o Congresso Nacional poderia ampliar os direitos aos casais homossexuais, segundo o juiz. De acordo com o casal, que registrou a primeira união homoafetiva em Goiás - eles alegam ter sido a primeira no País -, o contrato foi anulado de ofício, ou seja, sem o juiz ser provocado ou instado a decidir.
Além da anulação da união de Leorcino e Odílio, a decisão de Villas Boas determina que todos os Cartórios de Registro de Títulos e Documentos e do Registro Civil da Comarca de Goiânia não oficializem mais nenhuma união do tipo, salvo expressa determinação em sentença judicial. O jornalista e o estudante devem encaminhar, na segunda-feira, uma série de reclamações contra a medida junto a órgãos de Justiça. Eles consideram que a decisão do magistrado foi discriminatória.
O presidente em exercício da OAB, Miguel Cançado, também condenou a decisão, que chamou de "retrocesso moralista". Segundo ele, ao decidir pela união estável entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo "exerceu o papel de guardião e interprete da Constituição". "As relações homoafetivas compõem uma realidade social que merecem a proteção legal", afirmou.
STF decide a favor de união gay Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 5 de maio de 2011 pelo reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo. Todos os dez ministros aptos a votar foram favoráveis a estender a parceiros homossexuais direitos hoje previstos a casais heterossexuais - o ministro Dias Toffoli se declarou impedido de participar porque atuou como advogado-geral da União no caso e deu, no passado, parecer sobre o processo.
Com o julgamento, os magistrados abriram espaço para o direito a gays em união estável de terem acesso a herança e pensões alimentícia ou por morte, além do aval de tornarem-se dependentes em planos de saúde e de previdência. Após a decisão, os cartórios não deverão se recusar, por exemplo, a registrar um contrato de união estável homoafetiva, sob pena de serem acionados judicialmente. Itens como casamentos civis entre gays ou o direito de registro de ambos os parceiros no documento de adoção de uma criança, porém, não foram atestados pelo plenário.
Veja como votou cada ministro sobre união estável gay
Foto: Carlos Humberto - STF / Divulgação
Carlos Ayres Britto: Relator do caso, em seu voto, realizado na terça-feira, ele defendeu a garantia de uniões estáveis para casais gays e disse que a preferência sexual de cada indivíduo não pode ser utilizada como argumento para se aplicar leis e direitos diferentes aos cidadãos. Ressaltou o direito à intimidade sexual de cada um, a ampliação do conceito de família para além do par homem-mulher e defendeu uma "concreta liberdade" para os casais homossexuais
Foto: STF / Divulgação
Luiz Fux: Primeiro a votar após suspensão do julgamento, o ministro foi a favor do reconhecimento legal de parceiros gays no regime de uniões estáveis. O ministro afirmou que a Constituição Federal permite o reconhecimento de casais gays como entidades familiares e lembrou que é papel do Poder Judiciário "suprir lacunas" caso o Congresso Nacional, responsável por criar leis, não tenha garantido legalmente direitos civis aos homossexuais
Foto: Carlos Humberto - STF / Divulgação
Cármen Lúcia: Baseou sua defesa ao reconhecimento de direitos civis a casais gays no cumprimento do direito à liberdade, cláusula pétrea da Constituição. Condenou "atos de covardia e violência" contra minorias, como os impostos aos casais homossexuais, e observou que o Direito constitucional discutido no Supremo tem também por objetivo combater "todas as formas de preconceito"
Foto: Carlos Humberto - STF / Divulgação
Ricardo Lewandowski: Afirmou que as uniões homoafetivas devem ser reconhecidas pelo Direito, "pois dos fatos nasce o direito". Fez a ressalva de que a Constituição faz referência apenas a uniões estáveis entre homens e mulheres, mas observou que isso não significa que "a união homoafetiva não possa ser identificada como entidade familiar apta a receber proteção estatal"
Foto: Carlos Humberto - STF / Divulgação
Joaquim Barbosa: Votou a favor do reconhecimento legal de parceiros gays no regime de uniões estáveis, e admitiu que o Direito não foi capaz de acompanhar as mudanças e criações de novos perfis familiares. O ministro disse ainda que não há na Constituição "qualquer alusão ou proibição ao reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas". "Todos, sem exceção, tem direito a uma igual consideração", afirmou
Foto: Carlos Humberto - STF / Divulgação
Gilmar Mendes: Também favorável ao reconhecimento de uniões estáveis para parceiros gays, disse que a decisão garante um "modelo mínimo de proteção institucional como instrumento para evitar uma caracterização continuada de crime, de discriminação". No entanto Evitou afirmar em que proporção a decisão da maioria afetaria na prática os direitos dos casais gays
Foto: Felipe Sampaio - STF / Divulgação
Ellen Gracie: Ressaltou que reconhecimento de direitos aos casais homossexuais coloca o Brasil entre países mais avançados do mundo. "Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes. O tribunal lhes restitui o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura sua dignidade, afirma sua identidade e restaura sua liberdade", disse a ministra
Foto: Felipe Sampaio - STF / Divulgação
Marco Aurélio Mello: Lembrou que anualmente cerca de 100 homossexuais são assassinados no Brasil por conta de sua orientação sexual e disse que o reconhecimento de direitos civis a parceiros do mesmo sexo fortaleceria o Estado democrático de Direito. "O Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito, o que significa fortalecer o Estado democrático de Direito. O livre arbítrio também é um valor moral relevante", declarou
Foto: Felipe Sampaio - STF / Divulgação
Celso de Mello: Decano do STF, Mello buscou separar a religião de direitos que devem ser garantidos pelo Estado e opinou que nenhum cidadão pode ser privado de seus direitos por ser homossexual, sob pena de estar inserido em um regime de leis "arbitrárias e autoritárias". "Ninguém, absolutamente ninguém pode ser privado de seus direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual", disse
Foto: Felipe Sampaio - STF / Divulgação
Cezar Peluso: Opinou que a Constituição Federal não exclui em seus artigos "outras modalidades de entidade familiar". "Seria imperdoável que eu tentasse acrescentar alguma coisa, sobretudo em relação a essa postura consensual da Corte em relação à condenação de todas as formas de discriminação e contrárias não apenas ao nosso direito constitucional, mas à raça humana", resumiu o presidente do STF, confirmando a unanimidade do julgamento