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Beijaço e mamaço: o novo jeito de protestar toma conta do País

12 jun 2011 - 17h27
(atualizado às 21h06)
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Simone Sartori
Direto de São Paulo

Tudo pode começar com um beijaço, esquentar com um panelaço e terminar com um mamaço ou um churrasco para gente diferenciada. Não importa o superlativo ou o cardápio, o que importa é ser ouvido pelo maior número de pessoas em prol de uma causa. Seja em defesa de uma lei que criminalize a homofobia, contra a proibição de amamentar seu filho em público ou em protesto de uma nova estação de metrô. Com o avanço da tecnologia, a voz dos manifestantes é amplificada por meio e através das redes sociais. Protestar no País hoje está anos-luz distante do ativismo dos tempos da ditadura, das passeatas que para ganhar força dependiam do grito e de um envolvimento político e sindical. Atualmente, protesta-se com festa, com brincadeiras, com ironias e com a internet, que torna-se uma aliada em um reposicionamento político do cidadão na sociedade civil.

A professora Rita Alves, doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que as ferramentas digitais ganham um papel de destaque nesse processo por sua vocação natural de aproximar as pessoas e encurtar distâncias. Ela também considera as manifestações digitais "importantíssimas" para a renovação do conceito de cidadania e da transformação das políticas públicas.

"É uma questão política e cultural, mais do que uma questão social. Estamos vivendo um momento muito importante porque até pouco tempo vivíamos um desinteresse (sociopolítico) e de repente as ferramentas digitais encurtaram caminhos. Diferente dos protestos antigos, hoje temos uma pulverização desses desejos e manifestações. Precisamos prestar atenção no que está acontecendo porque a política está sendo feita também no cotidiano", afirmou Rita Alves.

A festa em vez do grito

Para a pesquisadora, as novas manifestações devem ser consideradas legítimas bem como o aspecto lúdico pode ser indício da formação de uma nova maneira de mobilização. "Podemos estar construindo uma maneira juvenil, leve e politizada de manifestação, que tem a ver com sociabilidade, diversão e entretenimento, mas sem ser alienação. A festa, o encontro, a sociabilidade fazem parte dessas manifestações. De certa forma, trabalha-se ideias e valores que podem incomodar as elites", sustenta.

Não há, entretanto, um modelo fixo de manifestação. Cada uma possui a sua característica. As questões podem ser locais - como a proibição de uma mãe amamentar seu filho em público - ou versões brasileiras de uma manifestação mundial - como uma marcha contra a violência sexual feminina. Os movimentos são efêmeros, podem durar alguns meses e dar lugar a outra causa. A repercussão na mídia é quase automática e os efeitos podem ser notados a curto prazo, segundo a antropóloga.

"As transformações acontecem lentamente porque as autoridades reagem mais lentamente, mas os resultados aparecem a curto prazo. Dois ou três dias depois do churrasco da gente diferenciada (que protestou de forma irônica com moradores de um bairro nobre de São Paulo que se posicionaram contra o projeto de um metrô), o governo estadual voltou atrás, passou a tratar o projeto de uma forma mais séria", apontou Rita.

Ativismo nas redes

Professora titular da PUC-SP com doutorado em Teoria Literária e especialista em semiótica e novas tecnologias, Lucia Santaella explica que os movimentos podem ser chamados de ativismo nas redes. "São uma nova maneira de manifestação dos movimentos sociais, ou seja, a sociedade civil que não consegue espaço na grande mídia, que encontraria uma dificuldade enorme para se organizar pelos meios tradicionais, algo que seria quase impossível", afirma.

Segundo Lucia, o mais importante tem sido o fato de a sociedade civil ter encontrado uma maneira de se pronunciar. "Evidentemente, ela (a sociedade) só consegue se fazer ouvir através de um grande número", diz a professora ao falar dos movimentos presenciais, que ocorrem fora da rede, mas que são apenas a ponta do iceberg.

Beijaço e mamaço: ação e reação

Pode parecer divertida ou provocadora a ideia de reunir casais gays e hetero para se beijar em público em defesa de um projeto complementar que criminaliza a homofobia. Pode causar estranhamento ou virar motivo de piada a iniciativa de mobilizar mães contra a proibição do ato de amamentar em local público. Tudo isso, no entanto, também pode revelar facetas de uma sociedade conservadora e machista que contrasta com a imagem projetada de País alegre, acolhedor, livre de preconceitos.

Em São Paulo, beijaços já foram organizados pela internet para protestar contra episódios de agressões a gays. No Piauí, estudantes difundiram a ideia ao promover um beijaço que reuniu casais homossexuais e heterossexuais. Segundo Lorena Vidal, integrante da Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre (Anel), houve a necessidade de uma "resposta" a manifestações homofóbicas.

"A Anel tem como uma de suas bandeiras principais o combate às opressões, sejam de gênero, raça, orientação sexual ou de qualquer outro segmento. A escolha do beijaço se deu pela simbologia que a manifestação pública de afeto e carinho entre homoafetivos tem na nossa sociedade", defende Lorena.

Outra onda de protestos foi desencadeada por mães indignadas com restrições à amamentação. A jornalista Kalu Brum viveu uma situação inusitada quando teve uma foto sua dando de mamar ao filho retirada do Facebook. Ela se indignou, pensou em excluir sua conta, mas resolveu contar o episódio em um blog. A história ganhou repercussão rápida e motivou uma série de protestos online. Dois dias depois de ter sua foto retirada ("por violar as regras de uso de imagem"), foi realizado em São Paulo um mamaço no prédio do Itaú Cultural em apoio a uma mãe que foi impedida de amamentar o filho no local.

Kalu exalta a força das redes sociais e a difusão de interesses comuns. "E só acontece graças ao poder da liberdade de expressão pelos blogs e da mobilização pelas redes sociais. Ganha-se poder de criar uma notícia, que antes não era possível. E as pessoas passam a ver as redes sociais não como um espelho narcisista, mas uma ferramenta com capacidade de se organizar politicamente. O mamaço não é provocação, mas uma resposta que promove um questionamento da sociedade. Não queremos uma lei que permita as mulheres amamentar, mas queremos a liberdade de dar de mamar onde quiser", defende Kalu.

Segundo ela, o mamaço brasileiro fará o caminho inverso das manifestações mundiais e a ideia deve ser "importada" em breve para pelo menos 12 países. A articulação já está sendo feita e conta com a internet como uma das principais ferramentas. O protesto das mamães já ocorreu em diversas capitais do País desde maio.

Beijaço foi a forma de protesto de gays contra a homofobia
Beijaço foi a forma de protesto de gays contra a homofobia
Foto: Mauricio Tonetto / Terra
Fonte: Terra
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