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Ação de partidos e sindicatos expõe ruptura em crise da USP

12 nov 2011 - 12h52
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Mauricio Tonetto

A origem das manifestações que culminaram na detenção de 73 pessoas na Universidade de São Paulo (USP), na última terça-feira, não foi a presença da PM dentro do campus, mas a forma com que as decisões são tomadas pela cúpula que comanda a principal universidade do País. Os estudantes, ligados ao Psol e PSTU e influenciados pelos sindicatos, que integram a central Conlutas, engrossaram as fileiras para mudar a administração da USP e exigir um novo estatuto, no qual o reitor possa ser nomeado por voto direto de alunos, professores e funcionários, e não pelo governador do Estado. A prisão de três alunos, pegos fumando maconha no campus, foi apenas o estopim para a insatisfação crescente do grupo, que acabou invadindo a reitoria e só foi libertado da delegacia sob fiança.

Em um protesto irônico, os estudantes ofereceram flores à PM após a detenção de 73 pessoas no campus da USP
Em um protesto irônico, os estudantes ofereceram flores à PM após a detenção de 73 pessoas no campus da USP
Foto: Edson Lopes Jr. / Terra

O convênio entre a USP e a PM foi assinado após a morte do estudante Felipe Ramos de Paiva, 24 anos, numa tentativa de assalto dentro do campus. "O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que os alunos precisam de uma aula de democracia, mas a primeira aula que ele deve dar é explicar porque o reitor é indicado por ele, e não através do voto. Isso é democracia? O estatuto da universidade ainda tem um pé na ditadura militar. Além disso, a reitoria não tem condições de resolver os problemas internos no diálogo", afirmou Diana Assunção, diretora do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), um dos principais apoiadores dos estudantes.

O Sintusp e a Associação dos Docentes do Ensino Superior (Andes) são filiados à Conlutas, organização criada por partidos dissidentes de esquerda, que romperam com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) pela ligação estreita com o PT e o governo federal. Com papel ativo na invasão da reitoria da USP, os sindicatos apoiam o movimento estudantil, organizado por meio da Assembleia Nacional de Estudantes - Livre!, também vinculada à Conlutas. Entre os detidos pela polícia na reintegração de posse da reitoria estavam integrantes do Sintusp. A central desempenha uma função agregadora e alinha posições ideológicas de manifestantes independentes e partidos claramente opositores ao governo Alckmin.

"Essa ação na USP contou com o apoio de jovens filiados ao PSTU e Psol, através do movimento estudantil, e com manifestantes independentes. Nosso posicionamento coincide com o dos estudantes, especialmente para que não se efetive o convênio USP-PM, que significa a presença ofensiva da polícia no campus. Isso tem um significado para todas as universidades brasileiras, porque afronta a história da liberdade e luta do movimento estudantil", ressaltou Atenágoras Lopes, membro da Executiva nacional da Conlutas.

Prefeitura de São Paulo em jogo

Para o doutor em Sociologia e pesquisador da USP Edison Nunes, "a motivação política é um fator decisivo no que está acontecendo, pois em 2012 há eleições municipais". "A natureza dos movimentos políticos no interior da USP é um problema. Por ter autonomia, a universidade protege seus membros a ponto de garantir a irresponsabilidade deles, tolerando alguns discursos radicais. É preciso dirimir o conflito - ainda que os setores usem a força e a violência - com democracia e diálogo e convocar a maioria da universidade a se manifestar com coragem, incentivar isso."

O cientista político e professor licenciado da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer critica a ligação dos protestos com a esquerda e diz que o grupo que invadiu a reitoria não representa os estudantes da USP. "A esquerda manipula e guia (os invasores), já vi muitos casos anedóticos como este na minha vida. Hoje a esquerda não tem propostas de melhorar a educação no Brasil. O reitor João Grandino Rodas está fazendo um bom trabalho", disse.

O doutor em Ciências Históricas pela UCL, da Bélgica, Mário Maestri, rebate Kramer e defende a saída de Rodas. "Ele se encontra incapacitado e desqualificado moralmente pelos fatos. A reitoria interveio diretamente nas prisões, passando informações à polícia e imprensa e criminalizando parte dos corpos docente e discente. Isso é inaceitável. O relacionamento deve ser interno, mesmo que haja contradições, e com elementos de civilidade", afirmou.

