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Acidente da TAM: ex-diretora da Anac diz que é inocente e 'bode expiatório'

8 ago 2013 - 22h43
(atualizado às 22h45)
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Após deixar o prédio do Fórum Criminal Federal em São Paulo, onde ocorreram nesta quinta-feira os depoimentos das testemunhas de acusação do julgamento sobre o acidente com o avião da TAM, em julho de 2007, Denise Abreu, ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), disse ser inocente. Interpelada por pais de vítimas na saída do fórum, na capital paulista, em um momento de muita tensão entre as partes e de muita emoção e choro, a ex-diretora disse que também é vítima no caso e que foi usada como bode expiatório para que o governo pudesse esconder as falhas do sistema aéreo nacional.

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Denise Abreu é uma dos três réus que estão sendo julgados pelo crime de atentado contra a segurança aérea em função do acidente com o avião da TAM que, na noite do dia 17 de julho de 2007, se chocou contra um prédio da companhia e matou 199 pessoas no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Além dela, também são acusados pelo crime o vice-presidente de operações da TAM, Alberto Farjeman, e o diretor de Segurança de Voo da empresa, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro.

"Sou mãe e sei o quanto é sofrido vivenciar uma tragédia dessa. Estou disposta, em meu depoimento, a trazer toda a verdade à tona. Esta será a primeira oportunidade para que eu traga a verdade à tona e deixar bem claro que a Anac não tem nenhuma corresponsabilidade direta ou indireta por este trágico acidente e confio totalmente na imparcialidade do Poder Judiciário que comprovará, ao fim, a minha inocência", declarou.

Enquanto falava com os jornalistas sobre a sua inocência, dois pais de vítimas do acidente da TAM, que estavam no local fazendo uma vigília para cobrar por justiça, se aproximaram de Denise e a interpelaram para dizer que ela era uma das responsáveis pela morte de seus filhos. "Moça, faz seis anos que choro de saudade da minha família. Seis anos que eu não durmo nenhuma noite de saudade da minha família", disse, bastante emocionado, Roberto Silva, pai da comissária Madalena Silva, que morreu no acidente.

Maria Estela Outor Teixeira também interrogou Denise Abreu, mostrando à ex-diretora da Anac a foto do filho Douglas, 31 anos, que também morreu no acidente. "Denise, olha o meu filho. Esta semana peguei o atestado de óbito dele para fazer o inventário do pai (dele). Ele (o filho) morreu carbonizado", disse chorando. "Como é que você deixou acontecer (isso)?", perguntou. "Tomara que nunca ninguém falhe com seus filhos como você falhou com o meu."

Denise respondeu que não foi a responsável pelas mortes. "É impossível um diretor jurídico, que assina papel, ter qualquer responsabilidade direta ou indireta em um acidente aéreo. De qualquer maneira, ninguém mais do que eu, (que sou) mãe, deseja a verdade dos fatos", declarou a ex-diretora da Anac. Maria Estela insistiu, chorando: 'Você não imagina, Denise. Não sabe (a dor)."

Denise declarou aos pais das vítimas que, quando for depor, em data ainda não marcada pela Justiça Federal, mas estimada entre novembro e dezembro, vai trazer as verdades dos fatos e mostrará que também é vítima. "Eu, mais do que ninguém, aguardo por este depoimento. Eu também sou vítima. Fui eleita como bode expiatório do sistema político deste país que escondeu todas as mazelas do sistema de aviação civil, que tinha, sim, problemas", ressaltou.

A ex-diretora da agência acusou a comissão parlamentar de inquérito (CPI), que foi instalada no Senado para investigar o acidente, de ter mudado os rumos da investigação "por causa de alguns acordos", que disse serem desconhecidos, delegando a responsabilidade do acidente à Anac. Denise ainda questionou o fato de nenhum representante da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) ter sido responsabilizado pelo acidente e nem aparecer como réu neste julgamento.

"A Anac tinha apenas um ano e meio (de criação) e só administrou crises da aviação civil brasileira. Estávamos em processo de transição. Não compete à Anac a liberação de pista. Desde 1950, o Aeroporto de Congonhas funciona neste país com administração aeroportuária da Infraero. O que eu me pergunto é porque (houve) tanta proteção à Infraero, já que não houve denúncia com relação à nenhum dos diretores ou à presidência da Infraero. A Infraero é um órgão do governo. A Anac não é um órgão do governo. A Anac é um órgão de Estado, é uma agência reguladora, e, por isso, jogaram a culpa nela para blindar o governo", disse Denise Abreu.

O procurador da República Rodrigo De Grandis, autor da denúncia, declarou que a Infraero não foi denunciada no caso porque não houve provas de sua responsabilidade. "As pessoas denunciadas são aquelas em que a investigação conseguiu provas. Por que essas três pessoas foram denunciadas neste caso? Porque existem provas, contundentes, no sentido de que essas três pessoas agiram com culpa. Se alguém da Infraero não foi denunciado é porque efetivamente não existiram provas nesse sentido", explicou.

O procurador ressaltou que não houve qualquer blindagem da Infraero por razões políticas. "Espero que ela (Denise Abreu) confirme isso por ocasião de seu interrogatório. O Ministério Público Federal não tem qualquer tipo de limitação na sua atuação. Temos autonomia absoluta para desempenhar nossa atividade e oferecer uma ação penal para aqueles que são efetivamente responsáveis. Denunciamos essas três pessoas porque encontramos provas nesse sentido. Não há qualquer tipo de blindagem ou de imunidade", disse.

