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Cai entrada de imigrantes no Brasil, aponta pesquisa

1 dez 2015 - 17h51
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Depois de temporadas vivendo em Madri e Nova York, o escritor português Hugo Gonçalves chegou em 2011 ao Rio, atraído pelo estilo de vida da cidade, pela exuberância do país e pela perspectiva de um Brasil em ascensão, distante do clima de melancolia e desistência que via contaminar seu país natal com a crise econômica.

O encantamento gradualmente foi vencido pelas dificuldades do dia a dia e pelas mudanças no cenário político e econômico, desconstruindo aquele otimismo, que, assim como a Gonçalves, atraíra uma nova onda de imigrantes europeus para o Brasil nos anos do boom – tão bem simbolizado pela capa da revista britânica Economist com o Cristo Redentor decolando do Corcovado.

Gonçalves se despediu do Rio, da casa onde morava na Gávea, na zona sul, e dos amigos cariocas em março deste ano, exemplificando uma reversão que começa a ser observada no fluxo de imigrantes para o Brasil.

Depois de anos de crescimento vertiginoso, o número de estrangeiros que vieram viver, estudar ou trabalhar no país teve a primeira queda desde 2009. No ano passado, 99.796 estrangeiros entraram no Brasil, contra 102.366 em 2013, de acordo com levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV).

A diferença numérica é pequena, mas interrompe uma trajetória de aumento expressivo que vinha sendo observado ano a ano e que havia feito a entrada de estrangeiros dobrar de 50 mil para 102 mil entre 2009 e 2013.

Os números foram compilados a partir de uma base de dados da Polícia Federal, que registra todas as entradas de estrangeiros com vistos que não sejam o de turista.

Rumo a Lisboa

"Quando cheguei, era o garoto completamente deslumbrado e apaixonado por todas as coisas belas do Brasil. E são muitas, eu sublinho isso", lembra Gonçalves. "Mas quando vim embora, senti-me um pouco como o homem que já passou pelas desilusões da vida. Foi como o fim de um casamento."

Os anos no Brasil renderam dois livros – um deles compilando as crônicas que escreveu durante o período aqui, e o outro com um enredo baseado justamente no contexto da diáspora de portugueses com a crise na Europa e na vida desses imigrantes no Rio – intitulado Enquanto Lisboa arde, o Rio de Janeiro pega fogo.

Aos 39 anos, Gonçalves está de volta a Lisboa (embora ainda esteja no "Rio de Janeiro" em seu perfil do Skype) e agora vê o movimento começar a se inverter: amigos brasileiros dizendo que querem ir viver em Portugal – alguns já chegando, outros fazendo movimentos para ir.

Falta política estratégica

Bárbara Barbosa, pesquisadora da DAPP/FGV, diz que é cedo para falar em uma tendência de queda na migração para o Brasil, sendo preciso esperar mais alguns anos para ver como o fluxo vai se comportar.

“A tendência pode ser de estabilização, depois de anos em que tivemos uma subida repentina de entrada de imigrantes, o que incluiu a entrada de muitos grupos com vistos humanitários, sobretudo de haitianos”, afirma Barbosa.

“A recuperação dos países frente à crise de 2008 também pode ter tido influência. Se a situação melhorou, isso leva menos pessoas a quererem sair de seus países”, considera.

Mas o levantamento é parte de uma pesquisa mais ampla encomendada pelo Ministério do Trabalho justamente para desenvolver políticas para atrair mais imigrantes ao Brasil – de olho sobretudo na entrada de mão de obra qualificada para impulsionar a economia.

"O Brasil sofre há muito tempo do deficit de competências, e esse estudo só corrobora a necessidade de se ter uma política de estratégica, de Estado, para atrair mão de obra qualificada – e isso inclui desde pessoas com curso superior a profissionais com conhecimento técnico muito específico", afirma Margareth da Luz, também da Fundação Getulio Vargas.

A pesquisa da FGV levantou dados sobre o contingente de trabalhadores imigrantes no Brasil, as dificuldades que enfrentam, os entraves apresentados pela atual legislação e as estratégias adotadas por países que têm políticas específicas para buscar atrair mão de obra estrangeira qualificada.

Os resultados estão sendo apresentados nesta terça-feira em Brasília, no seminário "Imigração como Vetor de Desenvolvimento do Brasil", promovido pela FGV e pelo ministério para discutir formas de aprimorar a política de imigração no país.

"Hoje existe uma disputa internacional de países por esse capital humano, sobretudo os países desenvolvidos, que já estão em processo de envelhecimento (da população) há muito tempo. O Brasil também está entrando em fase de envelhecimento e não pode ficar para trás", considera a doutora em antropologia.

Apesar de ter sido constituído por diferentes levas de imigração ao longo de sua história e pela entrada forçada de escravos africanos, o Brasil do presente é um país fechado.

A legislação que rege a entrada e permanência de imigrantes ainda é o Estatuto do Estrangeiro, redigido pelo governo João Figueiredo em 1980, em plena ditadura militar.

Mais fácil casar?

A lei é calcada em uma visão ultrapassada de imigrantes como uma potencial ameaça, afirma Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), do Ministério do Trabalho.

"Há muitos anos que essa lei não condiz mais com a realidade do país, está superada. Há uma necessidade de aprovar com urgência a nova lei."

Almeida refere-se ao projeto da Lei da Imigração, aprovado em julho deste ano pela Comissão de Relações Exteriores do Senado. O projeto, afirma, corrige distorções atuais, transferindo o foco da questão da segurança nacional para priorizar os direitos do imigrante, além de criar um sistema de vistos de trabalho e residência mais flexível.