Professores omissos

Outro problema apontado pelo sociólogo Edison Nunes é a omissão dos professores na crise instalada na USP. Segundo ele, foi o próprio corpo docente que pressionou o reitor para a presença da PM no campus. "A maioria deve ter coragem e enfrentar seus colegas, especialmente os oportunistas, que têm interesses partidários, e dizer 'temos que ser responsáveis pela comunidade que dirigimos'. Deve partir dos professores essa mudança, mas eles ficam com medo de criticar seus colegas. Em grande parte, é por isso que cresce a irresponsabilidade no meio acadêmico."

Ampla manifestação

Para resolver a crise na USP, os especialistas ouvidos pelo Terra, que têm opiniões contraditórias, concordam ser necessário que a ampla maioria dos cerca de 80 mil alunos da instituição decidam se querem a presença da PM no campus. "Toda universidade deve garantir a sua segurança e a USP tem que ter uma guarda, mas não pode produzir um fenômeno de criminalizar os estudantes. Estão sendo utilizados instrumentos que a minha geração conheceu na época da ditadura: processos administrativos, suspensões, ameaças de expulsão. Ainda há uma política repressiva na USP", criticou Mário Maestri.

"O campus está encravado no meio da cidade e não está isento a mazelas como roubo, estupro e até assassinatos. Então, como normalizar a situação de um campus do tamanho do da USP sem policiamento armado e ostensivo? Vejo que a PM é mais preparada para isso. Além disso, o estudante não pode fazer o que ele simplesmente quer no campus, isso não tem nada a ver com política. De qualquer forma, todos devem ser chamados a opinar", salientou Edison Nunes.

"Além de constranger manifestações estudantis e instaurar uma espécie de lei do silêncio na universidade, a presença da PM afeta a autonomia da ciência. Uma universidade pública, no Brasil, é o lugar por excelência para a produção científica, e a ciência moderna busca a distância da política e da ideologia, procurando também se afastar da pressão econômica. Com a PM dentro dos campus, essa autonomia fica ameaçada, pois a corporação é um instrumento de repressão do Estado de São Paulo", entende o sociólogo Bernardo Caprara.

De acordo com a assessoria da USP, a instituição estuda mudanças no sistema de eleição e propostas de modificação do programa de inclusão social da universidade. Está sendo analisada a instalação de um processo de eleições diretas para reitor, com pleito em turno único, através de um colégio eleitoral de 1,8 mil pessoas votando, que incluiria membros das congregações da universidade. Em 2010, um grupo de funcionários em greve invadiu a reitoria da USP e pediu a saída de Rodas, e em 2009 servidores e professores ocuparam o local em protesto contra a administração.

Reintegração de posse

A PM mobilizou um efetivo de 400 homens da tropa de choque, da cavalaria e até mesmo do grupamento aéreo (Águia) para o cumprimento de mandado judicial de desocupação da reitoria por volta das 5h de terça-feira, horário escolhido para surpreender os ocupantes do prédio. O prazo para a saída espontânea dos manifestantes do local havia se esgotado às 23h de segunda-feira, após trégua negociada com a Justiça. Descontentes com as propostas da administração da USP, que aceita rever, mas descarta revogar o convênio com a PM, os estudantes e funcionários decidiram prolongar a ocupação, mas não resistiram à operação de reintegração de posse, preferindo empunhar flores em protesto irônico diante do forte aparato policial. Mais de 70 foram presos, mas liberados.

A tomada da reitoria foi levada a cabo por parte de um grupo insatisfeito com o resultado de uma votação em assembleia que decidiu, na terça-feira da semana passada, por 559 votos a 458, encerrar a ocupação do prédio de administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). O grupo deslocou o portão de trás do edifício da Administração Central, usando paus, pedras e cavaletes, e em poucos minutos chegou ao saguão principal do prédio. A FFLCH havia sido ocupada depois que a PM abordou três estudantes no campus por porte de maconha na quinta-feira da semana retrasada e tentou levar os usuários detidos. Os policiais usaram gás lacrimogênio, e alunos teriam ficado feridos após confronto.

Fonte: Terra
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