Ao fim de sua entrevista aos jornalistas, Denise Abreu ainda se dirigiu aos parentes das vítimas para se mostrar solidária a eles. "Aproveito o momento para me solidarizar. Nunca tive a oportunidade de dialogar com nenhum deles. Estive ontem com Dario Scott (presidente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ3054 - Afavitam) e tivemos uma conversa. Eu também tenho pai e mãe, também tenho família e filhos e tenho problemas de perdas na vida", declarou. Scott confirmou que a ex-diretora da Anac o procurou, dizendo ser mãe e estar solidária aos parentes de pessoas que morreram no acidente.

Aos jornalistas, após a entrevista de Denise Abreu, a mãe de Douglas disse que a ex-diretora da Anac não é inocente. "Inocente ela não é, não. Ela é responsável, sim. Se ela não tinha capacidade para ir fiscalizar, ela que não assumisse o cargo." Para Maria Estela, a Infraero também deveria ser responsabilizada pelo acidente. "Também, claro. Pegaram só três (réus), mas foram mais. Mas o que a gente faz? Chora, grita. É só isso que resta", disse, chorando. "Meu filho era formado, de boa índole, de bem com a vida. Entrou naquele avião e aquele avião não podia nem estar voando mais."

Julgamento

De acordo com a Justiça Federal, os réus respondem pelo crime de "atentado contra a segurança de transporte aéreo", na modalidade culposa, e não pelo crime de homicídio. A morte das 187 pessoas que estavam a bordo da aeronave e das outras 12 que estavam em solo foi consequência do atentado contra a segurança de transporte aéreo.

Os réus respondem pela prática dos crimes previstos no Art. 261 do Código Penal, "expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea", cuja pena é de dois a cinco anos de reclusão. Por causa da queda e da destruição da aeronave, foram enquadrados no § 1º do Art.261, que prevê pena de reclusão de quatro a doze anos, e também no § 3º, modalidade culposa – quando não há a intenção de cometer o crime.

Além disso, foram enquadrados no Art. 263, também do Código Penal: como o desastre resultou em mortes, Art. 258 – que prevê que o caso de culpa, se do fato resulta morte, aplica-se a pena prevista para o homicídio culposo, aumentada de um terço. A pena para homicídio culposo é de um a três anos.

O acidente
O voo JJ 3054 da TAM decolou do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, em direção a São Paulo no dia 17 de julho de 2007. O Airbus A320 pousou às 18h48 no aeroporto de Congonhas, na capital paulista, mas não desacelerou durante o percurso da pista, atravessou a avenida Washington Luís e se chocou contra um depósito de cargas da própria companhia. Em seguida, a aeronave pegou fogo. Todas as 187 pessoas do avião e mais 12 que estavam em solo morreram.

Uma investigação do Setor Técnico Científico (Setec) da Polícia Federal apontou que uma falha dos pilotos é a hipótese "mais provável" para o acidente. De acordo com o Setec, uma das manetes que controla as turbinas da aeronave estava na posição para acelerar e isso anulou o sistema de freios. Não foi possível esclarecer se o comando estava na posição errada por falha humana ou mecânica.

Como fatores contribuintes para o acidente, o relatório final produzido pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) apontou que o monitoramento do voo não foi adequado, a Agência Nacional de Avião Civil (Anac) não havia normatizado regras que impedissem o uso de reversos (freios aerodinâmicos) travados e a Airbus não colocava avisos sonoros para mostrar aos pilotos quando as manetes estavam em posições diferentes (uma para acelerar e outra para frear o avião). Após a tragédia, a TAM instalou um dispositivo que avisa os pilotos sobre a posição incorreta do equipamento.

Em novembro de 2008, a Polícia Civil de São Paulo indiciou dez pessoas pelo acidente, entre elas o ex-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Milton Sérgio Silveira Zuanazzi e a ex-diretora da agência Denise Maria Ayres Abreu. Dias depois, no entanto, a Justiça suspendeu os indiciamentos alegando que "a medida policial ter sido lançada por meio de rede jornalística representa, aos averiguados, eventual violação de seu direito individual".

O inquérito sobre o acidente foi repassado para o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. Em julho de 2011, o MPF ofereceu denúncia contra três pessoas por "atentado contra a segurança da aviação". São acusados: a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu; o ex-vice-presidente de operações da TAM Alberto Fajerman; e o ex-diretor de segurança de voo da companhia Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro. Desde 5 de junho de 2011, o processo está na mesa do juiz Márcio Assad Guardia aguardado a decisão final do magistrado.

Em janeiro de 2009, a Justiça Federal aceitou denúncia contra Denise Abreu por fraude processual. Ela é acusada de ter apresentado à desembargadora Cecilia Marcondes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, um estudo interno como se fosse uma norma da Anac. Esse documento foi usado pela Anac no recurso que garantiria, em tese, a segurança nas operações em Congonhas com chuva, sendo que pousos e decolagens só precisariam ser proibidos caso a pista estivesse com uma lâmina d'água superior a 3 mm. Segundo depoimento da desembargadora Cecília Marcondes ao MPF, o documento foi fundamental para que a Justiça Federal liberasse a pista para pousos e decolagens de todos os equipamentos. Em junho de 2012, Denise Abreu impetrou habeas-corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo liminar para suspender a ação. No final do mês, o ministro Ricardo Lewandowski deu parecer favorável ao pedido.

Agência Brasil Agência Brasil
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