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Crime x liberdade: e se a Charlie Hebdo fosse do Brasil?

Especialistas em Direito Penal acreditam que, se alguma publicação semelhante à revista francesa existisse no Brasil, poderia circular livremente em nossas bancas

8 jan 2015 - 17h20
(atualizado às 18h24)
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O atentado cometido na redação da revista satírica Charlie Hebdo, em Paris, nesta quarta-feira, imediatamente levantou em todo o mundo uma questão que parece nunca sair de moda. É certo que nenhum tipo de agressão – muito menos um ataque nessas proporções – pode ser justificado, mas será que aqueles jornalistas passaram dos limites ao publicar charges que brincaram com ideologias e líderes religiosos?

Embora alguns insistam em dizer que sim, especialistas brasileiros em Direito Penal ouvidos pelo Terra acreditam que não. De acordo com eles, nossa legislação é, inclusive, semelhante à francesa no que diz respeito à liberdade de imprensa. Assim como aconteceu por lá durante anos, o Charlie Hebdo poderia ser comercializado nas bancas daqui sem problema algum.

Cartunistas demonstram solidariedade a Charlie Hebdo:

“No Brasil existe uma série de crimes contra o sentimento religioso, mas nenhum deles se enquadraria nesse caso da revista francesa. Ela é uma publicação que trabalha com sátira, isso a coloca no campo da liberdade de livre manifestação de pensamento, de ideia, de humor. Não se trata propriamente de um crime publicar aquele tipo de charge. Aqui também não haveria tipificação para esse comportamento”, disse Mário Luiz Sarrubbo, professor de Direito Penal na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) de São Paulo.

No Código Penal do Brasil, o artigo que trata de “crimes contra o sentimento religioso e ultraje ao culto” é o de número 208. De acordo com o texto, podem ser consideradas crime atividades como “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; e vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.

O artigo 220 da Constituição Federal de 1988, por outro lado, garante que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” e ressalta que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” e ainda que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Para exemplificar a diferença entre um e outro, Sarrubbo relembrou um caso ocorrido em 12 de outubro de 1995. Na ocasião, Sérgio von Helde, bispo evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, apareceu em um programa transmitido pela TV Record chutando uma imagem de Nossa Senhora Aparecida como “protesto” contra o caráter daquele feriado nacional (dia da Padroeira do Brasil).

“Neste caso, sim, houve crime. Tanto que ele foi condenado pela Justiça brasileira. O bispo teve um comportamento não voltado à sátira, mas a atingir determinada religião. Não é o caso da revista. As sátiras publicadas nela não são voltadas apenas ao islamismo, elas tratam de qualquer tipo de assunto, qualquer tipo de religião. Uma coisa é tomar uma atitude pública que ofenda determinada religião, outra coisa é fazer humor”, contou.  

Alberto Toron, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tem opinião parecida. Segundo ele, se uma revista semelhante existisse no Brasil e algum leitor incomodado tentasse tomar alguma atitude legal, ele dificilmente venceria a disputa.

“É preciso entender que o caráter jocoso - a intenção de brincar com determinado assunto, de fazer humor com determinado assunto - exclui o dolo necessário para caracterização de crime de ultraje e ofensa ao sentimento religioso”, explicou.

“O leitor incomodado poderia representar, por exemplo, pela ocorrência de crime. O que acho é que dificilmente a Justiça aceitaria essa ideia. É evidente que sempre podemos encontrar um juiz que pense diferente, mas vai do subjetivismo de cada magistrado. A meu ver, estamos no domínio da liberdade de expressão e de imprensa. Dificilmente a revista seria fechada ou os jornalistas seriam condenados”, completou. 

Fonte: Terra
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