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AM: cheia faz moradores 'subirem' chão para não deixar casas

6 mai 2009 - 18h35
(atualizado às 20h04)
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Arnoldo Santos

Direto de Careiro da Várzea

A enchente dos rios no Amazonas muda os hábitos e faz a população das cidades atingidas se virar como pode para superar as dificuldades diárias e os prejuízos. Em Maués, a 356 km de Manaus, a prefeitura local cadastrou 726 famílias afetadas, sendo que mais de 500 delas moradoras da zona rural. Uma das principais dificuldades encontradas pelas equipes da Defesa Civil é a recusa de algumas famílias em deixar suas casas, mesmo alagadas. Os ribeirinhos preferem ficar em casa e levantar o nível do assoalho da casa.

População de Careiro da Várzea usa barcos e passarelas para se locomover
População de Careiro da Várzea usa barcos e passarelas para se locomover
Foto: Arnoldo Santos / Especial para Terra

"Eles (equipe da Defesa Civil e prefeitura) encontraram muita gente picada de cobra e com mordida de jacaré. Muitas famílias foram para casa de parentes, mas outros preferiram subir o assoalho e permanecer no local", informou a assessora da prefeitura de Maués, Chrystianne Teixeira.

Nessa terça-feira, o governo do Estado começou a distribuir em Barreirinha, a 372 km de Manaus, 1.421 cartões magnéticos, denominados SOS Enchente, que dão direito a R$ 300. Receberão o cartão as famílias que foram cadastradas pelas comissões de Defesa Civil dos municípios. Nesta quarta-feira, equipes do governo foram atender as famílias dos municípios de Anamã, Canutama e Pauiní.

No município de Careiro da Várzea, a enchente atingiu o comércio, produção rural e o modo de vida dos moradores. A água do Paraná do Careiro, um afluente do rio Solimões, invadiu a maioria das ruas. Apenas canoas passam pelas vias alagadas. Elas ficam estacionadas na frente das casas, enquanto que crianças aproveitam a água que se acumulou nas ruas.

Passarelas
Para garantir o acesso às casas, a prefeitura vem construindo passarelas de madeira de acordo com o avanço da água. Nos últimos seis dias, o nível da água subiu 10 cm, segundo os dados da observadora do Serviço Geológico do Brasil (Cprm), Rosa Silva. Ela anota duas vezes ao dia a medição da régua do nível da água. "Nossa esperança é que pare de encher até este mês, porque essa enchente já está maior do que a do ano passado", disse Rosa.

Na entrada da cidade, a praça central foi invadida pela água. Proprietários das lanchonetes tiveram que bancar a construção de espaços de madeira para continuar funcionando. "A prefeitura doou a madeira e nós é que tivemos de construir as passarelas para poder atender os clientes. Atualmente, vir à praça e ficar conversando em cima desses vãos de madeira é a única diversão que existe na cidade", afirmou o responsável por um dos estabelecimentos que fornecem lanches no local, Jerry Melo. A lanchonete dele só não foi invadida pela água porque é feita de alvenaria e teve a entrada reforçada com um pequeno muro de tijolos.

O comércio também sofre com a cheia na cidade. No bazar Villa Presentes, as peças de roupa ficam expostas na parede de frente da loja. A casa está cercada de água. O acesso é feito por uma pequena passarela com duas tábuas de madeira. A proprietária, Socorro Oliveira, disse que o movimento diminuiu em torno de 40%. "Eles (clientes) vivem de plantação e não tem onde eles plantarem e tirarem dinheiro", explicou Socorro.

Economia afetada
A produção rural, base da economia de Careiro da Várzea, teve um grande impacto com a enchente. A produção leiteira de 17 mil litros de leite por dia, mantida por um rebanho de 68,3 mil cabeças de gado, diminuiu em mais de 70%. "O gado leiteiro do município, que é mantido nos pastos naturais de várzea, vai todo para a terra firme", explicou Ofir de Souza, chefe do escritório local do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas (Idam).

O pecuarista João Silva teve de enviar mais de 800 cabeças de gado para outros pastos porque toda a fazenda dele, situada próxima da sede do município, foi inundada. "A produção de leite na várzea chega a 600 l por dia. Hoje, a gente não consegue tirar mais do que 200 l", afirmou.

Escolas
As escolas públicas do município paralisam as aulas na medida que a água avança. Das seis escolas estaduais, três, situadas na zona rural, suspenderam as atividades. Pelo menos 1,2 mil estão sem estudar. A única escola estadual situada na sede do município também deve parar a partir do dia 15 deste mês.

"Não tem como o barco pegar todo mundo porque as estradas estão todas debaixo da água. Nós já diminuímos o horário em uma hora, mas vamos ter de parar", explicou o diretor da escola Coronel Fiúza, professor Raimundo Holanda.

Por toda a pequena cidade de Careiro, operários da prefeitura continuam a construção das passarelas. Os prédios do Fórum de Justiça, Secretarias de Educação, Ação Social e de Saúde, além da delegacia e da sede do Idam, estão cercados pela água.

E no meio de toda essa situação, passando por uma das passarelas apertadas, que não têm mais do que 1 m de largura, uma moradora exclama: "Filma a nossa Veneza brasileira!". É como o ribeirinho enfrenta, e sobrevive, a enchente nesta parte da Amazônia.

Fonte: Especial para Terra
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