O aumento de crimes dentro de famílias, como mostram quatro homicídios ocorridos em São Paulo em menos de dois meses, podem ser um fenômeno social, segundo especialistas consultados pela Agência Efe.
Para Marina Bazon, psicóloga e pesquisadora da área criminal da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP), a perda de espaços de convivência, a fragilidade das relações humanas e a falta de qualidade de vida nos grandes centros urbanos podem ter agravado a violência dentro das famílias.
"Imagine que você está em uma sociedade na qual a situação de trabalho é muito difícil, com empregos informais e direitos violados. Esse estresse vai ter de sair em algum lugar. Se não é fora de casa, vai ser dentro", comentou a psicóloga.
Nos últimos dois meses, a cidade de São Paulo protagonizou mortes em quatro famílias causadas, supostamente, por algum de seus membros, sendo três delas por envenenamento.
O primeiro caso recente aconteceu no dia 6 de agosto, quando Marcelo Pesseghini, um menino de 13 anos, teria matado seus pais, sua avó e sua tia-avó, suicidando-se depois.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em segurança pública Guaracy Mingardi alertou que a visibilidade destes crimes familiares podem ter um efeito dominó. Para ele, os indivíduos que já possuem tendência para cometer algum crime podem se sentir inspirados ao ver os crimes que foram cometidos e ganharam visibilidade.
"O caso do suposto homem (sic) que (supostamente) matou sua namorada e quatro filhos dela envenenando-os tem algumas semelhanças com a mãe que envenenou suas filhas. Ambos têm coisas de responsabilidade e de ver os outros como um apêndice, sem uma existência própria", explicou Mingardi.
Na terça-feira, um boliviano foi detido como suspeito de envenenar sua namorada e quatro filhos dela em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo, e uma mulher, na sexta-feira passada, envenenou suas duas filhas adolescentes, estrangulou seu cachorro e depois tentou se suicidar no bairro do Butantã. No início de setembro, um homem desempregado e endividado se suicidou junto com a esposa e seus dois filhos pequenos em Cotia, também na região metropolitana de São Paulo.
Bazon apontou que a família tem uma função de "segurança", e quando esta faceta não funciona, isso pode levar a uma "crise". "A família é também o lugar onde se descarregam as tensões cotidianas que não são resolvidas nos espaços públicos", acrescentou.
Para a psicóloga, mais que os problemas em si, é a falta de estruturas e políticas públicas o que gera um contexto propício a estes problemas. Neste sentido, Bazon afirmou que, em comparação com o passado, os grandes centros urbanos são cada vez mais "individualistas" e não têm políticas centradas na qualidade de vida do cidadão.
"Antigamente também havia estresse, mas tínhamos um modelo diferente de sociedade com relações de proximidade, de comunidade e de bairro mais forte do que possivelmente são atualmente. É impossível que as famílias não 'adoeçam' junto com a sociedade", finalizou.
Uma auxiliar de enfermagem e seus quatro filhos foram encontrados mortos na noite de 16 de setembro de 2013, no apartamento onde moravam, em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Responsável por acionar a PM após encontrar as vítimas mortas, o namorado da mulher é apontado como o principal suspeito do crime. A polícia suspeita que a família tenha sido envenenada
Foto: Edu Silva / Futura Press
A corretora de imóveis Mary Vieira Knorr tentou cometer suicídio após matar as duas filhas, de 13 e 14 anos, e o cachorro da família no dia 14 de setembro de 2013, no Butantã, zona oeste de São Paulo. Contida pela PM, a mulher demonstrava estar confusa e confessou o crime. Ela foi levada ao Hospital Universitário da USP, onde segue internada
Foto: Alex Falcão / Futura Press
Um casal e seus dois filhos foram encontrados mortos no início de setembro de 2013, em Cotia, na Grande São Paulo, com sintomas de envenenamento. Segundo a polícia, Claudinei Pedrotti Junior e Suelen Cristina da Silva usaram o veneno conhecido como "chumbinho" para matar os filhos e, em seguida, cometer suicídio
Foto: Cloves Ferreira / vc repórter
A morte de cinco pessoas de uma família de policiais militares mobilizou a polícia de São Paulo. Após investigação, a polícia dá como certa a hipótese de que os PMs Luis Marcelo Pesseghini e Andreia Regina Bovo Pesseghini foram mortos pelo filho, Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, 13 anos, que teria cometido suicídio em seguida. Além dos três, também morreram a avó e a tia-avó do menino
Foto: Facebook / Reprodução
Em maio de 2013, Fábio de Rezende Rubim e Miriam Amstalden Baida foram assassinados a tiros na frente da filha de 1 ano, após uma discussão com um vizinho do prédio onde moravam, em Santana de Parnaíba (SP). Vicente D'Alessio Neto, 62 anos, teria se irritado por causa do barulho e usou um revólver para matar o casal e, ao retornar a seu apartamento, cometeu suicídio
Foto: Facebook / Reprodução
Um traficante foi preso em abril de 2013 em Ibirité (MG), suspeito de matar um desafeto e a família dele. Jefferson Oliveira foi assassinado na companhia de sua mãe, a irmã e uma amiga da família, em um crime motivado pela disputa do tráfico de drogas na cidade. Roberto Marques do Carmo, o Beto, foi apontado como o mandante do crime
Foto: Alex de Jesus/O Tempo / Futura Press
O agricultor Gilmar Jesus Reolon foi preso em janeiro de 2013 em Francisco Beltrão (PR), após passar três anos escondido na mata. A caçada a Reolon teve início em dezembro de 2009, quando ele matou o pai por causa de uma dívida. Temendo ser preso e levar vergonha à família, o agricultor decidiu matar a pauladas, no mês seguinte, a sogra, a mulher e seus dois filhos
Foto: 21º Batalhão da PMPR / Divulgação
O bioquímico Ênio Luiz Carnetti tentou se matar ao pular de uma ponte na Grande Porto Alegre, em julho de 2012, após matar a mulher, Márcia Calixto Carnetti, e seu filho de 5 anos. Para a polícia, o crime foi motivado por uma suposta traição de Márcia. Carnetti havia imprimido diversos e-mails da mulher, além de um bilhete encontrado no local do crime
Foto: Facebook / Reprodução
O publicitário Gil Rugai foi condenado em fevereiro de 2013 a 33 anos e 9 meses de prisão pela morte do pai, Luiz Carlos Rugai, e da madrasta, Alessandra Fátima Tritiño. O júri aceitou como verdadeira a tese de que Gil os matou depois que o pai descobriu um desvio de dinheiro da empresa da família e o expulsou de casa
Foto: Fernando Borges / Terra
A estudante Suzane von Richthofen foi presa aos 19 anos, em 2002, acusada de matar os pais, Manfred e Marísia, que não aprovavam o seu relacionamento com o desempregado Daniel Cravinhos. Suzane disse ter permitido que Daniel e seu irmão, Cristian, entrassem em sua casa e matassem seus pais a pauladas enquanto dormiam