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Anticoncepcional faz 50 anos revolucionando ciência e relações

6 mai 2010 - 11h47
(atualizado às 11h57)
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A pílula anticoncepcional, cujo 50º aniversário será celebrado este mês, ajudou a transformar incontáveis meninas em mulheres e meninos em homens. Mas uma parte pouco contada da história da pílula é que ela também ajudou a promover a maturidade da Food and Drug Administration, a agência reguladora de alimentos e medicamentos dos EUA.

A pílula - no início comercializada como Enovid, pela G.D. Searle - foi considerada o avanço científico mais importante do século XX. Muito foi escrito sobre como a pílula revolucionou as relações sexuais e sociais, permitindo que as mulheres adiassem a gravidez, entrassem no mercado de trabalho e fizessem escolhas de vida que suas mães não puderam - ou, se preferir, difundindo a promiscuidade e comprometendo as fundações do casamento. De qualquer forma, meio século após sua aprovação, a pílula ainda é o principal método de controle de natalidade, usada por mais de 100 milhões de mulheres ao redor do mundo.

Mas a pílula também trouxe um grande avanço ao que a dra. Margaret Hamburg, atual comissária de alimentos e medicamentos, chama de ciência regulatória. Muitas das etapas que dão base às aprovações modernas de medicamentos - ensaios clínicos extensos, consultas rotineiras a especialistas externos, avaliações contínuas da segurança de um medicamento e comunicação direta entre a FDA e os pacientes - foram implantadas de modo pioneiro para lidar com as preocupações sobre a segurança da pílula.

Em termos regulatórios, a pílula provocou um tipo de reforma: assim como Martin Luther insistia que os cristãos podiam se comunicar diretamente com Deus, sem a mediação de padres, a pílula acabou levando a FDA a comunicar-se diretamente com os pacientes sem o intermédio de médicos. Essa mudança, à qual grupos de médicos resistiram ferozmente, está agora firmemente consolidada; a FDA atualmente exige que alertas importantes, e às vezes complexos, nos medicamentos sejam compreensíveis aos pacientes. Mas a pílula foi a pioneira.

"A FDA enfrentava há anos a Associação Médica Americana sobre a comunicação com os pacientes", disse o dr. Daniel P. Carpenter, professor de governo de Harvard. "E com a pílula, a FDA claramente estabeleceu a supremacia."

O papel da pílula no amadurecimento da FDA foi muitas vezes ignorado, porque logo depois da aprovação do contraceptivo pela agência, notícias de efeitos terríveis da talidomida correram o mundo. O medicamento havia sido introduzido na Europa como um sedativo, mas foi retirado do mercado em 1961, depois de ser associado a graves defeitos de nascimento.

Embora a talidomida nunca tenha sido aprovada nos Estados Unidos, o horror em torno de seus efeitos levou o Congresso a endurecer o processo de aprovação de medicamentos, exigindo que os fabricantes provassem que seus remédios eram seguros e eficazes.

Esse era um padrão que a FDA já havia colocado em vigor, silenciosa e intermitentemente, em parte por causa da opinião crescente de que a segurança de um remédio estava intrinsecamente ligada à sua eficiência.

A pílula Enovid, que combinava os hormônios estrógeno e progesterona, já havia sido prescrita para problemas menstruais. Mas para aprovar o medicamento como contraceptivo, os avaliadores da agência exigiram que a Searle provasse que a pílula era eficaz na prevenção da gravidez. (Se funcionasse, a pílula livraria as mulheres dos riscos de gravidez e maternidade, o que minimizaria qualquer risco conhecido da droga.) Por isso, a companhia conduziu um dos programas de ensaio clínico mais extensos até hoje, disse a dra. Suzanne Junod, historiadora da FDA. A pílula foi formalmente testada em 897 mulheres, em sua maioria de Porto Rico e Haiti.

Os ensaios foram relativamente breves e não responderam a questões fundamentais sobre os riscos de câncer, problemas cardíacos e outras doenças crônicas. Incerta sobre os efeitos de longo prazo dos contraceptivos hormonais, a FDA exigiu que os médicos limitassem as prescrições a dois anos.

A popularidade imensa da pílula, no entanto, logo tornou essa limitação impossível de ser cumprida. Novas versões foram introduzidas, e as mulheres podiam simplesmente trocar de marca - ou encontrar outro médico para prescrever a pílula antiga. E muitos médicos ignoravam o limite.

