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Após 10 anos e R$ 600 mi, Cidade das Artes deve abrir em 2012

12 mar 2012 - 06h14
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André Naddeo
Direto do Rio de Janeiro

Ao longo do primeiro semestre de 2008, a empresa de Floriano (nome fictício) participou de um esquema ilegal envolvendo a então Cidade da Música. Já tida como faraônica e candidata incontestável ao título de "elefante branco" da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, a obra já havia consumido, na época, quase R$ 500 milhões de verba pública.

Funcionava da seguinte maneira: o serviço prestado deveria ter o valor triplicado na nota fiscal. Tão logo recebesse o crédito na conta corrente, Floriano deveria repassar metade do valor extra para um homem, que passava de carro no lugar marcado e pegava o envelope com o dinheiro vivo. Foram três viagens e R$ 30 mil de propina entregues a um funcionário que ele nem sabia se pertencia ao consórcio ou mesmo a prefeitura - era uma espécie de laranja.

Por mais que seja apenas a ponta do iceberg, o caso ilustra bem o que se tornou a construção da Cidade da Música, que inicialmente levaria o nome do falecido dono das Organizações Globo, Roberto Marinho, mas que em função de toda a polêmica envolvendo o empreendimento teve o seu nome retirado a pedido da família. Posteriormente, foi rebatizada Cidade das Artes. Foi uma verdadeira sangria para os cofres públicos do Rio de Janeiro: até a sua entrega, prevista para o segundo semestre, vai consumir mais de R$ 600 milhões - quase oito vezes acima do valor inicial do projeto, cujo contrato inicial foi de R$ 80 milhões.

Em praticamente uma década (o projeto foi lançado em novembro de 2002), o que se viu no "Cebolão da Barra" foi uma sucessão de malfeitorias, constatadas por relatórios do Tribunal de Contas do Município (TCM/RJ), que incluem estruturas mal instaladas, denúncias de duplicidade de pagamentos e a "cereja do bolo": a pseudo-inauguração promovida pelo então prefeito César Maia, no final de 2008, foi determinante para que o empreendimento trouxesse ainda mais prejuízo. O seu tombo após discurso solene foi a síntese de que o empreendimento não andava mesmo bem das pernas.

Tão logo assumiu a prefeitura do Rio, no início de 2009, Eduardo Paes determinou imediata auditoria na Cidade da Música. Resultado: por mais que o decreto 31.021/2009 permitisse o reinício das obras a partir em 25 de julho daquele ano, os operários só voltaram a trabalhar em 20 de julho de 2010. Tudo porque o escopo e memorial descritivo para o novo orçamento demoraram nove meses para ficarem prontos.

Além disso, como no papel a obra tinha sido inaugurada, os certificados de garantia dos equipamentos da instalação cultural começaram a valer, ao mesmo tempo em que cadeiras estofadas começaram a mofar, e escadas rolantes, a enferrujar - só para citar dois exemplos. Informações estas constatadas pelo TCM/RJ. A RioUrbe, órgão da prefeitura responsável pela agora Cidade das Artes, afirmou em nota que "durante a obra todos os custos para reposição de materiais e retrabalho são arcados pelo consórcio, sem ônus para os cofres municipais".

A reportagem do Terra consultou o tribunal, que é categórico: "destaca-se ainda, que os orçamentos referentes aos serviços provenientes do desgaste provocado pela paralisação e outros com deficiência na execução não foram apresentados pela fiscalização. Verificou-se também que os serviços estão sendo refeitos e no futuro poderá haver novos questionamentos quanto aos valores pendentes".

Por mais que as auditorias dos contratos da administração anterior tenham sido realizadas, o mesmo TCM/RJ ainda desconfia de outras irregularidades. Em seu último relatório, de janeiro deste ano, o instituto fiscalizador questiona a RioUrbe sobre "uma provável duplicidade na medição, considerando os itens 401 e 724 que tratam, ambos, da instalação de piso de madeira em tacos de tatajuba".

"Observou-se ainda a necessidade de se identificar determinados serviços que foram medidos isoladamente. Trata-se de profissionais como bombeiros hidráulicos, eletricistas, pedreiros, serventes e carpinteiros de forma. A princípio, o tempo de trabalho desses profissionais já está contabilizado na composição dos serviços que eles realizam", acrescenta o TCM/RJ.

