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Brasileiros 'ilegais' no Paraguai poderão perder terras, diz ministro

13 fev 2012 - 09h44
(atualizado às 10h26)
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Em meio a uma nova disputa por terras na região de fronteira com o Brasil, o ministro do Interior do Paraguai, Carlos Filizzola, disse que os fazendeiros brasileiros que tiverem títulos "ilegais" poderão perder suas propriedades no país. "Aqueles que não tiverem como comprovar sua legalidade, devem estar preocupados. Os que têm títulos legais podem ficar tranquilos", disse em entrevista à BBC Brasil, falando de Assunção.

Nos últimos dias, emissoras locais de televisão e fotógrafos registraram o que seriam grupos de sem-terras com foices e paus defendendo sua permanência nas áreas ocupadas
Nos últimos dias, emissoras locais de televisão e fotógrafos registraram o que seriam grupos de sem-terras com foices e paus defendendo sua permanência nas áreas ocupadas
Foto: Jornal La Nación / BBC Brasil

"Os que receberam terra de forma ilegal podem se preocupar. Sejam paraguaios, brasileiros ou de outra nacionalidade", completou. O ministro afirmou que as terras deverão ser restituídas ao Estado, mas disse que caberá à Justiça a definição sobre a veracidade e a legalidade dos documentos, dizendo que Poder Judiciário do país "é muito lento, mas deve ser respeitado".

Suas declarações foram feitas no momento em que grupos de sem-terras ocupam propriedades nos municípios na região do Alto Paraná, no leste do país. Advogados dos fazendeiros dizem que as invasões começaram em abril de 2011, mas que teriam se intensificado este ano, principalmente no município de Ñacunday, onde estão as terras do brasileiro naturalizado paraguaio Tranquilo Favero, chamado pela imprensa local de "rei da soja" do Paraguai.

"Setores do governo não atendem às determinações judiciais de que a polícia deve desocupar os terrenos", disse à BBC Brasil o advogado Guillermo Duarte, defensor de Favero. "Ele tem terras produtivas há mais de quarenta anos e deve ser respeitado pelos investimentos que fez e faz no país."

Flilizzola, no entanto, afirmou que o governo tem atendido a todas as determinações da Justiça para as desocupações das terras. Em um dos casos, em um pedaço de terra próximo a uma empresa, a desocupação não foi realizada porque a Justiça não teria emitido parecer específico. "Até o momento não recebemos nada da Justiça", afirmou o ministro. Estas terras também seriam de propriedade de Favero, de acordo com seu advogado.

Nos últimos dias, emissoras locais de televisão e fotógrafos registraram o que seriam grupos de sem-terras com foices e paus defendendo sua permanência nas áreas ocupadas. Um dos líderes do protesto, Victoriano López, disse à BBC Brasil que "mais de 10 mil famílias estariam acampadas em uma extensão de 7 quilômetros", onde estão as instalações de uma empresa de eletricidade.

"Essa aqui é terra pública. Os brasileiros estão ocupando terras fiscais que deveriam ser do povo paraguaio. Nós somos pobres e eles estão ricos". López disse que os sem-terra "não têm apoio do governo" e que a polícia "que deveria proteger o povo paraguaio, está do lado dos latifúndios". Ele afirmou que não há planos de liberação das terras ocupadas em Ñacunday.

Problema estrutural

Segundo o ministro do Interior paraguaio, a distribuição de terra é hoje um dos grandes problemas do país, que tem 6,4 milhões habitantes, com cerca de 35% de pobres. Oitenta por cento das terras estão "nas mãos de apenas 2%" da população, afirma Filizzola.

"No Paraguai, grande parte das terras está nas mãos de poucos. Os grandes latifúndios surgiram principalmente durante a ditadura de (Alfredo) Stroessner, quando as terras foram entregues ou vendidas, mas sempre em meio a muita corrupção. E aquele sistema foi mantido pelos governos que sucederam o de Stroessner", afirmou.

Segundo ele, muitos brasileiros e paraguaios passaram a ser donos de terras naquele período. Na sua opinião, os conflitos de terras são recorrentes no país porque o Paraguai é "fundamentalmente agrícola" e o pequeno produtor não tem acesso à terra, como deveria.

"Existe um problema antigo de concentração de terras no país e por isso necessitamos de uma reforma agrária integral. Com o governo (do presidente Fernando) Lugo adotamos várias medidas, tentamos melhorar essa situação, mas esse é um problema estrutural, que vem da época de Stroessner e ainda há muito a ser feito", insistiu.

Radiografia

Filizzola disse que o governo pretende "deixar transparente" a radiografia das terras no território paraguaio. O Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), equivalente ao Incra no Brasil, está medindo as terras do país. Depois disso, o governo pretende realizar um censo, com ajuda do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Com posse dos dados técnicos, Filizzola afirma que "o Poder Judiciário terá a palavra final" sobre as disputas entre fazendeiros e sem-terra. Ele garante que a "propriedade privada" será respeitada "desde que os documentos não sejam falsos".

No mês passado, fazendeiros reclamaram que os militares convocados para medir as terras na região de fronteira teriam chegado acompanhados por grupos de sem-terras.

Soja

O Paraguai é o quarto maior produtor mundial de soja, mas o ministro observou que esta não é a atividade que mais gera empregos diretos para os paraguaios. "A soja é muito importante, mas é principalmente para exportação e é exportada como matéria-prima, gerando poucos empregos para os paraguaios. Devemos ter uma agroindústria e aí sim serão gerados empregos no país", disse.

Ele fez a mesma ressalva em relação à produção de carne - outro setor com forte presença de produtores brasileiros no país. Nos bastidores do governo, autoridades costumam lembrar que o cultivo da soja "levou o camponês para a cidade, onde ele não encontra emprego, o que também contribui para o aumento da pobreza".

O ministro reconheceu que a pouco mais de um ano das eleições presidenciais, em abril de 2013, é "difícil" que o governo Lugo, que não tem maioria no Congresso Nacional, aprove novas leis, como uma "ampla reforma agrária". Fontes da embaixada do Brasil em Assunção disseram à BBC Brasil, na semana passada, que estavam "otimistas" depois que o governo afirmou que respeitará a propriedade privada.

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