Então, em novembro de 1961, um médico britânico relatou ao The Lancet que uma jovem havia desenvolvido um coágulo de sangue e morrido ao tomar a pílula. Dentro de meses, duas fatalidades similares foram relatadas nos Estados Unidos e, em agosto de 1962, a FDA recebeu 26 relatórios de usuárias que haviam desenvolvido coágulos de sangue.

No final de 1964, mais de quatro milhões de mulheres já haviam usado a pílula da Searle, e diversos concorrentes começaram a tomar o mercado. Com algo tão popular, não havia como a agência saber se os problemas sofridos pelas usuárias estavam relacionados à pílula ou teriam acontecido de qualquer forma - o tipo de mistério que assombra reguladores de medicamentos desde então.

Assim, as autoridades da agência tomaram, pela primeira vez, duas medidas que posteriormente acabaram se tornando rotineiras. A agência pediu que uma junta de especialistas externos avaliasse as evidências de modo contínuo e pressionou, com os reguladores britânicos, por uma investigação epidemiológica ampla que se tornaria um modelo para o futuro.

Mesmo antes da pílula, o governo federal americano já tinha uma longa história de usar comitês consultivos para avaliar assuntos específicos e emitir relatórios. Mas em 1965, a FDA estabeleceu sua primeira junta consultiva permanente, o Comitê Consultivo de Obstetrícia e Ginecologia, em grande parte para monitorar a segurança da pílula.

A agência possui hoje 32 comitês consultivos permanentes, um dos quais com 18 juntas diferentes. Esses comitês fornecem aconselhamento crucial não apenas sobre a aprovação de certos medicamentos e aparelhos, mas também sobre como lidar com preocupações de segurança que surgem após a aprovação. "O que a pílula fez", disse Carpenter, de Harvard, "foi mostrar à FDA que a vigilância após a comercialização é um problema difícil."

O desafio de comunicar esses riscos aos pacientes e ao mesmo tempo apoiar a continuidade do uso do medicamento atormentava as principais autoridades da agência. Protestos de grupos de mulheres e audiências no Capitólio deixaram claro que, apesar das tentativas da agência, muitas mulheres afirmavam ter tomado a pílula sem serem totalmente informadas sobre seus riscos.

Frustrada pelo fato de alguns médicos não se comunicarem adequadamente com suas pacientes, a FDA criou um folheto em 1975 que os médicos podiam usar no aconselhamento de pacientes. Muitos médicos, irritados com o que consideraram uma intrusão da agência na relação médico-paciente, ignoraram o material ou se recusaram a distribuí-lo.

Em 1978, enfrentando reclamações crescentes sobre a falta de informação suficiente fornecida às mulheres, a FDA exigiu que as pacientes recebessem folhetos informativos quando retirassem suas prescrições na farmácia.

"Foi a primeira vez que a agência forneceu informação diretamente aos pacientes no momento da venda, ao invés de confiar nos médicos", disse Junod, a historiadora.

Mais recentemente, o adesivo contraceptivo Ortho Evra se tornou um exemplo notável dos desafios contínuos que a FDA enfrenta na regulação de uma indústria global de bilhões de dólares, da qual a agência depende para obter informações cruciais sobre a segurança dos medicamentos.

A Johnson & Johnson desenvolveu o adesivo na esperança de expor as mulheres a doses menores de estrógeno do que as contidas na pílula. Mas os próprios estudos da companhia mostraram que o adesivo na verdade liberava doses maiores.

A descoberta foi mostrada por meio de uma fórmula matemática num relatório de 435 páginas registrado perante a FDA. A companhia disse que havia agido responsavelmente, mas, quatro anos depois, a FDA divulgou um alerta sobre as altas doses de estrógeno do adesivo e as vendas caíram.

Uma última curiosidade sobre a pílula: ninguém tem certeza de quando exatamente é seu aniversário. Há dez anos, a agência celebrou a ocasião em 23 de junho, data em que a FDA deu a aprovação formal para que a Searle comercializasse o produto. Este ano, a agência vai celebrar a data no domingo, que coincide com o dia, 50 anos atrás, em que a FDA anunciou sua intenção de aprovar a pílula, quando poucos detalhes técnicos haviam sido resolvidos. O fato de a data cair no Dia das Mães este ano pode ter influenciado a decisão.

Mas qualquer que seja a data, ela representa os primeiros passos de maturidade da FDA. "A pílula foi um marco no campo da regulação de medicamentos", disse Peter Barton Hutt, ex-advogado da agência. "Esse é o medicamento que começou tudo."

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
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