A nova lei possibilitará emitir de vistos de trabalho sem necessidade de vínculo empregatício. No sistema atual, os estrangeiros de fora do Mercosul precisam de um contrato em mãos ainda no exterior para solicitar um visto de trabalho e residência.

Por essas e outras, muitos tentam o caminho sem documentos – o casamento ainda é uma das "soluções" mais fáceis para se estabelecer no país.

O projeto visa ainda reduzir as exigências e burocracias que costumam assustar estrangeiros e empresas que buscam patrocinar a vinda de expatriados para o Brasil.

De acordo com estudo de 2015 da consultoria canadense Brookfield Global Relocation Services, o Brasil é o segundo país que mais impõe dificuldades aos expatriados, atrás apenas da China.

Almeida afirma que atrair profissionais de alta qualificação é de "grande relevância" para promover o avanço tecnológico e contribuir com o desenvolvimento.

O desafio do 'fico'

Porém, atrelada à capacidade de atrair esses imigrantes, estaria também a de mantê-los aqui. E, assim como na experiência do português Hugo Gonçalves, a espanhola Maite Nef Moreno demonstra ser algo longe de acontecer automaticamente.

Maite é gerente-geral de uma agência do banco Santander e chegou ao Rio "com todo o entusiasmo" em 2012, parte de um grupo de cerca de 50 estrangeiros que a empresa "importou" para trabalhar no Brasil, vindos de países como México, Portugal, Chile, Espanha.

Agora, está prestes a embarcar para Barcelona para entrevistas de emprego visando à sua realocação – ela quer voltar para a Espanha ou ir trabalhar para o banco em algum outro país. Maite acredita que, como expatriada, teria oportunidade de ascensão mais rápida na empresa se permanecesse aqui. Mas cansou do Rio e do Brasil.

Sua queixa é sobretudo de choque cultural no ambiente de trabalho, onde é responsável por uma equipe de 14 pessoas. "Para mim está sendo muito complicado trabalhar com brasileiros. É um desgaste muito grande. Eu estranho muito a falta de compromisso, seriedade, profissionalismo, ambição de crescimento profissional. Para mim são coisas básicas."

Choque de burocracia

A outra grande dor de cabeça é comum tanto a estrangeiros quanto a brasileiros: os trâmites burocráticos que desafiam os limites da paciência. "É sempre um problema. Você nunca consegue resolver nada de uma vez. Sempre falta um papel. Sempre tem algum motivo para voltar no dia seguinte", diz Maite.

Hugo Gonçalves perdeu as contas da quantidade de vezes que teve que ir para a Polícia Federal resolver questões de seu visto. O atendimento para estrangeiros é realizado apenas no Aeroporto Internacional do Galeão, a cerca de 20 km do centro da cidade.

"Passada a altura do deslumbramento, da paixão, da exuberância que o Brasil tem, a vida do dia a dia assentou, caiu em mim, e comecei a ver que, por trás dessa película de exuberância, a vida é muito dura. Comecei a perceber a agressividade latente na sociedade; e não falo só de violência, basta você andar no trânsito para sentir a agressividade. Ou ler o jornal e ver tantos casos de acidentes causados pela negligência do poder público, pela falta de noção do outro. Isso começou a me desgastar muito."

"Ao fim de praticamente quatro anos eu estava muito cansado de morar aí. Todos os dias eu sentia que passava mais tempo a resolver problemas do que propriamente vivendo."

Gonçalves ri ao lembrar dos comentários que ouviu de amigos cariocas quando passou dois meses de férias no Rio, em 2010, e foi contaminado pela vontade de ficar.

"Todos diziam que passar férias no Rio é muito diferente de morar no Rio. Mas, como todos os apaixonados, eu estava meio cego."

Oportunidades díspares

Do grupo de outros estrangeiros que chegaram com ela, Maite estima que 70% já voltaram
Do grupo de outros estrangeiros que chegaram com ela, Maite estima que 70% já voltaram
Foto: Portal da Copa / BBC News Brasil

Do grupo de 50 estrangeiros com quem chegou, Maite estima que 70% já tenham voltado, e acha que só uma ou duas pessoas vão ficar no longo prazo.

"O país não convida a ficar. Tem uma crise econômica aparecendo, não dá para ter uma boa expectativa de crescimento. E acho que o pior ainda está para vir. Depois da Olimpíada ainda vai ser muito pior. Todo país tem uma crise depois da Olimpíada", diz ela, natural de Barcelona, que sediou os jogos em 1992.

Maite afirma que a experiência no Brasil foi muito rica e não se arrepender de nada, mas mesmo a lição de vida que levará para casa tem uma nota amarga.

"Eu aprendi muito aqui. Eu sempre acreditei que todo mundo tem o que merece, porque todo mundo tem uma oportunidade. No Brasil eu aprendi que não, nem todo mundo tem uma oportunidade. Isso mudou a minha visão de mundo", diz a espanhola.

Paulo Sérgio de Almeida, do CNIg, afirma que não se pode negar a influência do cenário econômico sobre os fluxos migratórios – seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo.

Ele diz que número de migrantes não tem tido o aumento consistente que vinha tendo, e que a crise atual pode de fato levar a uma diminuição no número de imigrantes.

Mas ele vê a aprovação do novo projeto de lei como o passo mais urgente para abrir caminhos para a entrada – e eventual permanência – de estrangeiros.

"Se você não tem uma porta de entrada na qual as pessoas possam bater, não adianta debater as outras questões. As pessoas simplesmente não conseguem entrar."

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