A RioUrbe nega, no entanto, qualquer tipo de irregularidade em relação a estes pagamentos em duplicidade, e outras denúncias de superfaturamento - alega também que prestou todos os esclarecimentos ao TCM/RJ. O tribunal, por sua vez, ressalta que "até o presente momento não foi encaminhada resposta aos questionamentos". É o dito pelo não dito.

Iniciativa privada para a manutenção

O Tribunal de Contas do Munícipio, por último, explica que há um saldo de R$ 19,7 milhões a ser liquidado no último dos três contratos celebrados para o empreendimento - o que fecha a conta, a principio, na casa dos R$ 518,6 milhões. No entanto, a própria RioUrbe já anunciou que a prefeitura ainda vai gastar outros R$ 90 milhões para a conclusão das obras (como salas de cinema, restaurantes e estacionamento rotativo) - deixando um saldo final para a Cidade das Artes de R$ 608,6 milhões, quase o valor total da reforma do estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, avaliada em R$ 685 milhões.

Ainda de acordo com a prefeitura, o custo de manutenção do espaço, que também já foi alvo de CPI na Câmara dos Vereadores e de auditoria da Controladoria Geral do Município, onde também foram detectadas falhas na execução das obras, será da ordem de R$ 25 milhões. Não à toa o prefeito Eduardo Paes já decidiu: passará este ônus para a iniciativa privada.

O edital deve ser publicado até o final deste mês. A ideia é inaugurar a Cidade das Artes no segundo semestre - às vésperas das eleições municipais. O objetivo também é suprir a lacuna erudita na cidade, já que a sala Cecília Meireles está fechada para reformas e o Theatro Municipal teve a programação suspensa após o desabamento de três prédios no centro da cidade, um deles anexo ao espaço, o que comprometeu parte de sua estrutura.

Repercussões

O ex-prefeito do Rio César Maia, grande idealizador do espaço cultural, tratou de esclarecer o aumento de gastos. "Uma enorme bobagem que se repete. R$ 80 milhões foi a licitação das fundações (para a realização da obra). Imagine um equipamento deste porte e desta complexidade custando 10% do que estão custando estádios de futebol, que são estruturas simples e ocas com um campo no meio", questiona Maia.

"Um estádio de futebol, e são 12, custando no mínimo R$ 800 milhões e a reforma do Maracanã R$ 1 bilhão, obras simples e ôcas. A Cidade da Musica nessa comparação é barata. O Museu do Amanhã (na zona portuária) foi custeado em R$ 240 milhões. São 10 mil m². A Cidade da Música tem uma área construída nove vezes maior", completa.

Maia ainda se defende do longo prazo para as obras chegarem ao fim. "Em agosto (de 2007) o PMDB determinou as empreiteiras que parassem a obra para não ficar pronta. De 3.200 operários passaram a 200. Se não fosse assim faltariam apenas detalhes em 2009", contesta.

Para Sérgio Ferraz Magalhães, professor do curso de pós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), na capital fluminense, o problema é que o projeto "foi muito pouco debatido, foi de certo modo imposto, por falta de debate, imagino eu, ele tem uma questão de organização inadequada. A localização dos equipamentos não favorece uma atividade cultural como ela se propõe".

Sua opinião para os quase 10 anos em que se ouviu falar de Cidade da Música, e depois em Cidade das Artes, é que tudo foi fruto de um exagero. "Começou-se uma obra gigantesca sem se saber direito o que seria, onde teria que se ampliar, e os problemas que aconteceriam. Em segundo lugar, tem uma questão de escala, porque aquele lugar é tão desfavorável, e tem dimensões tão enormes, que o arquiteto (o francês Christian de Portzamparc), diante do gigantesco território a ocupar, foi obrigado a expandir exageradamente a construção".

O diretor artístico da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), Fernando Bicudo, relembra que o local foi concebido para ser sede da OSB. "O empreendimento traz o que há de mais moderno em acústica e instalações e, antes mesmo de inaugurada, já pode ser considerada uma referência mundial em se tratando de qualidade musical. Teremos administração e músicos únicos, as temporadas poderão ser planejadas com a devida antecedência, possibilitando que a cidade receba os maiores nomes do cenário musical internacional".

"Independente de quem assumir a responsabilidade pela sua gestão, para nós o importante é que as nossas necessidades sejam atendidas, já que, como foi amplamente divulgado desde o início das obras, a Cidade das Artes foi construída para ser a nossa sede. Com um investimento dessa magnitude, voltado para atender as necessidades de uma grande orquestra internacional, a melhor estratégia de aproveitamento seria o objetivo inicial da construção do local", completa Bicudo.

Fonte: Terra
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